domingo, dezembro 26, 2004

“Branca de Neve e os Sete Anões” (II)

Anónimo envia-me continuação de fábula de post anterior (15/12/04). Reza:
«Depois da demissão de Branca de Neve da tertúlia que liderava, a tertúlia da Confusão Geracional, constou, no reino da floresta, que imensos tambores ecoavam. Todavia as mensagens não eram perceptíveis. Ouviam-se baques no couro mas não se distinguia o conteúdo.
O anão Rezingão mantinha a sua zanga. E já a tinha batucado em tambor para vários destinatários.

Ocorre que entra em cena uma nova tertúlia a quem o anão Rezingão tinha endereçado um pedido. Esta nova tertúlia, o Comité dos Funcionários Desiludidos (desiludidos com as outras duas tertúlias, bem entendido), não se reunia para pensar em linhas de acção para alterar o modo como se organizavam e nas leis que presidiam às grutas, cavernas, tocas subterrâneas, troncos ocos de árvores e barragens de castores onde passavam muito tempo jovens animais e onde eram formados para se tornarem verdadeiros anões e animais úteis à floresta. Esta tertúlia, outrossim, era mais serena e tinha a função de vigiar as restantes tertúlias e avisa-las quando aquelas ultrapassassem certos limites. Não consta que, ao contrário das outras tertúlias, se envolvesse em (muitas) polémicas.

Bom, de regresso à história: o anão Rezingão recebeu uma resposta tida como labiríntica da tertúlia do Comité dos Funcionários Desiludidos que não encontrou eco na sua pouco anã satisfação. Vai daí largou o seu brado, em voz estridente, noutra tertúlia (aquela outrora liderada por uma lontra, lembram-se? Vamos chamar-lhe tertúlia dos Confrades Notáveis. Agora era chefiada por um pastor-alemão, de boa cepa, paciente e manhoso). O anão Rezingão bradou na tertúlia dos Confrades Notáveis, dizia eu, e fê-lo na presença de Branca de Neve e do anão Sabichão. Os restantes anões desta tertúlia ouviram pacientemente o anão Rezingão mas pouca importância lhe deram. À excepção de dois ou três anões que quiseram que a tertúlia do Comité dos Funcionários Desiludidos tivesse um papel mais activo na resolução da contenda entre os anões da tertúlia de Branca de Neve. O esperto pastor-alemão prometeu fazer algo para esclarecer isso.

Nesta reunião da tertúlia dos Confrades Notáveis havia regras que obrigavam a que estivesse presente um número mínimo e anões e animais. E no dia da reunião não estavam, mallereusement… pelo que as decisões tomadas nesta tertúlia poderiam nada valer. Todavia admitia-se que anões e animais não tivessem falta se avisassem previamente por tambor que não iriam estar presentes. Aguardava-se para saber se anões suficientes o teriam feito…

E eis que alguém avança com uma ideia. Era um galo que cacarejou, justamente por tambor:
- "Esta e a outra tertúlia têm grandes problemas de relacionamento porque todos os animais e anões de ambas prevaricam, insultam, blasfemam, achincalham, caluniam por tambor generalizadamente sem pudor nenhum! Proponho um animal-mor para controlar as batucadas previamente! E proponho que seja o pastor-alemão!”
"Ohhhhh!" Exclamam imensos anões e animais por tambor entre si. "Será possível?!". Pouco depois veio a resposta de outro anão: "Eu concordo!" seguido de "Eu também! Com o controle e com o nome de controlador!" E muitos mais anões e animais pensavam nesta linha. Alguns anões da tertúlia da Confusão Geracional e outros tantos da tertúlia dos Confrades Notáveis ficaram preocupados. A maior parte não.

Faltava o pastor-alemão pronunciar-se. Aceitaria ele tal incumbência? Tal responsabilidade? Tal poder?
O líder da tertúlia dos Confrades Notáveis era manhoso. Não quis assumir uma função que só lhe traria problemas. E, apesar de novo nas funções, ele sabia do que a parte da floresta onde liderava gastava. Fez constar que não pelo silêncio. A sua reserva demonstrava, uma vez mais, sabedoria.
Enquanto tal decorria, o anão Rezingão estava na expectativa. Admirava Pastor-alemão à distância e esfregava as mãos de contentamento face às possibilidades de actuação deste último no sentido de ele pressionar a tertúlia do Comité dos Funcionários Desiludidos a ter uma intervenção punitiva face a Branca de Neve e ao anão Sabichão. E sonhava…

Surge Torquemada, inquisidor-mor das tertúlias reflexivas! Torquemada não era anão. Era bastante alto e delgado. Na sua voz seca e esquálida clama:
- “Trago-vos uma profissão e um auto de fé! Os factos foram analisados. As provas perscrutadas. O julgamento já foi feito e a condenação decidida! Tragam-me os réus!”.
Surgem, andrajosos, Branca de Neve e o anão Sabichão, envolvidos em correntes de ferro nas mãos e nos pés. Caminham pelo cumprimento que os grilhões permitem. Branca de Neve está cabisbaixa mas o anão Sabichão permanece altivo, sem medo, ousado como que dizendo “De nada me arrependo!”

Torquemada brada:
- “Tu, alva vilandade foste condenada a renegar, com humilhação os teus vilipêndios! Despi-vos e arrependei-vos sob pena de excomunhão!”.

Branca de neve despe-se, prostra-se diante do inquisidor-mor e balbucia uma algaraviada que apenas quem lhe está próximo entende. E assim fica.

Torquemada retorna:
- “Tu, anão infernal, serás condenado às chamas do inferno pelas chamas da terra! Arderás na fogueira dos pecados sem piedade nem compaixão! Ardei, vil pecador!”. Sabichão é encaminhado para uma pilha de lenha encimada por um poste. A ele amarrado. Chamas são ateadas. Do espectáculo pirotécnico ouvem-se brados em agonia “De nada me arrependo! De nada me arrependo!”…
Rezingão acorda do devaneio em sobressalto numa zona ruinosa da floresta chamada “Forte de Oeiras”. Torquemada foi só um sonho. Ao desequilibrar-se, cai da cadeira e espeta uma lasca de madeira na zona do baixo-ventre. “Ai meu Salazar que me acuda!”. A zona ferida é delicada. Não fica com voz fina mas terá que ser hospitalizado duas semanas depois do solstício de Inverno. Antes disso apregoa em tambor: “Se não ouvirem de mim não é por desinteresse! Adeus e até ao meu regresso!”»

E ficará a história por aqui?

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A que propósito surge o Salazar no último parágrafo? A personagem ferida é salazarista? Não percebi. Tudo indica que isto é uma fábula para adultos. E se fizesses fábulas paa crianças? Imaginação não te falta :)
Nelson

dezembro 28, 2004 11:18 da manhã  

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