quinta-feira, dezembro 30, 2004

Investigação em Portugal: branqueamento do passado?

Recente artigo de Boaventura Sousa Santos na revista “Visão” enuncia, depois de fazer um breve e ligeiríssimo apanhado do panorama da investigação científica em Portugal nos últimos meses, os princípios sobre os quais deve, a seu ver, assentar a política científica. Depois de constatar as declarações criticas dele no VIII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais, “A Questão Social no Novo Milénio”, em Coimbra, onde estive em Setembro passado, pasmo em aperceber-me agora do tom algo conciliador que imprime à sua análise da política científica em Portugal. Quem o viu e quem o vê. Na realidade, a leitura dos princípios do mesmo dá a entender que “até nem estão más as coisas” no domínio da investigação em Portugal: o uso do termo “prosseguimento” por várias vezes, leva-me a entender tal. É notória a ausência de qualquer pendor crítico. Isto é, “as coisas não estão más mas poderiam melhorar um bocadinho aqui e ali…”. Já para não falar de apenas relacionar a investigação ao ensino superior em 1 dos seus 15 “princípios” (abaixo "anexados").

BSS estará, agora que largou a actividade político-partidária e a t-shirt consentânea, a perder o seu pendor crítico? Estará tão distante, encafuado no seu amplo gabinete, que já se esqueceu o que é, tem sido, e aparenta poder vir ser a investigação em Portugal? A redução do número de bolsas? O atraso nos pagamentos às mesmas (sei do que falo: já tive três bolsas…). A precariedade contratual dos investigadores e a falta de perspectivas ulteriores de ocupação em tarefas relacionadas (porque imigram os nossos investigadores?). O encerramento que encontram nas instituições de ensino superior por se encontraram “super-habilitados” e ameaçarem os lugares de quadro de outros docentes que já lá estão, tanto nas Universidades mas especialmente nos Politécnico (onde sei de casos de doutorados que são corridos de escolas superiores por terem habilitações “ameaçadoras"). A fragilidade, precariedade e sub-financiamento crónico dos laboratórios de investigação? Etc., etc.. Ter-se-á deixado seduzir pelas medidas demagógicas propaladas?.

Julgo estarmos perante um cenário de lavagem do passado (próximo) em termos de grandes opções (e respectivos financiamentos) no panorama da investigação em Portugal. Mais recentemente, em artigo de opinião do “Público”, o anterior presidente da FCT publicita alguns números duma altura em que me parecia que a investigação passava melhores dias que os actuais (Volta, Mariano Gago! Estás perdoado!”). Ele enuncia que, nos primeiros cinco anos da FCT (1997-2001), foram aprovados, entre outros apoios:
- 6.988 bolsas de formação avançada;
- 2.168 projectos de investigação científica;
- 208 projectos de investigação em consórcio entre empresas e instituições científicas (através da Agência de Inovação);
- 3.120 projectos Ciência Viva na Escola (através da Agência Ciência Viva);
- 23 projectos de apoio à reforma dos Laboratórios do Estado;
- financiamento plurianual de
- 270 unidades de investigação,
- 15 Laboratórios Associados,
- 1.820 reuniões científicas.

