sexta-feira, dezembro 31, 2004

Desejos de Próspero num Ensombrado Ano Novo...

Neste 31 de Dezembro desejo aos meus colegas da blogosfera um próspero Ano Novo.

Faço-o com a alegria da chegada do novo ano (e esperança consentânea) mas com a tristeza de saber que ele será, inelutavelmente, antecedido pela morte de dezenas de milhares de crianças na tragédia do sudueste asiático.

As crianças foram, têm sido, são e continuarão a ser o melhor que temos e a esperança de todos nós. E é bom que nunca nos esqueçamos disso...

Aha! O "Público" ataca de novo! Vade retro! Vade retro!

E eis que o pasquim elitista "Público", cujas cúpulas não admitem autores de artigos de opinião que não os dos seus "opinion-makers" reservados (alguns semelhantes, pela antiguidade do ideário, aos "reservados" da Biblioteca Nacional...) é apanhado com a boca na botija a plagiar... sim, a plagiar. E de onde? Da blogosfera. Veja tudo no arqueoblogo (post n.º 356), em plágio pela mão da jornalista Marta Rodrigues e aqui no substracto, pela pena da iminente Catarina Serra Lopes. Semelhantes denúncias existem nos blogs doportugalprofundo e blogue de esquerda

E encontre as desculpas esfarrapadas do provedor do pasquim aqui. É caso para dizer que o Livro de Estilo do Público é para os leitores do pasquim, não para o próprio corpo redactorial...

Ouvi dizer...

- que, pelo menos, as autoridades tailandêsas, conscientes umas horas antes da provável vinda de um tsunami às zonas costeiras do seu país, não alertaram para o perigo dado que as ricas instâncias turísticas da costa estavam apinhadas de gente e não queriam causar um pânico desnecessário...

- que a RTP suspendeu a reportagem em directo de um correspondente por telefone nas zonas sinistradas que, em primeira mão, noticiava as possíveis vitimas portuguesas do cataclismo, para poder dar inicio ao "Praça da Alegria"...

- que um popular, a beber uma cerveja pela garrafa num café onde noticiavam pela televisão os dados mais recentes das vitimas do tsunami, disse: "mudem essa merd* de canal que já estou farto de ver essa merd*"...

Nãããããããã... não acredito...

quinta-feira, dezembro 30, 2004

Investigação em Portugal: branqueamento do passado?

Recente artigo de Boaventura Sousa Santos na revista “Visão” enuncia, depois de fazer um breve e ligeiríssimo apanhado do panorama da investigação científica em Portugal nos últimos meses, os princípios sobre os quais deve, a seu ver, assentar a política científica. Depois de constatar as declarações criticas dele no VIII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais, “A Questão Social no Novo Milénio”, em Coimbra, onde estive em Setembro passado, pasmo em aperceber-me agora do tom algo conciliador que imprime à sua análise da política científica em Portugal. Quem o viu e quem o vê. Na realidade, a leitura dos princípios do mesmo dá a entender que “até nem estão más as coisas” no domínio da investigação em Portugal: o uso do termo “prosseguimento” por várias vezes, leva-me a entender tal. É notória a ausência de qualquer pendor crítico. Isto é, “as coisas não estão más mas poderiam melhorar um bocadinho aqui e ali…”. Já para não falar de apenas relacionar a investigação ao ensino superior em 1 dos seus 15 “princípios” (abaixo "anexados").

BSS estará, agora que largou a actividade político-partidária e a t-shirt consentânea, a perder o seu pendor crítico? Estará tão distante, encafuado no seu amplo gabinete, que já se esqueceu o que é, tem sido, e aparenta poder vir ser a investigação em Portugal? A redução do número de bolsas? O atraso nos pagamentos às mesmas (sei do que falo: já tive três bolsas…). A precariedade contratual dos investigadores e a falta de perspectivas ulteriores de ocupação em tarefas relacionadas (porque imigram os nossos investigadores?). O encerramento que encontram nas instituições de ensino superior por se encontraram “super-habilitados” e ameaçarem os lugares de quadro de outros docentes que já lá estão, tanto nas Universidades mas especialmente nos Politécnico (onde sei de casos de doutorados que são corridos de escolas superiores por terem habilitações “ameaçadoras"). A fragilidade, precariedade e sub-financiamento crónico dos laboratórios de investigação? Etc., etc.. Ter-se-á deixado seduzir pelas medidas demagógicas propaladas?.

Julgo estarmos perante um cenário de lavagem do passado (próximo) em termos de grandes opções (e respectivos financiamentos) no panorama da investigação em Portugal. Mais recentemente, em artigo de opinião do “Público”, o anterior presidente da FCT publicita alguns números duma altura em que me parecia que a investigação passava melhores dias que os actuais (Volta, Mariano Gago! Estás perdoado!”). Ele enuncia que, nos primeiros cinco anos da FCT (1997-2001), foram aprovados, entre outros apoios:
- 6.988 bolsas de formação avançada;
- 2.168 projectos de investigação científica;
- 208 projectos de investigação em consórcio entre empresas e instituições científicas (através da Agência de Inovação);
- 3.120 projectos Ciência Viva na Escola (através da Agência Ciência Viva);
- 23 projectos de apoio à reforma dos Laboratórios do Estado;
- financiamento plurianual de
- 270 unidades de investigação,
- 15 Laboratórios Associados,
- 1.820 reuniões científicas.

Isto numa altura em que os “dinheiros” da União Europeia jorravam bem melhor do que agora. Aguardemos por um melhor futuro. Os cientistas agradecem. O país também.
------------------------------------------------------------------------------------------------------
Princípios de Boaventura Sousa Santos para a política científica em Portugal (coloquei-os aqui porque não estão disponíveis na web... só impressos):
1. Apoio estrutural e programático ao desenvolvimento das unidades de investigação, com cumprimento atempado dos compromissos contratuais do Estado, e numa perspectiva transversal de apoio equilibrado a todas as áreas científicas;
2. Prosseguimento do programa de criação de laboratórios associados e consolidação do apoio aos já existentes;
3. Prosseguimento dos programas de formação de investigadores, através de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e de bolsas de iniciação à investigação, dadas as grandes carências nesta área;
4. Promoção de novas iniciativas na promoção de emprego científico;
5. Regresso ao financiamento dos projectos de investigação em todas as áreas, através da abertura de concursos anuais;
6. Prosseguimento e consolidação dos processos de avaliação independente das instituições de e de projectos de investigação por painéis internacionais;
7. Criação de medidas de apoio à constituição de redes científicas que permitam maior colaboração entre as instituições científicas portuguesas e as apoiem na inserção em redes internacionais;
8. Institucionalização do espaço de consulta e participação dos cientistas e suas instituições na definição e acompanhamento da política científica;
9. Relançamento e reforço de iniciativas de promoção de cultura científica nomeadamente através do Programa Ciência Viva;
10. Articulação entre investigação científica, inovação e desenvolvimento tecnológico;
11. Criação e consolidação de “organizações de interface”, como, por exemplo, conselhos consultivos, capazes de articular a autonomia científica e a responsabilidade social e política, na produção de políticas públicas;
12. Promoção da cidadania cognitiva, através do espaço de consulta aos cidadãos e participação destes em debates e deliberações sobre opções científicas e tecnológicas com impactos sociais, ambientais ou na saúde;
13. Promoção de actividades de extensão e de investigação participativa, orientadas para o interesse público e para os interesses de grupos de cidadãos, na linha das «lojas de Ciência», existentes nalguns países europeus, e para as quais há apoio no âmbito dos programas comunitários;
14. Aproveitamento do processo actual de discussão sobre a reforma do processo de ensino superior para repensar a relação entre ensino superior e a investigação científica, entre universidades, institutos politécnicos e unidade de investigação;
15. Envolver os cientistas portugueses na discussão em curso sobre o VII Programa-Quadro da União Europeia, de apoio à investigação, que entrará em vigor em 2006. Este envolvimento é tanto mais importante quanto parece existir uma quebra de continuidade no que respeita à preocupação central com o tema Governação, Cidadania e Sociedades baseadas no Conhecimento, garantida pelos IV e VI Programas-Quadro (...)”

terça-feira, dezembro 28, 2004

Património ao desbarato...

Uma espécie de dor de alma ou sensação de desperdicio é o que me perpassa quando vejo incunábulos e pós-incunábulos quinhentistas a serem vendidos "leaf by leaf" (folha por folha) no site americano do ebay. Alguns, pude constatá-lo, são portugueses ou de autores portugueses e de inegável valor histórico .

Feito ingénuo já enviei e-mails à Biblioteca Nacional dizendo que um incunábulo (ou próximo ulterior) ou um manuscrito em português ou em latim mas de autor português estava em leilão (completo, felizmente) a um preço acessível (dado o valor do bem) e nada responderam. Assim se depreda o património histórico mundial. Por interesses materiais mesquinhos...

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Dupla, tripla, tetra, penta, hexa... negativa: só para inteligentes...

Nas minhas aulas, numa das disciplinas, tenho abordado, entre outros, a importância da comunicação do docente e, inserido nisto, alguns cuidados no discurso do professor. Entre outros falo-lhes de um discurso claro, concreto, etc., etc., e listo um rol de erros a evitar. Um deles aponta para evitar as frases que comecem pela negativa (ou dupla negativa), cuidado a ter, também, em metodologias de investigação de cariz qualitativo.

A verdade é que o léxico português não contempla um termo para uma resposta a uma questão formulada pela negativa como acontece no francês (“si”) ou alemão (“doch”). Para exemplificar este cuidado remeto aos alunos uma questão hiper-complexa de responder e hiper formulada pela negativa. Muitos aceitam o desafio e copiam para responder em casa. Alguns chegam mesmo a tentar responder extra-aula. Poucos acertam fundamentadamente.

Calcule que me quer dizer que é, efectivamente, uma pessoa inteligente. Para tal terá que acertar na resposta a uma pergunta. Ao acertar, estará a transmitir a ideia que é inteligente porque… acertou. Se quiser dizer que é inteligente mas errar ocorre algo como “quis dize-lo mas não consegui…”. É claro que tem sempre 50% de possibilidades de acertar.
A pergunta, a responder com "sim" ou "não", é a seguinte:

“Eu escolho não prescindir da acção oposta a desistir da
inclinação contrária a não dispensar a vontade inversa de
excluir a não impossibilidade de não negar a inevitabilidade
de não ser uma pessoa que não se considera inteligente”
Sim _
Não _

domingo, dezembro 26, 2004

Flagrantes da Vida Real (II): Eu é que xou o prejidente da junta…

Auto-estrada Lisboa-Cascais. Enquanto aguardo na fila (e não “bicha” como muitos teimam dizer) vou mudando de estações de rádio buscando algo interessante de se ouvir. A necessidade de alterar a mudança de velocidade faz-me parar numa rádio local da zona centro coimbrã. Entrevista-se (Entrevistador: E.) um presidente de uma junta de freguesia (P.J.):
“P.J.: porque a freguesia é muito pouco desenvolvida e há muitos projectos à espera…
E .: Mas a Câmara Municipal…
P.J.: A Câmara não ajuda nada! Já pedimos financiamentos e nada! Não temos nada!
E .: Mas o que é mais premente no presente?
P.J.: Tudo é premente! É tudo!
E .: Pois mas… infra-estruturas, por exemplo?
P.J.: Não temos nada! Não temos nenhumas! Já pedimos à Câmara infra-estruturas! Nada!
E .: … pois… a única coisa que parecem ter em excesso são carências pelos vistos…

P.J.: Ó homem?! Não temos carências nenhumas, nada! Já pedimos à Câmara as carências e nada! Nada de nada!”

O nosso Portugal dos pequeninos...

