segunda-feira, janeiro 19, 2004

Questões de interpretação no ad eternum da crise...

Vitor Constâncio vem a terreiro dizer que o congelamento dos vencimentos dos funcionários públicos não deverá ocorrer no próximo ano. O que disse ele, verdadeiramente? Por exemplo, disse que concordava que este ano tal tivesse ocorrido? Na verdade não disse nada de novo ou significativo. Se o nosso manipulador-mor (Durão Barroso) fosse confrontado com esta sentença, diria, com a maior naturalidade do mundo "É esse o nosso desejo, de facto. Pensamos que tal não irá ocorrer para o próximo ano". Dito desse modo, não se compromete com nada. Se para o ano tal façanha se repetir, basta justificar, novamente, com a penúria orçamental para não concretizar o desejo sincero e assumido. Tal é transferível, também, para Vitor Constâncio.
As recentes afirmações do mais alto magistrado da nação quer a propósito da verborreia jornalistica do caso Casa Pia, quer do recente repto para um pacto de regime visando uma estabilidade orçamental não causaram senão um assentimento por parte de todos os grupos parlamentares (exceptuando-se uma vozes isoladas que afirmaram que poderia ter ido mais longe). Quando confrontados com as afirmações do presidente, um e outro grupo parlamentar afirmam, face a "aprofundamentos" dos jornalistas, que "não foi bem isso que o presidente disse/não foi essa a nossa interpretação"...

Tudo cai em saco roto. Tudo perde a eficácia. Estamos num país de afirmações, "sérias" bombásticas mas inconsequentes. Na verdade, por entre as propostas da maioria parlamentar ou do governo impera o que T. Popkewitz denomina a "retórica da mudança": têm-se repetido, seguindo algumas regras fundamentais do marketing, manifestações mediáticas de anúncio de medidas para isto e para aquilo de cuja concretização não vemos o menor vislumbre. E não me venham dizer que a culpa é do tipico português, preguiçoso e avesso à mudança. Isso foi chão que já deu uvas...

Ele foi o Programa Pólis, ele é a revolução na Administração Pública, ele é a sociedade de informação, ele é o financiamento da ciência mais recentemente, etc., etc. Quem acredita nestas coisas? Mas o impacto de algumas das medidas parece/é sentido. Aqui parece haver uma tendência: as medidas "negativas mas necessárias e não populistas" como o congelamento de vencimentos na administração pública e as vagas na mesma são sentidas no dia-a-dia e nos números do desemprego. E assim se vai enganando o Zé Povinho com promessas, vagas e abstractas de um futuro melhor.

Dou a mão à palmatória, no meu caso pessoal, numa medida positiva em que, efectivamente, senti impacto: o abono de família. De facto aumentou para o meu novel filho. De resto, tudo me passa ao lado. E se os nossos líderes são confrontados com isso, dirão: "É uma revolução silenciosa..." ou "é um investimento a longo prazo dos quais os frutos irão desenvolver e estabilizar-se nas gerações futuras". Eu quero "barulho" e "frutos" para já. Eu quero qualidade de vida hoje e não a promessa de a ter, vagamente, amanhã. Se não for eu, pelo menos para o meu filho...

sábado, janeiro 17, 2004

Assumpção de qualidades: o paradoxo da humildade. Uma entrevista fictícia

Todos temos qualidades e defeitos. A maioria mais os segundos do que os primeiros e alguns, poucos, o oposto. Eu não pertenço a esta última categoria. Temo-las porque são visíveis, porque agimos em conformidade com elas. A este nível, o "ser e parecer" é mais fiável do que o "dizer". Mas é sobre este último que eu quero falar hoje: sobre as qualidades que dizemos ter. Com especial ênfase numa delas: a humildade.

Eu poderei dizer, e ser acreditado, "Eu sou uma pessoa moral", isto é, sou uma pessoa que tem (alguns) princípios, que se rege por eles e que tenta não os violar a não ser em circunstâncias muito excepcionais. Por arrastamento poderei dizer "Eu tenho uma consciência" no mesmo sentido: moral. Ergo, terei uma consciência que me incomoda quando violo, deliberada ou não, as regras que regem a minha moralidade.

Eu posso dizer "Eu sou honesto". Os que me ouvem e que me conhecem acreditam, não têm nenhuma prova do contrário mas parece-lhes que a alocução é mais provável do que o oposto, isto é, de que eu serei desonesto. O mesmo não será dizer de "Eu nunca fui desonesto" já que todos cometemos, em maior ou menor grau, uns pecadilhos aqui e ali. Também não lhes custará a acreditar muito que "Eu sou uma pessoa fiável" embora aqui o grau de crença possa variar de indivíduo para indivíduo de acordo com o conhecimento que têm da minha pessoa.