Isto numa altura em que os “dinheiros” da União Europeia jorravam bem melhor do que agora. Aguardemos por um melhor futuro. Os cientistas agradecem. O país também.
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Princípios de Boaventura Sousa Santos para a política científica em Portugal (coloquei-os aqui porque não estão disponíveis na web... só impressos):
1. Apoio estrutural e programático ao desenvolvimento das unidades de investigação, com cumprimento atempado dos compromissos contratuais do Estado, e numa perspectiva transversal de apoio equilibrado a todas as áreas científicas;
2. Prosseguimento do programa de criação de laboratórios associados e consolidação do apoio aos já existentes;
3. Prosseguimento dos programas de formação de investigadores, através de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e de bolsas de iniciação à investigação, dadas as grandes carências nesta área;
4. Promoção de novas iniciativas na promoção de emprego científico;
5. Regresso ao financiamento dos projectos de investigação em todas as áreas, através da abertura de concursos anuais;
6. Prosseguimento e consolidação dos processos de avaliação independente das instituições de e de projectos de investigação por painéis internacionais;
7. Criação de medidas de apoio à constituição de redes científicas que permitam maior colaboração entre as instituições científicas portuguesas e as apoiem na inserção em redes internacionais;
8. Institucionalização do espaço de consulta e participação dos cientistas e suas instituições na definição e acompanhamento da política científica;
9. Relançamento e reforço de iniciativas de promoção de cultura científica nomeadamente através do Programa Ciência Viva;
10. Articulação entre investigação científica, inovação e desenvolvimento tecnológico;
11. Criação e consolidação de “organizações de interface”, como, por exemplo, conselhos consultivos, capazes de articular a autonomia científica e a responsabilidade social e política, na produção de políticas públicas;
12. Promoção da cidadania cognitiva, através do espaço de consulta aos cidadãos e participação destes em debates e deliberações sobre opções científicas e tecnológicas com impactos sociais, ambientais ou na saúde;
13. Promoção de actividades de extensão e de investigação participativa, orientadas para o interesse público e para os interesses de grupos de cidadãos, na linha das «lojas de Ciência», existentes nalguns países europeus, e para as quais há apoio no âmbito dos programas comunitários;
14. Aproveitamento do processo actual de discussão sobre a reforma do processo de ensino superior para repensar a relação entre ensino superior e a investigação científica, entre universidades, institutos politécnicos e unidade de investigação;
15. Envolver os cientistas portugueses na discussão em curso sobre o VII Programa-Quadro da União Europeia, de apoio à investigação, que entrará em vigor em 2006. Este envolvimento é tanto mais importante quanto parece existir uma quebra de continuidade no que respeita à preocupação central com o tema Governação, Cidadania e Sociedades baseadas no Conhecimento, garantida pelos IV e VI Programas-Quadro (...)”

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

«...pasmo em aperceber-me agora do tem algo conciliador que imprime à sua análise da política científica em Portugal. Quem o viu e quem o vê. Na realidade, a leitura dos princípios do mesmo dá a entender que “até nem estão más as coisas” no domínio da investigação em Portugal...»

É natural que "tubarões" como BSS não tenham particulares razões de queixa da política "científica"em Portugal nem da distribuição do "bolo" FCT. Podem dar-se ao luxo de emprestar - ou melhor, de vender - o nome a projectos, receber e distribuir o dinheirinho correspondente, deixando o trabalho entregue aos escravos, à arraia-miúda, a que de resto não ligam um chavo! (tenho uma colega que trabalha num projecto "coordenado" por um desses tubarões e, até hoje, nunca pôs a vista em cima da dita cuja figura...) Há certos nomes de "veneráveis" que só servem mesmo para dar uma falsa visibilidade, marketing & publicidade a "projectos de investigação", a maior parte das vezes com intuitos auto-promocionais e puramente egocêntricos.
Enfim, é caso para dizer: quem não vos conhece que vos compre... ;p
DK

dezembro 30, 2004 11:47 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A isto chama-se serviço público e de qualidade. Parabens pelo conteúdo substantivo deste blogue. Um abraço com votos de Bom Ano Novo com muita saúde para poder continuar este trabalho. Abraço, OLima. ondas.blogs.sapo.pt

dezembro 30, 2004 2:47 da tarde  
Blogger mfc said...

Olha, um grande (enorme) 2005.
...com tudo de bom !

dezembro 30, 2004 10:17 da tarde  
Blogger Miguel Pinto said...

A produção científica em Portugal está umbilicalmente ligada ao modelo organizativo do sistema educativo que adoptou uma matriz piramidal marcadamente exclusiva. O grande paradoxo é que a escola convive mal com a excelência. Programas avulsos, como é o caso do Programa Ciência Viva, são soluções inconsequentes gerando efeitos superficiais na cultura escolar. Não será este um bom pretexto para repensar a escola e piscar o olho à escola cultural?
Um bom ano.

dezembro 30, 2004 11:09 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ó anónimo, isso já eu me apercebi há muito. há por aqui uns figurões que se fartam de ganhar dinheiro à custa de tragédias alheias.

dezembro 31, 2004 6:36 da tarde  

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