“Branca de Neve e os Sete Anões” (II)

Anónimo envia-me continuação de fábula de post anterior (15/12/04). Reza:
«Depois da demissão de Branca de Neve da tertúlia que liderava, a tertúlia da Confusão Geracional, constou, no reino da floresta, que imensos tambores ecoavam. Todavia as mensagens não eram perceptíveis. Ouviam-se baques no couro mas não se distinguia o conteúdo.
O anão Rezingão mantinha a sua zanga. E já a tinha batucado em tambor para vários destinatários.

Ocorre que entra em cena uma nova tertúlia a quem o anão Rezingão tinha endereçado um pedido. Esta nova tertúlia, o Comité dos Funcionários Desiludidos (desiludidos com as outras duas tertúlias, bem entendido), não se reunia para pensar em linhas de acção para alterar o modo como se organizavam e nas leis que presidiam às grutas, cavernas, tocas subterrâneas, troncos ocos de árvores e barragens de castores onde passavam muito tempo jovens animais e onde eram formados para se tornarem verdadeiros anões e animais úteis à floresta. Esta tertúlia, outrossim, era mais serena e tinha a função de vigiar as restantes tertúlias e avisa-las quando aquelas ultrapassassem certos limites. Não consta que, ao contrário das outras tertúlias, se envolvesse em (muitas) polémicas.

Bom, de regresso à história: o anão Rezingão recebeu uma resposta tida como labiríntica da tertúlia do Comité dos Funcionários Desiludidos que não encontrou eco na sua pouco anã satisfação. Vai daí largou o seu brado, em voz estridente, noutra tertúlia (aquela outrora liderada por uma lontra, lembram-se? Vamos chamar-lhe tertúlia dos Confrades Notáveis. Agora era chefiada por um pastor-alemão, de boa cepa, paciente e manhoso). O anão Rezingão bradou na tertúlia dos Confrades Notáveis, dizia eu, e fê-lo na presença de Branca de Neve e do anão Sabichão. Os restantes anões desta tertúlia ouviram pacientemente o anão Rezingão mas pouca importância lhe deram. À excepção de dois ou três anões que quiseram que a tertúlia do Comité dos Funcionários Desiludidos tivesse um papel mais activo na resolução da contenda entre os anões da tertúlia de Branca de Neve. O esperto pastor-alemão prometeu fazer algo para esclarecer isso.

Nesta reunião da tertúlia dos Confrades Notáveis havia regras que obrigavam a que estivesse presente um número mínimo e anões e animais. E no dia da reunião não estavam, mallereusement… pelo que as decisões tomadas nesta tertúlia poderiam nada valer. Todavia admitia-se que anões e animais não tivessem falta se avisassem previamente por tambor que não iriam estar presentes. Aguardava-se para saber se anões suficientes o teriam feito…

E eis que alguém avança com uma ideia. Era um galo que cacarejou, justamente por tambor:
- "Esta e a outra tertúlia têm grandes problemas de relacionamento porque todos os animais e anões de ambas prevaricam, insultam, blasfemam, achincalham, caluniam por tambor generalizadamente sem pudor nenhum! Proponho um animal-mor para controlar as batucadas previamente! E proponho que seja o pastor-alemão!”
"Ohhhhh!" Exclamam imensos anões e animais por tambor entre si. "Será possível?!". Pouco depois veio a resposta de outro anão: "Eu concordo!" seguido de "Eu também! Com o controle e com o nome de controlador!" E muitos mais anões e animais pensavam nesta linha. Alguns anões da tertúlia da Confusão Geracional e outros tantos da tertúlia dos Confrades Notáveis ficaram preocupados. A maior parte não.

Faltava o pastor-alemão pronunciar-se. Aceitaria ele tal incumbência? Tal responsabilidade? Tal poder?
O líder da tertúlia dos Confrades Notáveis era manhoso. Não quis assumir uma função que só lhe traria problemas. E, apesar de novo nas funções, ele sabia do que a parte da floresta onde liderava gastava. Fez constar que não pelo silêncio. A sua reserva demonstrava, uma vez mais, sabedoria.
Enquanto tal decorria, o anão Rezingão estava na expectativa. Admirava Pastor-alemão à distância e esfregava as mãos de contentamento face às possibilidades de actuação deste último no sentido de ele pressionar a tertúlia do Comité dos Funcionários Desiludidos a ter uma intervenção punitiva face a Branca de Neve e ao anão Sabichão. E sonhava…

Surge Torquemada, inquisidor-mor das tertúlias reflexivas! Torquemada não era anão. Era bastante alto e delgado. Na sua voz seca e esquálida clama:
- “Trago-vos uma profissão e um auto de fé! Os factos foram analisados. As provas perscrutadas. O julgamento já foi feito e a condenação decidida! Tragam-me os réus!”.
Surgem, andrajosos, Branca de Neve e o anão Sabichão, envolvidos em correntes de ferro nas mãos e nos pés. Caminham pelo cumprimento que os grilhões permitem. Branca de Neve está cabisbaixa mas o anão Sabichão permanece altivo, sem medo, ousado como que dizendo “De nada me arrependo!”

Torquemada brada:
- “Tu, alva vilandade foste condenada a renegar, com humilhação os teus vilipêndios! Despi-vos e arrependei-vos sob pena de excomunhão!”.

Branca de neve despe-se, prostra-se diante do inquisidor-mor e balbucia uma algaraviada que apenas quem lhe está próximo entende. E assim fica.

Torquemada retorna:
- “Tu, anão infernal, serás condenado às chamas do inferno pelas chamas da terra! Arderás na fogueira dos pecados sem piedade nem compaixão! Ardei, vil pecador!”. Sabichão é encaminhado para uma pilha de lenha encimada por um poste. A ele amarrado. Chamas são ateadas. Do espectáculo pirotécnico ouvem-se brados em agonia “De nada me arrependo! De nada me arrependo!”…
Rezingão acorda do devaneio em sobressalto numa zona ruinosa da floresta chamada “Forte de Oeiras”. Torquemada foi só um sonho. Ao desequilibrar-se, cai da cadeira e espeta uma lasca de madeira na zona do baixo-ventre. “Ai meu Salazar que me acuda!”. A zona ferida é delicada. Não fica com voz fina mas terá que ser hospitalizado duas semanas depois do solstício de Inverno. Antes disso apregoa em tambor: “Se não ouvirem de mim não é por desinteresse! Adeus e até ao meu regresso!”»

E ficará a história por aqui?

sábado, dezembro 25, 2004

Feliz Natal são os votos do

Alexandre e do seu pai


O meu filho Alexandre (na foto com um Pai Natal
"comercial") deseja a todos os colegas bloguistas
do pai um Feliz Natal.

sexta-feira, dezembro 24, 2004

O 13.º Trabalho de Hércules: publicar no "Público"

A imagem ao lado esquerdo evidencia o destino dos artigos enviados para o diário "Público" por quem não tem "nome" na praça pública, por quem não tem faz parte do círculo de amizades pessoais da redacção editorial ou Conselho de Administração do mesmo jornal ou qualquer outra afinidade com qualquer deles. Vem isto a propósito das minhas tentativas de publicar o que quer que seja no "Público" (exceptuando anúncios comerciais) quer destinados a "artigos de opinião" quer a "cartas ao director".

Quer experimentar? Envie um escrito qualquer para o campo próprio aqui e apure se os destinatários se dão ao trabalho de lhe responder. Isto apesar da “extensa equipa redactorial” do referido diário citando as palavras que o seu provedor me dirigiu por e-mail. Nas trocas de correspondência que mantive para com o provedor do “Público” (esse, de facto, responde) queixei-me, sobretudo mas não só, da total mutez e completa falta de feed-back que o jornal manifesta para com os seus leitores. Isto apesar da tal “extensa equipa” que, pela arquitectura da página do link acima, parecer dar a entender uma filosofia e intenção de comunicação aberta. Mas não. Fechado, muito fechado é o adjectivo que melhor caracteriza o crivo por onde têm inexoravelmente que passar não só os autores de artigos de opinião a publicar como também a simples predisposição para responder a um e-mail.

O “Público” parece ter uma restrita “lista sagrada” de escrevinhadores articulistas autorizados a publicar artigos nas suas páginas. E só as cúpulas estarão informalmente autorizadas a fazer entrar novos nomes. Ora, ocorre, não especificando ninguém em particular, que o critério de acesso a esse rol escamoteia a qualidade daquilo que escrevem os seus listados. O nome que encima o artigo parece ser mais relevante do que o conteúdo que se lhe sucede. Não se deixem enganar pela imagem de bonomia do seu Director nas frequentes aparições na televisão. Ter a “honra” (?) de publicar um artigo de opinião naquele jornal bem poderia ser o próximo trabalho do mitológico Hércules

Mas claro é que esta posição pode, evidentemente, ser enquadrada na minha subjectividade pessoal, senão num sentimento de raiva e ciúme por nunca ter publicado nada naquele elitista diário. Até descobrir que esta minha subjectividade é partilhada por vários bloguistas naquilo que me parece ser a mera ponta de um iceberg. Vejamos alguns excertos apenas com as iniciais dos seus autores:

- “É, de facto, muito curioso que as pessoas que se pronunciam - e geralmente mal... - no Público sobre Educação sejam quase sempre as mesmas e, sobretudo, venham todas do mesmo lugar. Será coincidência?... DK

- “Não sei porquê, sou "persona non grata" para o Público. Só por teimosia é que ainda continuo a mandar-lhes artigos. Muito raramente publicados. E nunca quando põem em causa notícias do jornal ou escritos dos comentadores amigos. Isenção e pluralidade! JVC

- “Deve ser por essas e por outras que o director do Público é alvo de um abaixo-assinado no blog Barnabé JM

- “Já pensaste enviar os textos [para o “Público”] assinados por outra pessoa? LAC

- “Nada lá [no “Público”] passa contra os opinadores de estimação do director. JVC


Bom… e se isto não é sintomático permitam-me que lhes conte um episódio que não deixa de o ser. Estava eu no meu quarto ano da licenciatura, em 1991 ou 1992, quando surge um artigo de opinião do “Público” que assacava os males do sistema escolar ao “eduquês” e à pretensa e maléfica produção científica pedagógica das “Ciências da Educação” as responsáveis pela situação “caótica” das escolas no seu todo (a coisa ainda não parou, pelo que se vê e lê…). A peça jornalística terminava com a possibilidade de um cenário catastrófico se tais “eduquêses” ou “cientistas da educação” chegassem ao poder. Orgulhoso como era, pela idade e pela situação de finalista, achei que a infâmia merecia uma resposta. Escrevi-a quase sem levantar a pena do papel. Alguns dos meus colegas, igualmente indignados, fizeram o mesmo.