Quem acredita em mim, todavia, se eu disser "Eu sou humilde"? Esta poderá ser a única qualidade em que a sua assumpção nada prova sobre a sua posse como dá fortes indicações precisamente do oposto. Então, o humilde será aquele que nunca o afirmará? E se for mesmo humilde, isto é, não só "parece como é" e o disser uma vez só perde parte ou grande parte dela ou toda? E se ouvirmos a alocução de uma pessoa da qual não temos nenhuma dúvida de que é humilde, de que nunca conhecemos ninguém tão humilde como ela, de que a até conhecemos, na sua plenitude, o conceito de humildade por causa dela e ela disser: "Sem dúvida nenhuma de que eu sou humilde!". Zás!! Perdeu toda a humildade conquistada por uma vida de virtudes humildes por uma só frase? Então é-se mais humilde quando não se assume a própria humildade? E quando até se renega-a? Por exemplo: se a mesmissíma pessoa super-humilde por actos nos dissesse, textualmente: "Eu não sou humilde" estaria a ser hipócrita?

Crentes ou não, "Católicos apostólicos romanos" ou não, praticantes ou não praticantes da mesma confissão, cristãos em geral... se descobrissem, através e uns papiros quaisquer de Qumran (os célebres "manuscritos do mar morto") ou outros documentos sobre os quais a comunidade científica não seria céptica no tocante à sua veracidade viessem porventura, agora, provar que Jesus Cristo tinha dito: "Bem-aventurados os que são humildes como eu"? Caía o Carmo e a Trindade?

Vamos imaginar um extracto de uma entrevista ao indivíduo tido como dos mais humildes que se já viram:
"Entrevistador: Boa tarde. As minhas fontes consideram que o senhor/a é de uma humildade sem comparação...
Entrevistado: exageram, sem dúvida...
Entrevistador: considera-se uma pessoa humilde?
Entrevistado: ... [ri-se]
Entrevistador:então?
Entrevistado: não sei bem como responder a essa pergunta...
Entrevistador: é uma pergunta muito simples: considera-se ou não uma pessoa humilde?
Entrevistado: olhe, nunca se é bom juíz em causa própria, não é?
Entrevistado: está a fugir à pergunta...
Entrevistado: não estou nada... é que...
Entrevistador: deixe-me reformular: considera-se uma pessoa não humilde de todo?
Entrevistado: Eu acho que não...
Entrevistador: nesse caso, é uma pessoa humilde?
Entrevistado: pois... talvês... não sei...
Entrevistador: eu reformulo novamente: vive humildemente?
Entrevistado: Ah, sim, penso que sim...
Entrevistador: tem ambições desmesuradas?
Entrevistado: Ah, não! Pobre de mim...
Entrevistador: compreende e aceita as pessoas como elas são?
Entrevistado: sim, sim, tento...
Entrevistador: perdoa, normalmente, as pessoas pelos seus erros (quando não ultrapassam certos limites)?
Entrevistado: sim, sem dúvida, faço por isso...
(...)
Entrevistador: tudo o que me disse revela uma humildade irrepreensível! Você é uma pessoa humilde!
Entrevistado: se você o diz...
Entrevistador: Porquê? Você não acha?
Entrevistado: eu acho que..., ...
Entrevistador: é humilde!
Entrevistado: hum... pois... não sei... tento ser...
Entrevistador: Pois... tenta e é, não é? Recorde-me um episódio da sua vida em que, em maior ou menor grau, você tenha demonstrado uma evidente falta de humildade...
Entrevistado: hum... não posso dizer que alguma vez tal tenha acontecido...
Entrevistador: Precisamente! Porque você é uma pessoa humilde! Vá! Admita!
Entrevistado: ó homem?! Você....
Entrevistador: olhe... se você não é humilde eu não estou aqui a fazer nada! Estou a perder o meu precioso tempo! As minhas fontes asseguraram-me que você era de uma humildade nunca vista! Agora se elas estavam erradas e você está a mentir...
Entrevistado: não! Eu não estou a mentir...
Entrevistador: as minhas fontes estavam correctas, portanto?
Entrevistado: sim, sim, acho que sim...
Entrevistador: Sim?! Então você admite!! Você é uma pessoa humilde!! Vá! Vá! Por favor! Admita! Admita!
Entrevistado: sim, porra! Eu sou uma pessoa humilde!! Eu sou uma pessoa humilde!!
Entrevistador: ...
Entrevistado: ...
Entrevistador: que raio de pessoa humilde é você que brada aos quatro ventos que é humilde?? Chiça que não tenho sorte nenhuma com estas entrevistas..."

