quarta-feira, dezembro 08, 2004

Sátira às instituições de ensino superior enquanto organizações formais

Há algum tempo atrás escrevi um post designado "Sátira circense às categorias do ensino superior politécnico público" (Sexta-feira, Janeiro 16, 2004) referindo-me às categorias de pessoal docente.
Neste post cinjo-me a outro prisma.

Em algumas das organizações onde me vejo inserido reparo amiúde que as redes de relações informais que os seus membros estabelecem entre si, mais do que contribuir para uma dinâmica profícua e para a conssecução dos seus fins próprios, tendem a estar na génese de um ambiente de conflitualidade e a fomentar as inimizades pessoais, criar e recriar alianças de interesses (informais) que, tudo junto, se reflecte no mau funcionamento formal da instituição. Aconteceu-o nas escolas de ensino superior onde estive colocado, no sindicato onde estou filiado e em muitas outras onde já tive contactos mais ou menos prolongados.

Existem também, descobri-o há poucos anos, estudos sobre os malefícios que tendem a ocorrer nas organizações formais com os mesmos prejuízos que citei anteriormente. Pelo que li, os autores referem-se a "leis", "hipóteses", "mecanismos de defesa" e "comportamentos" que eu reconheço inteiramente terem acontecido nas escolas superiores onde leccionei. Aqueles estudos, dos quais os mais conhecidos são os do"Princípio de Peter", também incluem os as conclusões de Peter, Hull e Thompson (colocarei aqui a bibliografia quando a encontrar...). Apelando ao leitor se reconhece estes aspectos na organização onde está inserido, resumo as conclusões a que estes autores chegaram, estudando as organizações formais:
1. Lei do Trabalho: a quantidade de trabalho aumenta a fim de preencher o tempo disponível para a sua execução. Isto é, a quantidade de trabalho não é definida pela natureza da(s) tarefa(s) mas pelo tempo que se tem para as fazer. Enfim, "quanto mais tempo de tem para uma coisa, mais tempo se levará a faze-la".
- isto é tanto verdade para os docentes, com ou sem obrigações de gestão, como para os estudantes que tem prazos para efectuarem trabalhos para as diferentes disciplinas.

2. Lei da Banalidade: "o tempo dispendido na discussão de um assunto está na razão inversa da sua importância", isto é, quanto mais banal for o assunto, mais tempo se gasta a discuti-lo.
- lembra-me as reuniões de departamentos das escolas superiores: imenso tempo a discutir banalidades deixando para o fim os assuntos realmente importantes pouco reflectidos mas ainda assim, decididos "em cima do joelho" já que entretanto, horas tinham passado.

3. Princípio da Comissão: "uma comissão não é uma estrutura útil, é uma erva daninha que cria raízes, cresce, floresce, murcha, morre e espalha sementes que farão outras comissões florescerem criando mais pragas de comissões".
- as comissões criam-se quando um determinado grupo quer desvincular-se de um assunto tido como incómodo, atribuindo-o a um grupo mais restrito do seu seio. Sendo grupos não obrigados às mesmas regras que o grupo maior, geralmente demoram meses a decidir algo, em reuniões, que, quando acontecem, já que os seus elementos faltam muitas vezes dado o seu caracter menos "formal" (não se marcam faltas, por exemplo), são inúteis. Nestas ocorre a "lei da banalidade". São frequentes nas escolas, nas instituições públicas e mesmo nas políticas (leia-se Assembleia da República). Nas instituições de ensino superior criam-se comissões por tudo e mais alguma coisa.

4. Hipótese da paralisia das organizações: se o chefe das organizações não é (e não se sente) dos melhores, ele/ela tratará de se cercar de subordinados que sejam piores (para não se notar a sua incompetência) que, por sua vez, arranjarão subordinados ainda piores (com o mesmo fim). Tal dará azo a uma verdadeira competição de estupidez.
- vejo, com muita clareza, esta hipótese nos presidentes do Conselho Directivo ou de Departamentos científico-pedagógicos de instituições de ensino superior.

5. Hipótese da demora-padrão: é o tempo decorrido entre a recepção da correspondência ou documentos e a altura em que chegam ao verdadeiro destinatário: vai ficando em diferentes secretárias de diferentes gabinetes algum tempo de modo a que quando chega ao destinatário final já se desactualizou ou o evento noticiado já se realizou.
- esta "ocorrência" era tão frequente nas minhas reuniões de departamento: tomavamos conhecimentos de congressos, jornadas, etc., quando já tinha ultrapassado o prazo para a sua inscrição ou, pior, já tinha ocorrido mesmo. A tentativa de responsabilizar a chegada tardia dos documentos aos seus reais destinatários encontrava, dos diferentes serviços burocráticos da escola a seguinte explicação: "não esteve cá mais do que 2/3 dias no máximo. A culpa não é nossa..." (2/3 dias que, somados pelos diferentes serviços...) ou ainda "a funcionária que trata disso está doente...".

Peter e Hull acreditam que numa organização formal há um esforço constante para justificar a mediocridade, ineficiência e incompetência. O mais famoso é o "Principío de Peter" que estipula que quanto mais alto é o cargo, maior é o nível de incompetência. Então:
1. o empregado seria consecutivamente promovido até chegar aos seu nível de incompetência;
2. todo o cargo tende a ser ocupado por um funcionário que é incompetente para cumprir os seus deveres.
Os autores formulam, no seguimento do anterior, os seguintes princípios:
1. Sublimação percursiva: quando um funcionário incompetente bloqueia ou atrasa um serviço, ele é promovido para um lugar, eventualmente mais alto, que o impede de bloquear ou atrasar o serviço.
- Já o testemunhei numa escola onde leccionei onde um funcionário que causava algum incómodo enquanto docente junto dos alunos (e de que as queixas daqueles e boatos se tornavam cada vez mais frequentes) foi promovido a uma espécie de "gestor de projectos de investigação", com gabinete próprio mas longe das salas de aula.