Por esse dia havia um almoço de curso onde confraternizavam alunos e professores. Fui. Durante o repasto, a conversa não pode deixar de falar da polémica. Surge, da parte dum colega meu, a informação de que alguns de nós tinham escrito um texto de resposta. Corroborei e disse que também eu tinha feito um. Aquele colega e eu tínhamos feito textos separados e dado a ler um ao outro. Achamos, bem ou mal, que poderiam ser “publicáveis”. Mas, quase em uníssono, lamentamos a ínfima possibilidade de tal acontecer. Eis que intervém um nosso professor, natural das terras de sua majestade mas naturalizado português. E assevera, altivo, no seu sotaque britânico: “Para eu publicar um artigo no «Público» basta eu querer…”. E pede, a mim e ao meu colega, os textos que produzimos. Malleureusement eu tinha deixado a disquette do meu texto em casa, a cerca de 28 quilómetros de distância. O meu colega trazia-a consigo. Professor e aluno combinaram que o primeiro fazia uma leitura do artigo do segundo e que o docente, com a concordância do discente, assumia a co-autoria do texto a publicar, depois de eventuais refinadelas do mesmo. Nesse mesmo dia o britânico professor enviaria o texto para o “Público” mas precedido de um… telefonema

Admirei-me com o que parecia ser a altivez do professor. E não jogava nada com o que eu conhecia dele. Não mais pensei muito nisso até porque na edição do dia seguinte do jornal de Belmiro de Azevedo nada constava sobre a polémica do “eduquês”, das “Ciências da Educação” ou dos cenários de crise associados. Todavia no dia seguinte, dois dias depois do almoço, portanto, lá estava chapado o artigo. Com o nome do professor e o de aluno. “Não há coincidências”, diz escritora da nossa praça. Ad perpetuam rei memoriam

ADENDA: se os bloguistas referenciados com iniciais neste post entenderem como abuso a minha referência às mesmas, apaga-las-ei. Desejo agradecer aoNelson, ao André Pacheco por terem colocado o link deste blog nos seus bem como à gentileza do"Prof". Retribuirei o favor brevemente assim que tiver um bocado de tempo.
ADENDA 2: a edição de hoje do "Público" deixa, na secção "Cartas ao Director", adivinhar um dos critérios de selecção de cartas enviadas. Diz assim: "Sou leitor fiel desse jornal, que considero ser do melhor que se faz neste momento em Portugal.(...)" Et voilá!

quinta-feira, dezembro 23, 2004

O "Retorno das Desigualdades" ma non troppo...

Fátima Bonifácio, em artigo do "Público" chorrilha um conjunto de inverdades, semi-dislates e algumas verdades sobre uma real crise do sistema escolar português. Proponho-me desconstruir algumas das suas teses:

1. O título aponta para um eventual “retorno das desigualdades”: a verdade é que as desigualdades a jusante e a montante do sistema escolar nunca foram embora para, agora ou recentemente, poderem regressar. Os sociólogos da educação (com destaque para o emérito Pierre Bourdieu) já o trataram até à exaustão. Nos tempos actuais poder-se-á dizer (embora não apresente aqui dados para o sustentar) que a desigualdade é de pendor neo-liberal e mascarada de uma retórica de mudança supostamente niveladora das desigualdades (de que nos fala tão bem Thomas Popkewitz);

2. Não é verdade que “inovação pedagógica e transformação social conseguiram produzir o fracasso educativo que está hoje à vista de todos” mas, outrossim, a incapacidade em transpô-las para o terreno escolar. Aqui esta bonifaciana personagem monta a sua própria armadilha. Ela não se refere, especificamente, ao “mal” de tal “inovação” e “transformação”. Apenas as adjectiva, implicitamente, de “más” ou “causadoras directas do fracasso educativo” no seu conjunto. Numa só cajadada condena a produção científica pedagógica e, julgo, da sociologia. Os campos que, justamente, mais têm denunciado as desigualdades do sistema escolar. Por outro lado, quererá dizer que se não fossem a produção destas duas áreas não haveria “fracasso educativo”? Seguramente que não…

3. As afirmações “De repente, a escola confrontou-se com um universo de alunos em cujas casas nunca existiram livros e cujos pais não sabem falar português” e “conduz à percepção da escola antes de mais como um instrumento de integração e ascensão social, em lugar de ser prioritariamente encarada como um meio de desenvolvimento intelectual” são, em si verdadeiras. A primeira é suportada por “hard data” (ver dados do Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural) e a segunda também. Estabelecer uma relação entre as duas é que já não se revela pertinente. A “percepção” de que fala na segunda afirmação é muito anterior à “massificação” que “ocorre” na segunda. Aconselho-lhe a leitura de Sérgio Grácio, designadamente sobre os antigos liceus e outros escritos.

4. Profere: “O grau académico é visto em primeiro lugar como uma promoção social, e só muito secundariamente, e raramente, como o atestado de uma qualificação intelectual. Por isso a maioria dos estudantes não acha que seja preciso estudar, acha que basta passar.” No que tem razão. O canudo tem, mesmo que cada vez mais desvalorizado no acesso a um posto ocupacional equivalente no mercado de trabalho, vale per si como factor de prestígio para quem o possui;

5. Também é pertinente nas posições sobre perda de autoridade do professor, de uma indisciplina dali resultante, de laxismo, da responsabilidade do professor neste mas, mete a pata na poça quando as torna, todas elas, “consequência” da “implementação de um conceito de «comunidade educativa» em que os alunos são convidados a participar, em pé de igualdade, na vida escolar”. Como pode a senhora queixar-se de uma escola produtora de desigualdades, logo, anti-democrática por definição para, logo a seguir denunciar, condenar e atribuir muitos dos males à implementação de um mecanismo democrático na mesma? A senhora confunde planos: “participar em pé de igualdade”, por parte dos alunos, não implica a perda de autoridade do professor. É um nexo de causalidade pobre e linear. É pobre e falsamente desculpabilizador. Quer dizer que se transpôs para a escola aquilo que já é (na teoria ou na prática…) comum a muitas outras esferas da vida pública ou privada e característico das sociedades democráticas. E, de uma só cajadada de novo, coloca em causa a filosofia subjacente ao ideário e edifício legislativo da autonomia e gestão das escolas. Dificilmente isto poderá ser adjectivado de “democracia radical”. Achará que os resultados da Escola da Ponte são, no seu conjunto, apócrifos ou resultantes de uma conspiração entre adultos e crianças para propagar uma falsa realidade? Para quê? Saudosista dos tempos da velha senhora, Fátima Bonifácio quer duas democracias: uma para si, plena de direitos, onde tem o direito de liberdade de expressão, de participar livremente na génese e vida das instituições e outra democracia para os outros. Outra onde todos devem ter consciência das suas limitações e plena de deveres…;

6. A relação que Fátima Bonifácio estabelece entre um “relativismo cultural agressivo”, a perda de autoridade do professor e uma cultura juvenil que “privilegia o prazer e o lazer em detrimento do esforço e do estudo, e a leitura é considerada uma prática obsoleta quando se pode procurar tudo na Internet” não é despicienda. Mas também não é exclusiva da escola. Sendo polémico, saberá a senhora que os defeitos e aspectos perniciosos do relativismo cultural já estão, há não muito, a ser combatidos por um “interculturalismo crítico” tão profícuo embora pouco mais que emergente? Não tem que saber. Pelo que lhe reconheço alguma legitimidade nesta posição;

7. Seguidamente enuncia somente aquilo que lhe convém nas “modernas teorias educativas” para sustentar a sua posição: “o professor tem de ser um camarada e a escola um lugar lúdico; deve propiciar a expansão da livre criatividade do aluno e o desenvolvimento da sua preciosa personalidade; não deve ensinar nada cuja utilidade não seja evidente; deve convocar a permanente participação do aluno; só deve ensinar coisas que se «compreendam» e nada que se decore; deve estimular a capacidade crítica dos alunos; não deve maçá-los com matérias áridas ou demasiado complexas; não deve sobrecarregá-los com trabalhos de casa que lhes roubam o tempo para as brincadeiras tão indispensáveis à sua felicidade.” O que resultaria, para o aluno, uma espécie de “filhos de Rousseau” na visão de M. Filomena Mónica. A argumentação de Bonifácio parece-me o trabalho do causídico de acusação que destaca apenas o que lhe fortifica a sua posição e omite tudo o resto, por mais relevante que pareça. A verdade é que Bonifácio não deve circular por muitas escolas. Se o fizesse descobriria que, muito boas ou muito más, aquelas “modernas teorias” não são esmagadoramente aplicadas, ou são-no retoricamente: assaz no discurso e muitíssimo menos no campo escolar. Pelo que dificilmente poderão ser responsabilizadas. Dou-lhe, no entanto, razão aos disparatados preceitos legais que facilitam a não reprovação de alunos a que faz alusão no seu artigo;

8. Em todo o seu discurso ressalta a ideia de que os males da escola vêm de fora dela, dos teóricos da educação, portadores de maléficas teorias pedagógicas, que só minam e sabotam o trabalho do professor. Ora e os próprios professores? Serão eles, nesta panóplia de desgraças, “filhos de Rousseau”, inatamente excelentes pedagogos, pobres coitados agredidos indefesos e sem qualquer responsabilidade neste teatro de crise? E o palco da formação dos mesmos? É inócuo a este cenário fatalista? Tudo indica que sim. Colega docente afirmou, no outro dia: “Nunca me chocou que os alunos copiassem. Penso que é um direito que têm. Mais ou menos como o direito de um preso de fugir da cadeia, ou o direito a mentir, quando se está a ser julgado”. Fátima Bonifácio esquece-se de que os professores são humanos e, como tal, passíveis de errar. Que a linha de fronteira entre ser “professor camarada” e “professor com autoridade” é extremamente difícil de traçar mas exequível. Que, como outros humanos, experimentam dificuldade em transpor as “modernas teorias” do ideário para o campo de trabalho, no caso, a sala de aula, e que muitas vezes o fazem numa ânsia precipitada e irreflectida. Que também eles são propagadores e não somente vítimas da “cultura difusa na sociedade valoriza a sensibilidade e a intuição espontâneas em detrimento de uma racionalidade crítica informada”. Efectivamante, alguns dos argumentos de Fátima Bonifácio são quase tão antigos como a imagem que acompanha este post. ("Industrial Worker", da org. "Industrial Unionism", P.O. Box 2129 Spokane Washington, 1906[?])

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Nacionalismos parolos

Fui ao cinema no outro dia. Um grande acontecimento para quem tem um bebé de 20 meses já que o pimpolho é o rei da casa. Sem uma intenção pré-deliberada de ver algum filme em particular.
Cheguei ao estabelecimento e escolhi aquele que me parecia o menos mau: “O Tesouro Nacional” com Nicholas Cage a protagonizar a fita.
O filme entretém mas a trama narrativa é simplista: uma caça a um tesouro imenso através da descodificação de pistas enigmáticas. Um mau da fita visa o mesmo tesouro. Ganham os bons. Maus são presos. Tesouro é encontrado. Pronto, já está.

Transpiram, a meu ver, duas mensagens:
1. a tentativa de explorar a lógica (apócrifa mesmo que se lhe chame “romance”) do “Código de Da Vinci” que parece cativar multidões: a desmistificação de factos tidos como certos na história e a substituição por outros mais sensacionais ou contraditórios em relação à filosofia que lhes subjaz secularmente, aparenta atrair as massas. “Cristo era uma mulher, afinal!”, “E Da Vinci também!”, “Maomé era secretamente da Ordem dos Templários!”, “A Arca da Aliança está algures na Reboleira!”, “Nietszche era um extra-terrestre vindo das Plêiades!”, apregoam, qualquer dia os “Davincianos” (sem prejuízo para o eminente artista e, entre outros, inventor que, porventura, revolverá na tumba…). Não há pachorra…

2. a (re)inculcação de valores patrióticos norte-americanos. De facto, “O Tesouro Nacional” explora vários ícones (e iconoclastas…) da história dos E.U.A. sempre com um cunho nacionalista: todos os suportes das pistas (ou as próprias pistas) para encontrar o tesouro são plenos de conteúdos elogiosos à fundação da nacionalidade norte-americana; às suas lutas internas ou contra os imperialistas britânicos, com destaque para a “Declaração da Independência”, o supra-sumo dos ícones. É parolo.

Sempre me estranhou algo na indústria norte-americana nos filmes de “blockbuster”. Já tinha notado uma certa ambiguidade (ou duplicidade) no que diz respeito, por exemplo, ao sexo: por um lado uma vertente pudica assinalável, por outro a exposição de evidentes cenas sexuais baratas e desbragadas. E o que dizer da classificação de filmes? Uma das mais restritiva do mundo justamente no país onde a pornografia cresce geometricamente dia após dia?

