Património ao desbarato...
Uma espécie de dor de alma ou sensação de desperdicio é o que me perpassa quando vejo incunábulos e pós-incunábulos quinhentistas a serem vendidos "leaf by leaf" (folha por folha) no site americano do ebay. Alguns, pude constatá-lo, são portugueses ou de autores portugueses e de inegável valor histórico .
Feito ingénuo já enviei e-mails à Biblioteca Nacional dizendo que um incunábulo (ou próximo ulterior) ou um manuscrito em português ou em latim mas de autor português estava em leilão (completo, felizmente) a um preço acessível (dado o valor do bem) e nada responderam. Assim se depreda o património histórico mundial. Por interesses materiais mesquinhos...
6 Comments:
Quem quer, quem quer... uma pedrinha do Muro de Berlim??!
Este post fez-me recordar uma história curiosa ocorrida há mais de 20 anos. O pai de um amigo meu era proprietário de uma pequena livraria que baseava em parte o seu negócio na venda de livros raros. Um certo dia esse meu amigo e o seu pai foram visitar um alfarrabista. Ao passar os olhos pela oferta do seu colega o pai do meu amigo reparou num livro que lhe chamou a atenção. Para disfarçar a excitação da sua descoberta foi pegando numa meia dúzia de livros que comprou ao seu concorrente pedindo-lhe que os entregasse na sua livraria. “Este, disse-lhe, vou levá-lo comigo. O assunto interessa-me e vou lê-lo.” O livro foi vendido por muito pouco dinheiro. Depois de saírem da livraria o meu amigo virou-se para o pai e perguntou-lhe: “Esse livro é especial?” “Pode ser”, respondeu-lhe o pai, mas tenho que verificar”. Posteriormente confirmou o seu instinto de bibliófilo. O livro em causa era o primeiro livro de poesia publicado em Moçambique e constituía uma verdadeira raridade. Foi posteriormente vendido a uma universidade americana por 500 contos!!
Por associação de ideias lembrei-me de um prefácio de Aníbal Fernandes a um pequeno livro de Céline, Vão Cheios os Navios de Fantasmas, publicado pela Hiena Editora nos anos 80. Cito um excerto: “Visitar o alfarrabista é acto de regras muito próprias. Jogo – faz-se entre adversários que se espiam e constróem lanços a partir de uma observação atenta de faces, sorrisos, olhares, de um gesto mais ou menos nervoso das mãos. (…) Há, no entanto, a situação superlativa do cheque-mate ao alfarrabista, rara nesta ronda de fanáticos mas a exigir, se aparece, o domínio mais sábio de todos os músculos faciais. Imagine-se, por exemplo, aquele lote de “franceses” vendidos ao quilo por uma viúva apressada (…) e que lá no meio esconde, humilhado entre doudês, zolás e rolãs, um mítico, um “impossível” Bagatelles pour un Massacre de Luís-Ferdinand Céline.”
P.S. Bagatelles pour un Massacre é um livro de teor anti-semita que muito dificilmente se encontra à venda. Se avistarem algum a um preço acessível comprem-no e coloquem-no à venda na E-Bay. As vossas férias vão ser melhores.
PJ
Sendo um habitueé (tá certo?) dos alfarrabistas de Lisboa (conhecem-me todos...), às vezes do Porto e Coimbra, conheço alguns dos seus argumentos, PJ. A excitação contida e o seguido... cinismo para disfarçar (e conseguir um preço mais baixo) é algo comum entre os bibliófilos e bibliómanos. Aprendi isto: quando me perguntam o que eu procuro tento ser muito vago na resposta dado que se o alfarrabista tiver o que eu procuro, o preço disparará. E são rarissimos os que têm preços pré-estipulados. Na comunidade de alfarrabistas de Lisboa, o ambiente é curioso: muitos são aparentados, fazem e desfazem alianças conforme a lógica do lucro deste ou daquele livro que comercializam entre si. E por vezes usam-me para saber que preços aquele seu colega está a levar por este ou aquele livro. Estas vivências já me valeram um convite para a Maçonaria. "Vou pensar... mas os rituais de iniciação....hummmm...".
Obrigado pela dica do "bagatelles" ;-D
Se deixam sair do país por falta de condições de trabalho tantos futuros cientistas, acham que vão reparar nuns "papéis velhos"?
Reparam os "cientistas" que estudam por vezes esses "papeis velhos" como eu... ;-D
prontos, tá mal.
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