2. Inversão de Peter: acontece quando um regulamento interno tem mais valor do que o serviço eficiente. É o caso de alguns hospitais onde o funcionário que recepciona um paciente dispende um enorme e precioso tempo a preencher papeis enquanto o paciente agoniza na espera. Aqui, o que define um bom serviço não é a qualidade da prestação de cuidados mas a rectidão com que os papeis são preenchidos.
- Em instituições de ensino superior, este princípio ocorre nos formulários que se têm que preencher para efeitos de candidaturas a financiamento de projectos de investigação ou mesmo documentos internos das escolas.

3. Exfoliação hierárquica: ocorre quando um funcionário eficiente não é promovido ou mesmo demitido pois a sua (evidente) competência é vista como um comportamento não esperado ou mesmo uma ameaça para os seus pares e superiores hierárquicos.
- O que dizer disto?! O que dizer disto?! É o pão-nosso-de-cada-dia nas nossas instituições de ensino superior.

4. Pista paterna: acontece quando um chefe admite um parente ou afim num cargo alto ou, não existindo esse cargo, cria-o.
- idem aspas, idem aspas...

Peter e Hull atribuem também grande importância à "Ciência do Arranjo da Mesa do Gabinete". Os autores catalogaram as seguintes catagorias de arranjos:
1. Papirofobia: é a intolerância quanto a papeis e livros em cima da mesa. O "papirófobo"tem uma verdadeira fobia sobre livros e papeis em cima da secretária porque estes lembram-lhe o trabalho que deve ser feito.
- o presidente dos serviços centrais de uma escola onde já leccionei tinha sempre a sua secretária imaculadamente desprovida de documentos. Apenas os adornos (luxuosos) tipicos de uma secretária.

2. Papiromania: é o oposto do anterior. É a acumulação de papeis, dossiês e muitos outros documentos em cima da secretária. O "papirómano" deixa, intencionalmente, acumular papeis em cima da sua secretária para mascarar a sua incompetência e transmitir a ideia de que tem muito que fazer, de que é um homem competente e ocupado e indispensável ao bom funcionamento da organização.
- o presidente do Conselho Directivo de uma escola onde já leccionei perfilhava desta mania: os papeis em cima da secretária eram os mesmos e (des)arrumados do mesmo modo durante semanas e semanas seguidas.

3. Filiofilia: é a obsessão de coleccionar e classificar papeis geralmente acompanhado de um medo mórbido de perder qualquer documento.
- um chefe de um departamento onde estive inserido tinha tanta pressa em guardar os documentos nas pastas de arquivo próprias que aqueles a quem o teor dos documentos devia ser divulgado nunca o chegavam a saber. Na sequência ocorria a "hipótese da demora-padrão".

4. Gigantismo tabulatório: é a obsessão por mesas grandes, preferencialmente maiores que as dos colegas. Porventura Freud ajudaria a aprofundar a explicação...
- não me lembro de nenhuma escola de ensino superior onde tal não ocorresse.

Por sua vez, Thompson enumera alguns dos "mecanismos de defesa"geralmente usados pelos detentores de cargos superiores:
1. Manipulação do sistema de informações: para protegerem e reforçarem as suas posições de poder, os chefes assumem grande preocupação no controle e distribuição das informações, retendo-as por um tempo considerável ou divulgando-as somente a certas pessoas. - já me constou isto ocorrer envolvento concursos para docentes, bolsas do PRODEP e programas de financiamento de investigação.

2. Adopção de um comportamento dramatúrgico: os detentores do poder gostam de adoptar atitudes e comportamentos ensaiados para propalar uma imagem de competência, seriedade e, sobretudo de serem indispensáveis, quer queixando-se do excesso de trabalho (ver: "papiromania"), quer revelando-se como que uns "pobres coitados que fazem sacrificios pessoais em prol de terceiros" e, geralmente, mascarando-os com cortesia e diplomacia.
- constatei especialmente isto na altura da feitura dos horários dos docentes, sempre acompanhados de laivos de queixa, espelhando espirito de sacrifício mas com toda a cortesia possível.

3. Dedução mecânica cargo versus competência: a esta dramaturgia convém e ajuda toda uma série de adereços e rituais próprios como o carro da instituição, o motorista, um gabinete personalizado com carpete e secretária grande (ver "gigantismo tabulatório") e, claro, ar-condicionado (aliás, se se quiser ver onde estão situados os gabinetes das chefias do exterior de um prédio, notar onde estão instalados os aparelhos de ar-condicionado). Transmite-se a ideia de que se a pessoa tem essas mordomias todas é, certamente, é uma pessoa competente.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

yo?! Arranjas a bibliografia disso ou não??

David

dezembro 14, 2004 9:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

BIBLIOGRAFIAAAAAAAAAAA???????

dezembro 15, 2004 3:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Rapaz! Posso enviar isso ao presidente do CD da minha escola? E exemplificar com cenas dele? E tu amanhaste se ele não gostar? ;-). É que eu digo que foste tu.
Nelson

dezembro 18, 2004 9:11 da tarde  

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