Mas, n' “O Tesouro Nacional” a coisa parece-me mais grave. Noto aquilo que me parece ser a tentativa mais ou menos explicita de exportar para todo o globo o nacionalismo bacoco da nação norte-americana. Como que a dizer: “Nós só temos 250 de história mas é tão rica, tão diversa, tão humanista e tão mais variada que a vossa, Velha Europa, Velha Ásia e… os restantes, que têm milhares de anos mas de marasmo ou de lutas fratricidas, mortes escusadas e de guerras por vinténs… Aprendei, parolos!”.

Não há pachorra...

terça-feira, dezembro 21, 2004

O Cobrador de Fraque

Há tempos foi contactado por telefone. Supostamente um indivíduo com o mesmo nome que eu teria adquirido, por crédito, um desumificador no valor de 300 contos e estaria em falta de pagamento de várias prestações. Inquiriram-me se eu tinha o nome em questão, disse que sim, se era residente em determinado endereço na Amadora, disse que não e só depois me esclareceram o motivo do telefonema. O caloteiro tinha, em simultâneo com o não pagamento das prestações, mudado de residência sem comunicar a nova à empresa de crédito. E tinham encontrado o meu contacto via lista telefónica. Ulteriores telefonemas se sucederam num espaço de meses até me deixarem em paz (?). Há cerca de duas semanas ocorreu o último.

Uma pesquisa no google português com o meu nome completo e sem o “dos” que dele faz parte fez encontrar, excluindo as reais referências à minha pessoa, outros “Paulos” com nome idêntico ou semelhante. Um deles era um pintor da Câmara Municipal de Leiria envolvido num processo em tribunal. Temi, por momentos, que o homem mudasse de casa e me aparecesse qualquer dia, cá em casa, um oficial de justiça ou uma missiva a convocar-me para um tribunal de terras do Liz. Era de noite…
«Batem à porta. O olho mágico da mesma faz adivinhar um cangalheiro. Um cangalheiro?!
- Quem é?
- Serviços de recuperação de créditos mal parados!
- Como?
- É o cobrador de
[crz#%&]aque!
- Áque? Tráque? Quem? Não encomendei nada! Já vieram ler a electricidade. Eu pago por estimativa…
- É o Cobrador de Fraque!
Valha-nos Deus! - interrogo-me receoso. Abro a porta.
- Sou o Cobrador de Fraque. Tenho actividade licenciada e disponho de mecanismos legais para efectuar cobranças mal paradas. Tenho uma deontologia própria e apenas em casos de maior gravidade posso usar da violência física.
- Mas, mas, mas…
- Estou legitimado para efectuar uma cobrança em dívida ou, no caso de não cumprimento desta, de fazer um relatório que circunstancie o valor de certos objectos da sua casa para eventual accionamento judicial de penhora.
- Pois, mas eu não sei se…
- Posso entrar?
[inquire, entrando]
[silêncio]
- A sua residência parece-me bem desumidificada…
- Não, não! É muito húmida! No Inverno até chove em cima da cama!
- É? Não sinto…
[tirando um mecanismo portátil esquisito do bolso interior do fraque]. Hummmm …só regista dois ängstroms por metro-quadrado…
- Olhe aquelas nódoas de humidade ali na parede do canto! Vê?!
- Hum?? Aquilo parece-me pintura de quarto de bebé. E diz em baixo “Dumbo”…
- Não! Isso é uma construção aleatória que as pingas de humidade fizeram…é como a teoria do caos, percebe?
- Pois… quanto valerá este relógio? Hummm… marca “timex”… “24 rúbis”…
- Isso é presente do meu padrinho… é uma imitação da loja dos trezentos…
- E tem contraste… é prata… hummmm…
Já irado, clamo:
- Ponha-se daqui para fora! Eu não sou quem procura! Não tenho dívidas mal paradas! Fora! Fora!
Ele sai. Tranco a porta. Oiço-o ainda a bater na porta do apartamento ao lado. Abre-se. Ainda constato:
- Sou o Cobrador de Fraque. Tenho actividade licenciada e disponho de mecanismos legais para efectuar cobranças mal paradas. Tenho uma deontologia própria e apenas em casos de maior gravidade …»

Acordo sobressaltado. Nunca mais como torresmos antes de ir para a cama…

ADENDA: Quero agradecer ao JVC (que me agrupa nos blogs "inclassificáveis" ;-]), ao Jorge, ao Hugo , ao Luís Aguiar, ao J.G. Teixeira, ao Luís, ao João Gonçalves e à Margaridapor terem colocado um link deste blog nos seus. A alguns deles só faria uma pequenita observação: "Acontecencias" não é, pelos vários dicionários que consultei, uma palavra que faça parte do léxico português. Por tal não se sujeita às regras gramaticais, designadamente as de acentuação, da língua de Camões. E não leva acento circunflexo. Corrijam-me se estiver enganado. “Inventei-a” para, logo a seguir, descobrir que já era usada no Brasil… Helas!

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Avaliar é... é o quê?

Por entre muitos dos meus ex-alunos, quer os jovens da formação inicial, quer os “menos jovens” da formação complementar, pairam concepções muito restritas de e sobre avaliação (em educação). Sempre pensei que a elas não era imune o “papão” que ainda assombra o termo. Mas isso são outros debates....
Não me refiro à perniciosa tendência de (ousar) pensar que se pode ter sucesso sem empenho e sem esforço, como tão irreflectidamente pensam muitos dos nossos estudantes (sinal dos tempos?), mas de coisas mais… básicas.

O erro básico é considerar “avaliação” e “classificação” como sinónimos. Lá tinha que ir eu, recorrentemente, ao mais básico para poder, depois, evidenciar o menos: “Avaliar, em educação, é emitir um juízo de valor fundamentado”. Sobre algo, sobre alguém, etc.. “Classificar é colocar esse juízo numa determinada escala”. E não necessariamente quantitativizar uma avaliação. E lá vinham as minhas alunas, algumas com idade para serem minhas progenitoras, dos cursos de Profissionalização em Serviço e dos de Complemento de Formação:
- “Ó Sôdoutor? Um «treze» é uma classificação. E um «satisfaz bastante»? É uma avaliação, não é? Foi assim que sempre me ensinaram…”.
- “Não, não é…”
, respondo, pacientemente. “A diferença é, no caso concreto, que a escala usada no «13» é mais detalhada, mais escalonada do que a escala usada no «satisfaz bastante»”.
- “Olha qu’esta!!”,
Dizem elas provavelmente pensando: “Vem pr’áqui este rapaz novo a querer desmentir o que aprendemos e o que sempre soubemos…”.

Às mais iluminadas, presumo, presunçosamente, que a minha argumentação teria tido algum impacto e feito reflectir. Às outras possivelmente não…

Faz-me recordar uma professora do Ensino Básico a quem inquiri, uma vez, sobre um determinado aluno, no exercício das funções de "orientador" de estagiários:
- Então o Pedro, como tem andado?
- Hã! Mais ou menos...
- Pois... mas... mais para mais ou mais para menos?
- Hããã... assim-assim...
- E a Matemática? Comoestá?
- Hããã.... lá anda, umas vezes melhor, outras vezes nem tanto...
- Percebo [?]... E a Português?
- Hãããã... lá vai, lá vai...
- [impaciente] Mas ele tem progredido??
- Hããããã... umas vezes sim, outras vezes não...
- [fulo mas controlado] Mas onde é que ele revela mais dificuldades??
- Hããããããã... umas aqui, outras ali.. prontos... lá se vai tendo umas vezes mais, outras nem tanto..."

Uma avaliação fundamentada...

Deixo aqui um teste a quem quiser. Afirme qual das seguintes afirmações é verdadeira e qual é falsa (ou se são as duas verdadeiras ou ambas falsas, claro). Se conseguir…

1. Se avaliar, necessariamente classifico - Verdadeiro? Falso?
2. Se classificar, necessariamente avalio - Verdadeiro? Falso?


Se acertar, afirmo, presunçosamente de novo, que está mais apto do que alguns (poucos…) dos nossos professores nas concepções que têm de avaliação pedagógica

domingo, dezembro 19, 2004

Alexossaurus Rex e a tragédia iminente

Final de tarde soalheira. Não há vento. O silêncio ecoa na pequena povoação. Não longe um leve silvo vindo das sebes formatadas no espaço verde geometrizado corta o ambiente fresco e apaziguador. Não perto não há marulho. Nada, mas mesmo nada, prenuncia uma tragédia iminente. A pequena povoação tem poucos habitantes. E a paz reina. Alguma indústria. Mas hoje só o ruído de uma maquinofactura se faz sentir: o dispositivo rotativo depurador de tecidos industriais incomoda quem estiver mais perto. É cíclico o seu barulho.

O encarregado entretém-se com um maquinismo binário de comunicação a distância. Está completamente absorvido. E negligente de outras das sua obrigações para este dia. Cônscio está, levemente, que o dispositivo rotativo depurador de tecidos industriais tem um mecanismo eléctrico de segurança que impede a sua manipulação desavisada. Absorve-se na presente actividade. A ausência da supervisora-mor facilita a manifesta negligência.

Não longe o Alexossaurus Rex desperta. Em silêncio. Há meses que ele reina nesta povoação. Tinha-se alimentado não há muito. Pelo que, movido por um instinto ancestral explora a povoação. Caminha lentamente num passo desajeitado de rua em rua, de beco em beco. Os apêndices manipulares não param: mexe, remexe, desloca, troca de lugar, revolve, revolteia… como pode não ser notado?

Também o encarregado usa os dedos… pléc, pléc, pléc e assim sucessivamente. Não se apercebe da actividade furtiva do sáurio. O dispositivo rotativo depurador de tecidos industriais já não está longe da pré-histórica besta. E a tragédia também não. Tlic! É o som que se ausculta quando as manápulas do Alexossaurus Rex agarram, inexoravelmente, o acesso ao dispositivo rotativo depurador de tecidos industriais, na antecâmara da desgraça. O mecanismo eléctrico de segurança não se acciona. Como?!

Uma torrente de lava quente espraia-se por algumas ruas secundárias da povoação! Alastra a outras! Inferno! Horror! O encarregado ouve como que uma catarata a desenvolver-se fonicamente. Corre ao teatro da desgraça. O ambiente é constrangedor. O Alexossaurus Rex fica petrificado. Também não esperava tal desenvolvimento. Abandona o teatro infernal. O encarregado fica desorientado, siderado, transtornado, especado! Era sua total responsabilidade a zelosa vigilância e é total culpa dele a tragédia. Poderá minimizar os efeitos antes da supervisora-mor chegar? Poderá ele conservar uma réstia de dignidade e um mínimo de reputação?

De repente, o som. O som metálico de chaves a penetrar na fechadura das portas amuralhadas da povoação.

- "É a supervisora-mor! Oh, meu Deus! E agora?!”.

Lívida, ante o espectáculo dantesco, ela diz:
- “Deixo-te 15 minutos com o miúdo e tu por causa da merd* do computador deixas que ele abra a máquina de lavar roupa com ela cheia de água!! Chiça!!!”

sábado, dezembro 18, 2004

Investigação &... Desenvolvimento??

Anónimo que se identifica como “X” refere, num comentário que ele próprio classifica de “perfunctório” (se entretanto foi ao dicionário ver o signicado do termo nem sabe quanta razão tem…), a um post meu: «Ciências (?) da Educação ?...ciências(?). Qual é a necessidade que têm áreas de conhecimento, tão longínquas do método científico, de se auto intitularem "ciências", como também as "ciências das religiões"» (post de 12/12/04 “Uma transubstanciação sinalagmática, embora perfunctória…”) . Julgo que o/a ínvio/a será adepto/a da “exclusividade do rigor” nas “Ciências Exactas” e da “carácter especulativo” de todas as outras.