Pois...

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Sátira circense às categorias do ensino superior politécnico público

Esta "análise" foi feita há algum tempo. Sabe-se lá porquê, decidi inclui-la aqui.

"Sátira circense às categorias do ensino superior politécnico público"

1. P.-C. (Professores Coordenadores, perdão, "Palhaços Carrancudos")
São os Palhaços principais, não necessariamente os mais velhos. Caracterizam-me pelas queixas de excesso de trabalho daí um facies carrancudo. Normalmente pertencem, e presidem, a Comissões Retóricas (a que mesmo assim, tentam se furtar) que muito discutem e nada fazem. Discussão é, de facto, a sua especialização, mormente sobre um tema que lhes é caro: "O que é que pudemos mudar - e queremos mudar tudo - para que tudo, isto é, o Circo, fique na mesma?!". A concretização fica, asseguram, a cargo de outros professores, perdão, "palhaços". Repartem as suas actividades entre reuniões obscuras entre si ou com os órgãos do poder. São pouco vistos noutras actividades (outros "palhaços" pensam até que estes não existem...). Produzem documentos que caem no esquecimento mas que gostam de assinar do tipo: "Linhas Estratégicas", "Princípios Orientadores", etc. Caracteriza-os o facto de terem direito a mais rebuçados e chocolates ao fim do mês (dia 24) e, muitas vezes, trocam-nos por Jeep's que ostentam à porta da escola, perdão, do Circo. Possuem, também, telefones portáteis "topo de gama" que, igualmente, gostam de ostentar. Têm, finalmente, um grau de "Palhaçadémico" que lhes permite aceder a essa posição, o "Palhaçaramento".

P.-A. (Professores-adjuntos, isto é, "Palhaços ou Sábios Anciãos")
O que caracteriza, sobretudo, estes "Palhaços" é a sua vontade de se tornarem "Palhaços Carrancudos". Aspiram a ter mais rebuçados e chocolates no dia 24. Trabalham mais em palhaçadas do que os P.-C. Na verdade, trabalham mais de todo do que os P.-C. Também se queixam do excesso de trabalho mas, mesmo assim, insistem em se juntar aos P.-C. nas conspirações obscuras com os mesmo objectivos que as dos P.-C. Compõem, juntos com estes últimos, o "Circo das Vaidades", órgão só para "Palhaços" que define, cientificamente, as palhaçadas que o Circo vai levar a cabo nos tempos futuros. Também os caracteriza o facto de, apesar de se queixarem do "Circo das Vaidades" fazerem questão de estarem inseridos nele. Por vezes os Palhaços zangam-se e então formam "Círculos de Palhaços Informais". Os P.-A. são espécies de Palhaços mais vistos a fazerem palhaçadas nas salas de palhaçadas. Nem todos, tal como os P.-C. têm formação específica para serem Palhaços mas isso não lhes importa. Alguns também possuem Jeep's, trocados pelos rebuçados e chocolates, para ver se se confundem com os P.-C. Ostentam-nos, também, à porta do Circo. Para aceder à categoria de P.-A. tiveram que fazer o Palhaçarestado.

A., "assistentes", "underteachers" ou "ambicionadores" ou ainda "assalariados sub-pagos" que se subdividem em:
A. (assistentes do "quadro", isto é, "Ambicionadores" a P.-A. Constituem, também, a mão-de-obra barata do quadro do Circo já que, exceptuando as Comissões e Reuniões obscuras, fazem as palhaçadas que mantêm o alguma actividade no Circo. Recebem menos chocolates e rebuçados que outros "Palhaços" (com "P" grande) mas, iludidos pelos P.-C. e P.-A., de que irão, qualquer dia ser acolhidos no seio deles, vão permitindo esta situação. A maior parte tem Palhaçatura para ser P.-A. mas não acede a essa categoria por motivos não públicos. Dizem que "qualquer dia o Circo vem abaixo..." mas não se aglutinam para esse fim. Constituem alianças com alguns P.-C. e P.-A. para defesa dos seus interesses, isto é, aceder a P.-A. num prazo visível. Por vezes conseguem-no. Outras vezes não é fácil....