Recorda-me as alusões que eu faço nas minhas aulas de investigação em educação ou em ciências sociais e humana sobre o “Prémio IgNobel” a propósito da “utilidade/pertinência” da ciência e assuntos relacionados. Criado em 1991 por estudantes da Universidade de Harvard em Boston (EUA), como uma versão… cómica do Prémio Nobel, o “Prémio IgNobel” é concedido a autores de investigações tidas como excêntricas, inúteis, improváveis, etc.. Há quem afirme que a existência do prémio ajuda a derrubar a ideia de que os cientistas são pessoas demasiado sérias, anti-sociais e inatingíveis ou que o prémio pode atrair jovens para a ciência… humm…

Ocorre que os prémios “ignóbil” são atribuídos justamente às ditas “Ciência Exactas”. Recordo-me dos dois únicos exemplos que fixei. Ei-los, transformados na forma de perguntas:

Bioquímica:
- qual o padrão que tomam as bolhas de gás da cerveja de pressão no copo na sua trajectória ascendente?
(consta que o investigador, tendo pena de estragar as cervejas, as bebia ele próprio pelo que podem contestar a investigação se quiserem...);

Psicologia:
- qual o efeito que os flatulentos têm sobre as pessoas que lhe estão próximas quando aqueles flatulentos… humm… flatulam?
(consta que o investigador teve de tomar muitos… medicamentos)

E uma pesquisa à net deu ainda, também na forma de perguntas:

Física:
- porque é que as cortinas da banheira tendem a dobrar-se para dentro?
- qual é a melhor maneira de molhar um biscoito?
- porque cai a torrada sempre com o lado da manteiga para baixo?

Astrofísica:
- os buracos negros preenchem as condições para serem caracterizados como a localização do inferno?

Medicina:
- porque é que coçar o nariz é uma actividade comum entre os adolescentes?
- porque é que quem acha que tem chulé tem, e quem acha que não tem, não tem?

- porque tiram os adolescentes catotas do nariz?

Química:
- porque é que uma estátua de bronze da cidade de Kanazawa é a única que não atrai pombos? (investigação demorou 7 anos)
- bioquimicamente, o amor por ser indistinguível de uma desordem psiquiátrica obsessiva-compulsiva?

Entomologia:
- qual o efeito dos parasitas dos felinos no corpo humano (utilizando o investigador o seu próprio corpo)?

Metereologia:
- qual a relação entre os terramotos e o abanar da cauda dos peixes?

Biologia:
- qual o efeito do anti-depressivo prozac em moluscos?

Matemática:
- qual a possibilidade de o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachov ser o Anticristo? (8.606.091.751.882 para 1).

E muitos, muitos outros. Veja aqui e aqui. Ah! Se não fossem as “Ciências Exactas”! Elementar, meu caro ínvio, elementar...

ADENDA: Uma das investgações que não aludi refere-se à desenvolvida por Willibrord Weijmar Schultz, Pek van Andel, and Eduard Mooyaart de Groningen e Ida Sabelis de Amsterdão, Holanda, com Prémio atribuído por imagens de ressonância magnética dos orgãos genitais femininos e masculinos durante o coito e estimulação sexual feminina.

Colega da blogosfera ("PJ") envia-me estes hilariantes diálogos reproduzindo uma eventual rotina de candidatura dos voluntários para a experiência:
«- Olá. Ainda bem que respondeu ao nosso anúncio. Bem... nós estamos a recrutar voluntários para...como dizer...talvez aqui o Eduard possa explicar melhor.
- Porquê eu Schultz? Tens sempre a mania de pores os outros a fazer o trabalho por ti, não é?
- Eu é que arranjei o laboratório para fazer a experiência. E sabes bem o trabalho que me deu...
- Desculpe o meu colega. Eu chamo-me Pek van Andel. Nós pretendemos fazer um estudo sobre …bem …pretendemos fazer ressonâncias magnéticas.
- Ressonâncias magnéticas? Hmm…interessante. Já fiz uma em tempos. O médico queria estudar melhor uma sombra que aparecia numa radiografia. Descobriu-se que era um quisto.
- Um quisto? E não lhe doeu nada pois não?
- Nada! Se bem que o ruído era um pouco incomodativo e o espaço apertado.
- Como vê, já tem experiência da ressonância magnética. Óptimo!
- E esta ressonância magnética é a quê?
- Bem – disse Pek – é à…à…à parte inferior do corpo. Sabe-se muito pouco sobre a parte inferior do corpo. Nem queira saber os estudos que se fazem sobre …sobre, por exemplo, as pernas e os intestinos.
-As pernas? Julgava que já sabia tudo sobre as pernas. Mas está bem. Querem tirar uma ressonância magnética às minhas pernas é isso?
- Bem…não só…
[Silêncio]
- Ingrid, obrigado por ter respondido ao nosso anúncio. O meu nome é Ida Sabelis. Os meus colegas talvez não estejam a ser muito específicos. Eu vou procurar ser um pouco mais precisa. Pretendemos realizar ressonâncias magnéticas a mulheres que se masturbam ou que se encontram a ter relações sexuais. Estaria por acaso interessada em participar na nossa experiência?
- Ter sexo ao mesmo tempo que me fazem uma ressonância magnética?
- Sim! - Huao! Cool! Porque é que não disseram logo! Como é bom participar nos progressos da ciência…Quando é posso aparecer?»

sexta-feira, dezembro 17, 2004

(Des)História da Educação em Portugal (II)

O inspector escolar Santos era um homem de velha cepa, moralista, óculos de massa grossa escura e atarracado. Ex-professor primário formado nos cânones do Estado Novo, era, relativamente àquele período, semi-critico dos tempos mas não das vontades.

Bebia o seu copito, com peso e medida, nas tascas dos arrabaldes das escolas C+S e Secundárias que visitava. Com aviso prévio às segundas e não às primeiras. Propagava que “agora não se aprende nada” e, para o provar, gostava de citar os versos do seu velho livro da quarta classe:

Tu queres subir ao alto
Ao alto queres subir
Mas quem ao mais alto sobe
Ao mais baixo vem cair.
e
Quem teve a grande desgraça
De não aprender a ler,
Só sabe o que se passa
No lugar onde estiver.


Naquele dia prestava-se a visitar um estabelecimento na terra plana do coração do Alentejo. O sol pesava-lhe nas pernas. A canícula no no rosto. O velho “supercinco” que conduzia prudentemente então não estava melhor que o dono. É recebido com o respeito de outros tempos na escola pelo segurança e pela senhora presidente do Conselho Executivo. Tem carte blanche para ir assistir a qualquer aula. Breve conversa com aquela apura que colega do Magistério nos tempos antigos lecciona História na sala 12. Àquela hora. Que mais podia querer? Velhas amizades e novas mentes em acção. E quem sabe um copito depois. Na sala 12 as paredes humedecidas e descascadas contrastam com o mobiliário novo e o computador desligado.

«- D. Marilia! Há quanto tempo! Veja lá...
- Inspector Santos? Quem houvera de dizer? Esteja à sua vontade...»


Curta conversa que o tempo não ajuda esclarece que se fala do grande incêndio de Roma. Apaixonado da História, Santos deduz o resto: da alegada responsabilidade do imperador Nero na deflagração do inferno e da loucura do imperador, reza a lenda ou a realidade. Por D. Marília, o inspector Santos faz o que quiser, e pode perguntar o que quiser, e a quem quiser. O homem gosta do ritual de passear por entre as carteiras e de escolher aleatoriamente um pimpolho a quem interrogar. A turba emudece, receosa.

«- Como te chamas?
- Porfírio, senhor inspectador
- Então... quem foi o grande responsável pelo incêndio de Roma?»

Porfírio endurece. Não esperava por esta. Baixa a cabeça e desata em pranto:

«Não fui eu! Juro que não fui eu!»

No que é corroborado pelo colega da secretária ao lado:

«Ah! Ele estava comigo nesse dia! O dia todo! Não podia ter sido ele! Ele tem um libini

Pela familiaridade do libini, Porfírio é positivamente apoiado por vários moçoilos da turma. Santos estupefaz-se. Como pode? Aproxima-se de D. Marília, lívido.

«- Então?? Viu isto? É admissível tal resposta?
- Mas olhe que o Profírio...
- O Porfírio? Eu sabia o que dizia ao Porfírio mas não a quero desautorizar! Então? Vá lá!
- Olhe... o Porfírio tem professora de apoio, tem dificuldades. Mas não é mentiroso e se ele diz que não foi ele é porque não foi ele!»

Afirma, altiva e defensora, a D. Marília. Santos irrompe pela sala fora e invade o gabinete da senhora presidente do Conselho Executivo. Perde a educação antiga num ápice. Narra, furioso, o episódio. Pede um inquérito à professora e aos “processos”. A senhora presidente quase nem tem tempo de reagir. Mas promete agir:

«Sr. Inspector. Se depender de mim toda essa história desse incêndio será esclarecida. Vou ordenar já um inquérito e pedir o apoio da Junta e da GNR para juntos apurarmos responsabilidades e pode ficar descansado que os responsáveis pelo incêndio serão castigados. Mas olhe que conheço os pais do Porfírio e tenho muita fé no rapaz...»

«Poderá ser possível?» Santos fica granítico antes de abandonar o gabinete emudecido. O que fazer? «É uma coisa organizada?». Na tasca onde tinha começado a tarde, o copito tinha travado conhecimento com um vereador da Câmara que tinha assegurado o acesso ao gabinete do Sr. Presidente da edilidade, assim o inspector o desejasse. Agora parecia uma boa ideia. O homem até era conterrâneo geracional do inspector e certamente não desdenharia tomar uma atitude firme face às desgraças pedagógicas. Pois então, se depressa o pensou mais depressa o fez. A funcionária zeloza na antecâmara do gabinete do Sr. edil não travou o andamento do Inspector Santos. Porventura teria havido algum telefonema a avisar? Pois deveria. Dois copos de lícor de Singeverga poisados na pomposa secretária do presidente pareciam prova-lo. E provaram-no. Provaram o aviso prévio e provaram os pequenos receptáculos.

«Homem?! – clama o edil numa facies esclarecida – Já estou a par de tudo! E sabemos como resolver o problema a seu contento! O senhor faz um relatório circunsizado a dizer tudo e...»

Pronto, cogita Santos, a coisa foi finalmente dignificada. Foi preciso alguém de cepa semelhante a si para colocar as coisas numa perspectiva adequada.

«... a Câmara envia-o para o Governo Cívil e para o Ministério, paga os prejuízos do incêndio e não se fala mais disso!”, exulta o senhor presidente.

Santos engasga-se no segundo copo do lícor de terras de Santo Tirso. Sai, cabisbaixo, do gabinete do líder local e, sem destino especificado, andraja pela praça da localidade. Sentado defronte da imponente estátua de Vasco da Gama, larga ciciadamente, um comentário conclusivo:

«Ah, Camões! Ah! Camões! Quanta ingnorância no meu país...»

A Epistemologia da pôrra ou a pôrra da epistemologia?

Aqui há tempos vi-me envolvido num mini-debate que versava, de raspão, a classificação das Ciências. No seguimento, por correio eletrónico, ex-colega de escola diz-me que as "Ciências da Educação" estão "dentro" das "Ciências Sociais". Contra-argumento que aceito que as primeiras estejam "dentro" sim mas das "Ciências Sociais e Humanas". Responde o ex-colega (formado em Sociologia e docente na área) que o termo "Humanas" é redundante em relação ao "Sociais", que bastaria este último. Respondo, sem ter cogitado muito, com exemplos de algumas "ciências" que têm mais de "humano" do que de "social", que o "social" remete, necessariamente, para o gregarismo do ser humano e de que há aspectos neste que não conduzem, forçosamente, para aquele. Responde-me vagamente que o ser humano não é senão gregário... sinto, enfim, que estamos numa discussão estéril e sem saída...

Uma das saídas deste imbróglio já esteve na famosa classificação do emérito Sedas Nunes, entretanto desactualizada. Mais recentemente, para evitar divisões artificiais, tendeu-se a criar grandes categorias de "ciências": ele é as "Ciências da Educação", as "Ciências da Saúde", as "Ciências Farmacêuticas", as "Ciências Psicológicas", as "Ciências Históricas", as "Ciências do Direito", etc., etc.. Julgo que havia a intenção de provocar uma trans ou interdisciplinariedade mas a tendência do os cientistas de se colocarem nos seus "cúbiculos científicos" depressa fez ruír a intenção. Provocatoriamente pergunto, satelitizando-me à minha "área": a "Psicologia da Educação" é das "Ciências da Educação" ou das "Ciências da Psicologia"? A "História da Educação" é das "Ciências da Educação" ou das "Ciências da História"? E a "Sociologia da Educação"? Estamos, de novo, perante categorias ou constructos sociais aplicados às "ciências", agora mais abrangentes.

Mais recentemente, constatei que existe um outro sistema de categorias, institucionalizado (ou institucionalixado) pela Fundação da Ciência e Tecnologia. Os projectos financiados, os investigadores adstritos aos mesmos bem como os bolseiros já podem descansar: alguém já os colocou numa gaveta que pode não ser extactamente a mesma onde eles se situavam.

Agradam-me a perspectivas de Immanuel Wallerstein (sociólogo norte-americano) de eliminação destas fronteiras entre as "ciências" ou o magnifico artigo de Boaventura Sousa Santos feito nas e sobre favelas do Rio de Janeiro onde, explicitamente, pretente "fundir" a "ciência científica" com a prosa, com a literatura. Aconselho-o vivamente sua leitura. Há quem fale, também, em "inter-ciências" (não me lembro se com ou sem hífen).

Quanto a mim, defeituoso categorizador por excelência, se me perguntarem de que "ciência" sou, passarei a dizer "daquela, pá! Daquela que é gira, porreira!" - "Mas qual?" - "Ó pá, aquela que está ali... ao lado daquela... olha... daquela que está naquele livro no parágrafo 3.º do ponto 4 do artigo 2.º da alínea b. É essa, ora essa!"

quinta-feira, dezembro 16, 2004

(Des)História da Educação em Portugal

Leccionei por algumas vezes a disciplina de História da Educação com diferentes designações e em diferentes escolas superiores. E é claro que nessa docência lhe dava, não desrespeitando... muito... a matriz do programa, o meu cunho pessoal. Tal passava por minimizar (ou omitir) as referências à educação "no tempo dos fenícios" (blargh!), dos "cartagineses" (Pfffff!) quando as havia mas nunca gostei de passar à frente dos clássicos gregos e romanos. António Nóvoa fez um bom estudo sobre os conteúdos dos programas das disciplinas de História da Educação (que vou tentar localizar...). Na leccionação nunca gostei de que a avaliação da disciplina ficasse exclusivamente dependente de um ou mais testes escritos (não desrespeitando, claro os momentos clássicos dos exames e/ou os direitos do trabalhador-estudante) pelo que tinha sempre outros momentos de avaliação que conduzissem à reflexão, ao debate, à troca de ideias; à pesquisa prévia por parte dos alunos...

Não dispensava, todavia, um teste final. A exclusividade de trabalhos, apresentados ou não - diz-me a experiência - conduzia a que os alunos retivessem (?) apenas os conteúdos parcelares que trabalharam (?). Pelo que um teste escrito para eu aferir da visão geral da disciplina que os alunos deveriam ter nunca faltava a disciplinas como a História da Educação.

A gente sabe que a percepção do tempo nas crianças adquire-se com a fase do pensamento abstracto piagetiano. Pelo que a noção do tempo não é fácil para cianças mais pequenas. A diferença entre 100 anos e uma década ou entre a época do "avô" e a do Rei D. Afonso Henriques pode ser confundível em crianças muito pequenas mas em jovens adultos prenúnciam algo muito errado.

Eu leccionava, entre outros, a educação no período pombalino, no período do Estado Novo e mesmo no pós-25 de Abril. E gostava sempre de proporcionar uma panorâmica extra-educação nas aulas para contextualizar a história da educação propriamente dita. Alguns alunos tendiam a confundir, nos testes, os períodos, os personagens e os factos.

E eu lia cada coisa nas respostas a estes testes... não serão tão... interessantes como aquelas coligidas por Luís Mascarenhas Gaivão em "História de Portugal em Disparates" mas tem algum interesse. Aconselho vivamente que consulte História em Disparates e divirta-se.

Vejamos, então, o que me disse uma aluna do primeiro ano:

"Salazar era um comunista (...) que andava a ser perseguido pelos pides do Marquês de Pombal. Mas conseguiu fugir para o Brasil junto com os jesuítas aproveitando-se dum grande terramoto em Lisboa e em Alverca. E levou com ele os retratos do Caetano e as cruzes de Cristo que estavam nas salas de aula das escolas e o dinheiro do subsídio literário (...) Mas o Otelo Sampaio de Carvalho raptou um barco e foi busca-lo lá ao Brasil (...) o barco ficou sem désel e parou no meio do mar. Em Timor os libertadores (?) não o deixaram entrar. E o Otelo caiu de uma cadeira e o Marquês morreu desonrado e Salazar foi para a América do Sul. Mas com o 25 de Abril tudo mudou e os fascistas puderam regressar a Portugal vindos do asilo. E com eles vieram os retornados cheios de malas e outras coisas porque já estavam fartos da guerra na colónia. E agora todos podem ir para a universidade porque é democrática e estatal"

I rest my case...

Legitimidade para opinar versus curiosidade ilegitima...

Colega bloguista chamou-me, inadvertidamente, a atenção para este meu defeito…

Quando tomamos conhecimento que alguém produziu uma afirmação, assumido uma posição ou tomada uma atitude que não nos é indiferente (que nos causa afiliação ou repulsa, por exemplo) e não conhecemos minimamente a pessoa que a produziu, tendemos a precisar de categorias para enquadrar essa pessoa. Isto é, precisamos, de saber, entre outros, do estatuto da pessoa para aferirmos a “legitimidade” do seu posicionamento.

Tendemos, extravazando-o ou não, a perguntar “Mas quem é?”. Não queremos, obviamente, saber se se chama Manel ou Maria mas qual a sua profissão, a natureza da sua formação (e, eventualmente, o grau), a sua idade e, eventualmente, alguns elementos do seu passado (trabalhou onde? Fez o quê? Tem “podres”? E “janelas de vidro”? Etc.). Mas porquê? Terei, sem querer, incorrido nesta tendência face a um colega bloguista de quem troquei alguma correspondência electrónica. E ele, educadamente, chamou-me à atenção…

E você que está a ler isto? Quem é? O que faz? Formou-se em quê? Quando? Onde? Já foi preso? Tem processos contra si em tribunal? E, sobretudo, que idade tem?? Hum?? Hein?? Poisssssssss...

quarta-feira, dezembro 15, 2004

"Branca de Neve e os Sete Anões"

Anónimo envia-me esta fábula para eu contar ao meu filho. Diz-me que eu também poderei aprender com ela… e que qualquer semelhança entre a fábula e eventos reais são mera coincidência.

«Era uma vez uns sete anões liderados por uma Branca de Neve. Na verdade eram mais do que sete mas eram sobretudo estes sete que se encontravam regularmente com a Branca de Neve: o Dorminhoco, o Envergonhado, o Miudinho, o Feliz, o Atchim, o Sabichão e o Rezingão. Já há alguns anos que tinham formado uma tertúlia lobbiesca com vista a ter um papel relevante na floresta onde viviam junto com toda uma variedade de diferentes outros anões e animais.

A floresta era liderada por uma pantera que se tinha aliado a uma hiena mas que já tinha sido desautorizada pelo leão, personalidade reservada e que só rugia quando bem entendia. O leão era outro tipo de líder. Não governava mas tinha a legitimidade vinda de outras paragens como "o rei da selva". Em cerca de dois meses a pantera deixaria de liderar o governo da floresta. E há quem diga que a pantera, por via da hiena, teria as portas fechadas para um eventual novo governo da floresta. Agora, a pantera (que, entretanto, tinha declarado que o seu tronco na magnifica árvore mais alta da floresta, estava à disposição) e a hiena (que, nos últimos tempos, chorava mais do que ria) decidiam se partilhavam, ou não, uma eventual candidatura a um novo governo da floresta. De resto, a floresta estava em polvorosa e já havia uma girafa que espreitava o majestoso e altivo galho da árvore mais alta da floresta.

Mas voltemos à história: o lobbie da Branca de Neve aspirava, sobretudo, a ter uma intervenção decisiva no modo como se organizavam e nas leis que presidiam às grutas, cavernas, tocas subterrâneas, troncos ocos de árvores e barragens de castores onde passavam muito tempo jovens animais e onde eram formados para se tornarem verdadeiros anões e animais úteis à floresta. Branca de Neve e os seus sete anões apoiavam, eles próprios, estes jovens anões e animais naqueles locais. Também nestes locais e sobre estes locais, a floresta fervilhava em discussões: amedontrava-os uma nova técnica de poda, tratamento de árvores e formação de jovens anões e animais importada de uma floresta longínqua situada em "Bolonha".
Havia, entretanto, outras tertúlias onde pontificavam outros formadores de anões e animais juvenis e infantis, e também eles, achando que também se deveriam imiscuír na formação dos jovens anões e animais, peroravam sobre as técnicas de poda e de tratamento de árvores importadas de "Bolonha". Há quem diga, inclusive, que esta tertúlia procurava cooptar, para si, os anões insatisfeitos da tertúlia de Branca de Neve mas isso não está provado. Aliás, esta outra tertúlia tinha uma variedade de anões e de animais tão grande que só com uma vontade e uma liderança férrea do garnizé que a comandava é que conseguia sobreviver.

De novo a história: Branca de Neve, por sua vez, tinha sido nomeada líder da tertúlia não por vontade expressa de si própria mas por solicitações exteriores (pelo menos era o que ela alegava…). Mas era líder. Não há muito tempo tinha conseguido fazer com que uma lontra que liderava (mal, do ponto de vista da Branca de Neve) uma outra tertúlia (à qual Branca de Neve pertencia mas de que não era líder), que deveria ter os mesmos fins mas que agonizava pela falta de actividade (e razoabilidade e bom-senso, achava a Branca de Neve), fosse deposta e trocado por outro líder anão. Foi uma época muito problemática e nem um nem o outro lobbie tiveram tertúlias verdadeiramente produtivas. Juntando-se com outros 21 anões, Branca de Neve conseguiu a deposição da lontra (ainda hoje estão por apurar todos os pormenores desta história…).