A. (assistentes ou "ambicionadores" "requisitados")
São, na essência, semelhantes aos outros A. Distingue-os o facto de terem fugido de outro Circo já que a população deste era mais complicada e trabalhosa do que a do Circo Superior. E, Não obstante, guardam o vinculo ao Circo anterior "não vá o Diabo tecê-las...". Alguns destes Ambicionadores a P.-A. conseguiram, por – pensa-se – magia negra, a equivalência a P.-A. e chamam-lhes a categoria híbrida de "Equiparados a P.-A.". E, por tal, recebem uma mais-valia de rebuçados e chocolates no dia 24 de cada mês. Entristece-os, no entanto, a não autorização de entrada no "Circo das Vaidades" onde, certamente, iriam aumentar as Palhaçadas no seu interior. Os Ambicionadores requisitados são, na maior parte, antigos no Circo. Por tal reclamam de um estatuto superior aos restantes Ambicionadores.

A. (assistentes ou "ambicionadores contratados")
São os ambicionadores que, de facto, mantêem o circo em funcionamento. Pouco têm em comum com todos os anteriores. Entre si, são os que mais trabalham: por vezes o dobro de horas dos P.-A. e o triplo dos P.-C. e estão, em surdina, proíbidos de sonhar em ter um vínculo menos precário. Em caso de crise económica no circo serão, inevitavelmente, os primeiros a ser despachados para o limbo. Por tal não gostam (ou melhor, têm medo) de levantar a voz não vá algum Palhaço (com "P" grande estar a ouvir...). Em muitos circos estes ambicionadores vão entrando e saíndo conforme as necessidades da instituição circense. São os trabalhadores provisórios que cumprem as necessidades permanentes de serviço. Quando há reuniões improdutivas onde só os Palhaços-Carrancudos e os Palhaços- ou Sábios Anciãos têm, em surdina, direito a intervir sem serem solicitados a tal, estão lá todos caladinhos , silenciosos e em segundo plano, a concordar com ligeiros assentamentos de cabeça.

São o exército do circo. Alguns até têm palhaçarestado mas isso é irrelevante pois, certamente, este foi obtido num Circo de menor importância do que o dos Palhaços-Carrancudos e os Palhaços- ou Sábios Anciãos. Esforçam-se por agradar aos Palhaços-Carrancudos e os Palhaços- ou Sábios Anciãos para manter o seu vínculo. Os ambicionadores contratados sabem que fora do Circo a vida está muito feia e dura. Alguns já a experimentaram e não desejam lá voltar. Por isso convém não fazer alarido.
Não vá o Diabo tece-las...

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Legislação à medida

O Despacho 24385/2003 (II série) publicado no "Diário da República" de 18/12/03 determina que "o exercício de funções públicas ao cargo de gestor público seja equiparado, para os efeitos consignados no art.º 73 do Estatuto da Carreira Docente Universitária, ao efectivo exercício de funções na carreira docente universitária". Eis uma medida que vai ajudar muitos professores universitários a verem o seu tempo de serviço anterior exercido noutros cargos públicos seja valorizado e contado nas funções docentes. É uma reinvindicação velha para muitos docentes. A este nível, a legislação que se refere a estas equiparações caracteriza-se por um caos legislativo onde muitas situações são deixadas de fora e outras repetem-se. A passagem de uma situação para outra tem obrigado os "afectados" a pedirem por pareceres jurídicos a serviços públicos e esperarem meses para uma resposta positiva que acontecendo, raramente é retroactiva.

Mas eis que surge o despacho que óbvia este problema.
Enfim! Esperem... parece que não. O mesmo Despacho reza que esta equiparação é exclusiva do ilustrissimo, venerável e excelentissímo Sr. Doutor José Jacinto Patacas de Aragão, ex-presidente da Direcção do Instituto Nacional de Estatística.
E assim vai o nosso Portugal dos Pequeninos...

segunda-feira, janeiro 12, 2004

Hierarquias, responsabilidades e tratamento pessoal

Alguém no seu emprego ou na sua escola, sobretudo na administração pública, tem colegas que lhe estão hierarquicamente acima e com quem têm de lidar frequentemente? Eu tenho. E vou reparando na questão do tratamento que as pessoas preferem, ergo, como gostam as pessoas de ser tratadas mas, sobretudo, por quem. Na minha actual escola, são muitas as pessoas que estão sujeitas a hierarquias. São mais de categoria profissional do que de habilitações académicas. Eu explico: estou numa escola superior de educação pública. Lá existem três categorias entre o pessoal docente: de cima para baixo: os professores-coordenadores, os professores-ajuntos e os assistentes. Desculpem - existe uma quarta categoria: os equiparados a assistente. Para a primeira é preciso ter o grau de Doutor ou Mestre, para a segunda, Mestre (podendo, também, ser Doutor) e para a terceira, o grau de licenciado (podendo ser, também, Doutor ou Mestre). Para a "quarta", o mais provável é ser-se licenciado-mestrando mas, mais uma vez, pode-se ser Doutor ou Mestre.