Face à alteração daquela líder bem como à fragilidade que impendia sobre o governo da floresta da pantera e da hiena, Branca de Neve julgava que estaria face a uma época especialmente propícia às reivindicações da sua tertúlia e, eventualmente, ao sucesso de algumas. E poderia, então e finalmente, ter uma liderança efectiva e livre de conflitos. Mas os problemas voltaram. E desta vez no seio da própria tertúlia de Branca de Neve. Ocorre que um dos anões, o Rezingão, tinha criado uma estrutura para estudar muitas das especificidades dos locais (grutas, cavernas, tocas subterrâneas, troncos ocos de árvores e barragens de castores) onde os jovens anões e animais estudavam, naquilo que foi, inicialmente, bem recebido por todos os anões e pela própria Branca de Neve. O anão Rezingão chamou a esta estrutura “Tronquete de Estutos”. Porém, o anão Sabichão tinha uma tendência para emitir opiniões sobre tudo. E desta vez tinha opinado sobre a estrutura do Rezingão. Este não gostou nada. O conflito instalou-se. Branca de Neve não sabia o que fazer inicialmente.

O Sabichão já era um anão muito experiente e habituado a estas lides das tertúlias desde há muitos anos mas, recorrentemente, envolvia-se em conflitos com outros anões. Pouco tempo atrás tinha trocado mimos pelo tambor da floresta com o anão Dorminhoco por, alegadamente, este último ter gerido mal a horta. E o pior é que as mensagens do tambor do anão Sabichão eram ouvidas por muitos, muitos anões e até animais, inclusive da outra tertúlia.
O Sabichão já há muito tempo que recorria a estas mensagens por tambor amplamente divulgadas para muitos anões e animais. E não era o único a faze-lo… no caso concreto, o anão Sabichão tinha acusado o anão Rezingão de ter uma “horta esquemática” por via do “Tronquete de Estutos” e de ter feito entrar nele uma gazela no por vias ínvias…

Branca de Neve não sabia se conseguia exercer eficazmente a sua liderança sem o anão Sabichão e tinha, inclusive, ouvido dizer que teria produzido a afirmação de que preferia ter o anão Sabichão por perto para o controlar melhor do que longe, onde seria relativamente incontrolável (e, quem sabe, uma ameaça à liderança da própria Branca de Neve). Conhecia bem o anão Sabichão e, dentro de certos limites, sabia lidar com ele.

Por outro lado, o Rezingão era um anão sobre quem Branca de Neve tinha uma boa imagem: não era propriamente um “braço direito” mas um anão que em quem se poderia confiar e que poderia ter uma boa intervenção na tertúlia. E mais ainda agora com o “Tronquete de Estutos”. Porém, o anão Rezingão ameaçava sair da tertúlia se Branca de Neve nada fizesse face aos insultos de tambor do anão Sabichão. O conflito agudizou-se. Os anões Sabichão e Rezingão estavam zangados com Branca de Neve. Sentiram-se ambos desautorizados pela líder da tertúlia. Branca de Neve não quis tomar, explicitamente, partido por nenhum. E produziu, por tambor dirigido a vários anões (e, quem sabe, animais também), a afirmação: “Eu não sou vossa mãe!”. E o anão Rezingão não gostou mesmo nada. E mais zangado ficou.

Reuniram os sete anões e Branca de Neve numa das suas tertúlias tentando resolver o conflito entre os anões Sabichão e Rezingão a bem, com a bonomia e a boa-vontade de Branca de Neve típica de Branca de Neve a tentar ajudar. Mas não se conseguiu. Branca de Neve ainda tentou, por mensagem de tambor, reafirmar a confiança nos dois anões mas, sobretudo, no anão Rezingão. Mas parece que a mensagem de tambor só piorou mais as coisas, sobretudo para o anão Rezingão que não a achou suficientemente esclarecedora numa reafirmação clara de confiança de Branca de Neve face a si. A incompatibilidade entre os dois anões continuava e agora estes dois antagonizavam, num silêncio ensurdecedor, a pobre Branca de Neve. Desgostosa, Branca de Neve sentiu que tinha uma maçã envenenada entre as mãos. E, após alguma reflexão poética, disse: “Eu não suporto este silêncio”. E demitiu-se da tertúlia.»

Fica-me a sensação que a história não termina aqui. Vou esperar que me enviem o resto, se for caso disso...

terça-feira, dezembro 14, 2004

Aquilo naquilo à frente ou atrás daquilo...

Aqui há uns anos fui arguente num trabalho final de curso numa escola superior onde lecionei. O trabalho era sobre educação sexual nas escolas do ensino básico. Os resultados dos questionários aplicados evidenciavam as tendências do costume: a importância da educação sexual nas escolas, tá rá rá, tá rá rá mas a resposta à questão "sente-se apto/apta a leccionar na área de educação sexual na sua escola?" (não devia ser bem esta a questão em termos de formulação...) era, neste e noutros inquéritos que ulteriormente tive conhecimento, um esmagador "não". Nos mesmos universos e amostras deduzia-se, entre os respondentes, que a educação sexual era fundamental mas que a leccionassem os outros...

Não era esta, todavia, a razão da inclusão deste texto no blog. Outrossim, o autor tinha descoberto uns regulamentos da Câmara Municipal de Lisboa dos anos 50 que estipulavam multas para prevaricações públicas de cariz sexual e respectivas multas. Procurei, sem sucesso, a cópia do trabalho que me foi entregue mas sem sucesso. Por via do Google encontrei excertos no blog Barnabé. Reza a Portaria de nº 69.035, da Câmara Municipal de Lisboa, de 1953:

«Verificando-se o aumento de actos atentatórios à moral e aos bons costumes que dia a dia se vêm verificando nos logradouros públicos e nos jardins, e, em especial, nas zonas florestais Montes Claros, Parque Silva Porto, Mata da Trafaria, Jardim Botânico, Tapada da Ajuda e outros, determina-se à Polícia e Guarda Florestais uma permanente vigilância das pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática de actos que atentem contra a moral e bons costumes.
Assim, e em aditamento à Postura nº69.035, estabelece-se e determina-se que o Artº 48º tenha o cumprimento seguinte:

Mão na mão (2$50);
Mão naquilo (15$00);
Aquilo na mão (30$00);
Aquilo naquilo (50$00);
Aquilo atrás daquilo (100$00);
Parágrafo Único – Com a língua naquilo 150$00 de multa, preso e fotografado»

Aquilo era lixado...

domingo, dezembro 12, 2004

Uma transubstanciação sinalagmática, embora perfunctória...

Numa limpeza a alguns ficheiros do computador encontrei este texto, muito divulgado numa certa altura, e que cheguei mesmo a usar com uma turma de Cursos de Complemento de Formação para demonstrar o ridículo da coisa. Não resisti a reproduzir o texto. Ele refere-se a um teste de uma disciplina de "Educação e Valores" dum Curso de Complementos de Formação - também - da Escola Superior de Educação Almeida Garrett.

1. "Numa época de canhestros, sistemáticos e fragmentários dogmatismos, labilismos, labialismos, turismos culturais, pragmatismos, cepticismos, determinismos, fatalismos, autismos, narcisismos, parolismos... - mais ou menos camuflados por dinâmicas endógenas e exógenas - um relance, embora perfunctório, sobre a ossatura programática da Disciplina, permite afigurar-se razoável, liminarmente, a susceptibilidade de desfibrá-la, entre outras, nas seguintes dicotomias axiológicas mediáticas multifacetáveis, confinantes, congruentes, sinalagmáticas..., a entrecruzarem-se, transumirem-se, transubstanciarem-se, transversalizarem-se, etc., v.g. Educação-Ética; Cultura-Civilização; Valores-Referências. Sem irrelevar o subjacente, atípico e ágrafo património - genético, material e espiritual - a montante e a jusante do aluno, teça um comentário sinóptico (corroborante ou repudiante), ancorado em dimensão axiológica e argumentos, empíricos ou especulativos, minimamente válidos.

2. Causalizando os respectivos objectivantes, o maior ou menor sucesso intelectivo-educacional materializa-se em facultar ao Homem-Aluno uma plena e interactiva adaptação ao meio, preconizando a sua vivência numa sociedade virtual que ainda não existe. Sufraga ou impugna? Justifique.

3. No acervo do 'mapa-mundi' noosférico (habitat cultural dos valores, sem intuitos exaustivos), trace a noção génese, características, mudança, hierarquia, taxinomia, teleologia, filosofia, peregrinação, utopia, protestade e heurística axiológicas."

É preciso dizer mais alguma coisa?

sexta-feira, dezembro 10, 2004

A vaidade e prepotência do umbigo dos jornalistas

O "DN" de ontém reproduz uma síntese de um colóquio ("O papel dos blogues no jornalismo actual") organizado pela Associação Gabinete de Imprensa de Guimarães. Nele, Manuel Pinto docente universitário e provedor do "JN", refere-se à blogosfera como um "quinto poder" na "presunção de que o quarto poder foi perdendo capacidade de vigiar os outros poderes".

Reproduzo os seguintes parágrafos para sustentar o comentário que faço seguir:
"O jornalismo está num processo de redefinição e os blogues, como nova modalidade de expressão, são uma via através da qual mais gente pode tomar a palavra."
e
"Quando se discute se os weblogues são jornalismo, as opiniões divergem. Manuel Pinto acha que não, embora os blogues contemplem aquilo que define por metajornalismo, e se assumam como o formato que admite a informação, a análise, o comentário e a opinião. Apesar de constituir-se como a ferramenta ideal para a prática jornalística, segundo Fernando Zamith, os blogues são, acima de tudo, a catarse dos jornalistas, como diz João Paulo Meneses para explicar o fenómeno de explosão de blogues da autoria de profissionais da comunicação social. O jornalismo é uma profissão castradora, o jornalista não deve, não pode, dar opinião. Dantes, o jornalista dava a sua opinião aos amigos, a beber uma cerveja. Hoje tem um blogue, comentou."

Isto é, o que estes jornalistas estão a dizer, nas entrelinhas, é o seguinte: o weblog pode ser muita coisa mas é-o, em todas as suas dimensões, algo intrínseca e intimamente ligado ao mundo do jornalismo. E quando a blogosfera não é jornalismo, ela é definida em função do jornalismo. Um weblog sendo um não-jornal é algo muito parecido com um jornal, a sua qualidade, os seus critérios definem-se por contraste com o mundo do jornalismo. É como se eu dissesse: "uma mulher é um não-homem". Senão vejamos: o próprio termo de "quinto poder" não o é por comparação com o "quarto poder"?? Discutem um fenomeno abrangente e mundial em função do seu próprio umbigo...

Mas onde é que os jornalistas foram, corporativamente, buscar a ideia de que a blogosfera e os posts dos weblogs são uma imitação do trabalhos dos articulistas, do mundo do jornalismo? Tudo o que é escrito, emite uma opinião e é massificado, é jornalismo? No fundo eles estão a dizer: "agora somos imitados por toda a gente que tem um blog. Somos um role model na sociedade actual. Toda a gente quer ser como nós". Somos todos wannabes de jornalistas?? Diabos! Serão assim tão vaidosos e prepotentes sem se aperceberem do facto?

Não me recordo de ter tido motivações jornalistas na génese do meu blog: não queria ser um jornal eletrónico da minha rua ou do meu prédio, não desejei um blog especializado numa área qualquer, nem mesmo sobre ensino superior, ensino básico ou investigação onde me movimento mais (têm explodido os blog's sobre assuntos especializados e então sobre "ensino superior"...) porque não quis tolher-me a escrever sobre assuntos especializados - assumindo-me como especialista de algo - mas sim a perorar sobre o que me apetecesse na altura. Mas uma coisa é certa: nunca pensei em termos jornalisticos. Estes têm regras próprias, uma deontologia própria, critérios e um ethos que o caracterizam. Gosto de ter as minhas e os meus...

P.S.: alterei o template do blog e perdi todos os comentários dos post's, os sites que citam este blog e os links para outros blogues que cá estavam. Quanto aos primeiros não estou certo de conseguir recuperá-los. O último não deve ser problema. Não sou jornalista nem tenho grandes conhecimentos de linguagem html. Há para aí algum jornalista que me ajude? :-

quinta-feira, dezembro 09, 2004

"As Mentiras Favoritas das mulheres"

Não resisti a verter aqui o delicioso artigo do "Publico" de hoje sobre "As Mentiras Favoritas das mulheres": a esmagadora maioria das mulheres britânicas (mais exactamente, 96 por cento) reconhece mentir para evitar situações embaraçosas, diz o semanário feminino "That's Life", que ouviu quase 5000 mulheres. Quanto aos destinatários das mentiras, os parceiros vêm à cabeça (70 por cento), logo seguidos pelos amigos e familiares (64 e 65 por cento) - só depois aparecem os interlocutores profissionais (58 por cento) e os patrões (57 por cento). O lado masculino da mentira não é abordado no trabalho, pelo que ficamos sem saber se eles mentem mais do que elas. Para que conste, aqui fica a lista das mentiras mais comuns entre as mulheres, por ordem decrescente:
- "Mas é claro que não estás mais gorda!"
- "Estes sapatos só me custaram 10 libras"
- "O autocarro [ou comboio] estava atrasado"
- "Estou com dor de cabeça"
- "Só bebi um copo"
- "Esse vestido fica-te bem"
- "Já meti o cheque no correio"
- "Pareces dez anos mais nova"
- "És fantástico na cama"
- "Amo-te"

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Sátira às instituições de ensino superior enquanto organizações formais

Há algum tempo atrás escrevi um post designado "Sátira circense às categorias do ensino superior politécnico público" (Sexta-feira, Janeiro 16, 2004) referindo-me às categorias de pessoal docente.
Neste post cinjo-me a outro prisma.

Em algumas das organizações onde me vejo inserido reparo amiúde que as redes de relações informais que os seus membros estabelecem entre si, mais do que contribuir para uma dinâmica profícua e para a conssecução dos seus fins próprios, tendem a estar na génese de um ambiente de conflitualidade e a fomentar as inimizades pessoais, criar e recriar alianças de interesses (informais) que, tudo junto, se reflecte no mau funcionamento formal da instituição. Aconteceu-o nas escolas de ensino superior onde estive colocado, no sindicato onde estou filiado e em muitas outras onde já tive contactos mais ou menos prolongados.

Existem também, descobri-o há poucos anos, estudos sobre os malefícios que tendem a ocorrer nas organizações formais com os mesmos prejuízos que citei anteriormente. Pelo que li, os autores referem-se a "leis", "hipóteses", "mecanismos de defesa" e "comportamentos" que eu reconheço inteiramente terem acontecido nas escolas superiores onde leccionei. Aqueles estudos, dos quais os mais conhecidos são os do"Princípio de Peter", também incluem os as conclusões de Peter, Hull e Thompson (colocarei aqui a bibliografia quando a encontrar...). Apelando ao leitor se reconhece estes aspectos na organização onde está inserido, resumo as conclusões a que estes autores chegaram, estudando as organizações formais:
1. Lei do Trabalho: a quantidade de trabalho aumenta a fim de preencher o tempo disponível para a sua execução. Isto é, a quantidade de trabalho não é definida pela natureza da(s) tarefa(s) mas pelo tempo que se tem para as fazer. Enfim, "quanto mais tempo de tem para uma coisa, mais tempo se levará a faze-la".
- isto é tanto verdade para os docentes, com ou sem obrigações de gestão, como para os estudantes que tem prazos para efectuarem trabalhos para as diferentes disciplinas.

2. Lei da Banalidade: "o tempo dispendido na discussão de um assunto está na razão inversa da sua importância", isto é, quanto mais banal for o assunto, mais tempo se gasta a discuti-lo.
- lembra-me as reuniões de departamentos das escolas superiores: imenso tempo a discutir banalidades deixando para o fim os assuntos realmente importantes pouco reflectidos mas ainda assim, decididos "em cima do joelho" já que entretanto, horas tinham passado.

3. Princípio da Comissão: "uma comissão não é uma estrutura útil, é uma erva daninha que cria raízes, cresce, floresce, murcha, morre e espalha sementes que farão outras comissões florescerem criando mais pragas de comissões".
- as comissões criam-se quando um determinado grupo quer desvincular-se de um assunto tido como incómodo, atribuindo-o a um grupo mais restrito do seu seio. Sendo grupos não obrigados às mesmas regras que o grupo maior, geralmente demoram meses a decidir algo, em reuniões, que, quando acontecem, já que os seus elementos faltam muitas vezes dado o seu caracter menos "formal" (não se marcam faltas, por exemplo), são inúteis. Nestas ocorre a "lei da banalidade". São frequentes nas escolas, nas instituições públicas e mesmo nas políticas (leia-se Assembleia da República). Nas instituições de ensino superior criam-se comissões por tudo e mais alguma coisa.

4. Hipótese da paralisia das organizações: se o chefe das organizações não é (e não se sente) dos melhores, ele/ela tratará de se cercar de subordinados que sejam piores (para não se notar a sua incompetência) que, por sua vez, arranjarão subordinados ainda piores (com o mesmo fim). Tal dará azo a uma verdadeira competição de estupidez.
- vejo, com muita clareza, esta hipótese nos presidentes do Conselho Directivo ou de Departamentos científico-pedagógicos de instituições de ensino superior.

5. Hipótese da demora-padrão: é o tempo decorrido entre a recepção da correspondência ou documentos e a altura em que chegam ao verdadeiro destinatário: vai ficando em diferentes secretárias de diferentes gabinetes algum tempo de modo a que quando chega ao destinatário final já se desactualizou ou o evento noticiado já se realizou.
- esta "ocorrência" era tão frequente nas minhas reuniões de departamento: tomavamos conhecimentos de congressos, jornadas, etc., quando já tinha ultrapassado o prazo para a sua inscrição ou, pior, já tinha ocorrido mesmo. A tentativa de responsabilizar a chegada tardia dos documentos aos seus reais destinatários encontrava, dos diferentes serviços burocráticos da escola a seguinte explicação: "não esteve cá mais do que 2/3 dias no máximo. A culpa não é nossa..." (2/3 dias que, somados pelos diferentes serviços...) ou ainda "a funcionária que trata disso está doente...".

Peter e Hull acreditam que numa organização formal há um esforço constante para justificar a mediocridade, ineficiência e incompetência. O mais famoso é o "Principío de Peter" que estipula que quanto mais alto é o cargo, maior é o nível de incompetência. Então:
1. o empregado seria consecutivamente promovido até chegar aos seu nível de incompetência;
2. todo o cargo tende a ser ocupado por um funcionário que é incompetente para cumprir os seus deveres.
Os autores formulam, no seguimento do anterior, os seguintes princípios:
1. Sublimação percursiva: quando um funcionário incompetente bloqueia ou atrasa um serviço, ele é promovido para um lugar, eventualmente mais alto, que o impede de bloquear ou atrasar o serviço.
- Já o testemunhei numa escola onde leccionei onde um funcionário que causava algum incómodo enquanto docente junto dos alunos (e de que as queixas daqueles e boatos se tornavam cada vez mais frequentes) foi promovido a uma espécie de "gestor de projectos de investigação", com gabinete próprio mas longe das salas de aula.

2. Inversão de Peter: acontece quando um regulamento interno tem mais valor do que o serviço eficiente. É o caso de alguns hospitais onde o funcionário que recepciona um paciente dispende um enorme e precioso tempo a preencher papeis enquanto o paciente agoniza na espera. Aqui, o que define um bom serviço não é a qualidade da prestação de cuidados mas a rectidão com que os papeis são preenchidos.
- Em instituições de ensino superior, este princípio ocorre nos formulários que se têm que preencher para efeitos de candidaturas a financiamento de projectos de investigação ou mesmo documentos internos das escolas.

3. Exfoliação hierárquica: ocorre quando um funcionário eficiente não é promovido ou mesmo demitido pois a sua (evidente) competência é vista como um comportamento não esperado ou mesmo uma ameaça para os seus pares e superiores hierárquicos.
- O que dizer disto?! O que dizer disto?! É o pão-nosso-de-cada-dia nas nossas instituições de ensino superior.

4. Pista paterna: acontece quando um chefe admite um parente ou afim num cargo alto ou, não existindo esse cargo, cria-o.
- idem aspas, idem aspas...

Peter e Hull atribuem também grande importância à "Ciência do Arranjo da Mesa do Gabinete". Os autores catalogaram as seguintes catagorias de arranjos:
1. Papirofobia: é a intolerância quanto a papeis e livros em cima da mesa. O "papirófobo"tem uma verdadeira fobia sobre livros e papeis em cima da secretária porque estes lembram-lhe o trabalho que deve ser feito.
- o presidente dos serviços centrais de uma escola onde já leccionei tinha sempre a sua secretária imaculadamente desprovida de documentos. Apenas os adornos (luxuosos) tipicos de uma secretária.

2. Papiromania: é o oposto do anterior. É a acumulação de papeis, dossiês e muitos outros documentos em cima da secretária. O "papirómano" deixa, intencionalmente, acumular papeis em cima da sua secretária para mascarar a sua incompetência e transmitir a ideia de que tem muito que fazer, de que é um homem competente e ocupado e indispensável ao bom funcionamento da organização.
- o presidente do Conselho Directivo de uma escola onde já leccionei perfilhava desta mania: os papeis em cima da secretária eram os mesmos e (des)arrumados do mesmo modo durante semanas e semanas seguidas.

3. Filiofilia: é a obsessão de coleccionar e classificar papeis geralmente acompanhado de um medo mórbido de perder qualquer documento.
- um chefe de um departamento onde estive inserido tinha tanta pressa em guardar os documentos nas pastas de arquivo próprias que aqueles a quem o teor dos documentos devia ser divulgado nunca o chegavam a saber. Na sequência ocorria a "hipótese da demora-padrão".

4. Gigantismo tabulatório: é a obsessão por mesas grandes, preferencialmente maiores que as dos colegas. Porventura Freud ajudaria a aprofundar a explicação...
- não me lembro de nenhuma escola de ensino superior onde tal não ocorresse.

Por sua vez, Thompson enumera alguns dos "mecanismos de defesa"geralmente usados pelos detentores de cargos superiores:
1. Manipulação do sistema de informações: para protegerem e reforçarem as suas posições de poder, os chefes assumem grande preocupação no controle e distribuição das informações, retendo-as por um tempo considerável ou divulgando-as somente a certas pessoas. - já me constou isto ocorrer envolvento concursos para docentes, bolsas do PRODEP e programas de financiamento de investigação.

2. Adopção de um comportamento dramatúrgico: os detentores do poder gostam de adoptar atitudes e comportamentos ensaiados para propalar uma imagem de competência, seriedade e, sobretudo de serem indispensáveis, quer queixando-se do excesso de trabalho (ver: "papiromania"), quer revelando-se como que uns "pobres coitados que fazem sacrificios pessoais em prol de terceiros" e, geralmente, mascarando-os com cortesia e diplomacia.
- constatei especialmente isto na altura da feitura dos horários dos docentes, sempre acompanhados de laivos de queixa, espelhando espirito de sacrifício mas com toda a cortesia possível.

3. Dedução mecânica cargo versus competência: a esta dramaturgia convém e ajuda toda uma série de adereços e rituais próprios como o carro da instituição, o motorista, um gabinete personalizado com carpete e secretária grande (ver "gigantismo tabulatório") e, claro, ar-condicionado (aliás, se se quiser ver onde estão situados os gabinetes das chefias do exterior de um prédio, notar onde estão instalados os aparelhos de ar-condicionado). Transmite-se a ideia de que se a pessoa tem essas mordomias todas é, certamente, é uma pessoa competente.