O grau académico torna-se irrelevante para a questão da distribuição de serviço, para a remuneração e para o tratamento: se se é equiparado a assistente Doutor, continua-se a ser um reles equiparado a assistente. Por outro lado, se se é professor-coordenador mestre é-se objecto de todo o respeito e consideração... a antiguidade, aliada à categoria profissional, impera.

Para quem está a ler isto, pode-se ter qualquer categoria com qualquer grau académico... não é bem assim. Não se pode ser professor-coordenador ou professor-adjunto sendo só licenciado excepto em... Portugal. Num país civilizado, o que poderia definir estes estratos seriam as habilitações académicas: o mais graduado seria, em princípio o mais experiente, o mais competente do ponto de vista científico, o mais aglutinador de responsabilidades de maior peso. Mas não é assim. No Ensino Superior Politécnico verifica-se, em geral, que quanto mais alto se está na hierarquia menor é a quantidade de trabalho e maior será o tempo que se gasta em tarefas improdutivas excepto se se estiver em funções de gestão. O Ensino Superior Politécnico agrega o que se pode chamar de mão-de-obra-barata abundante: o grosso do trabalho científico e pedagógico é feito pelo exército de assistentes e equiparados a assistente. Simultaneamente estes são os primeiros a descartar no caso de crise. E, enquanto lá estão são os que ganham menos, os que menos direitos têm e os que mais contas têm que prestar. Eles fazem tudo aquilo que a lei que rege estas escolas diz que não devem fazer: leccionam aulas teóricas, orientam estágios, elaboram programas, fazem investigação, etc, etc. Lá estarão os seus "superiores hierárquicos para tirarem proveito disso: titulam os programas, alegadamente são eles, afinal que "orientam" os estagiários e encabeçam os projectos de investigação.

E os "professores" terão um horário entre 6 e 8 horas podendo ir a 12. Os assistentes não costumam ter muito mais de 12 enquanto a versão escrava deles, os equiparados a assistentes vão por vezes acima das 17, 18 ou 20, 21, 22 ou mais.

O que fazem então estes "não-assistentes"? O mesmo que os assistentes ou equiparados a tal mas em muito menor dimensão e, facto que os caracteriza exclusivamente, têm lugar no "circo das vaidades" - perdão - no "Conselho Científico", espécie de lugar de exercicio de oratória vaidosa, retórica inconsequente e sitio onde se acendem e apagam fogachos e chamas de uniões e desuniões conforme as motivações do momento ou alianças conforme os interesses interesseiros. Lugar de formalismo supostamente informal, os Conselhos Científicos são arenas de uma prática democrática desvirtuada onde só interessa brilhar para o palco e demonstrar falsas sapiências e apócrifas humildades.

E como se trata esta turba? Na minha escola impera um falso informalismo. A velha frase "trata-me por tu" não é dita, não é, sequer esboçada, entre os "sábios anciãos" da casa. Entre assistentes, e a sua versão mais escravizada, os equiparados a tal, oiço esta frase com maior ou menor sinceridade mas oiço-a. Eu própria a digo a todos eles e aos "sábios anciãos" também. Estes tratam-se entre si por tu ou você mas fazem questão de não ser tratados como tal por aqueles que lhe estão, "hierarquicamente" abaixo. Podia lá ser outra coisa??!! E quando alguém me trata por "Dr." e eu corrijo: "Paulo, se faz favor" a correcção cai em saco roto. Porquê? Porque quem diz tal coisa seria expectável que o interlocutor também alegasse "trate-me por tu também" ou "trate-me pelo meu nome também". Mas não. Os "sábios anciãos" não querem tal coisa: o respeito diferenciado é uma coisa muito bonita e eles gostam muito...

E até arranjam uma estatrégia para não se pensar que o respeito é variável conforme o grau académico (é a categoria!): quem tiver grau de mestre deverá constar, em qualquer documento escrito como "Doutor". Assim: por extenso. Não sendo Doutor (isto é, com o doutoramento feito) insurgi-me, sem sucesso, face aquela regra ser usada para a minha pessoa. Mas vou insistir...

Poderão achar que estou a ser um bocado hipócrita. Confesso desde já: peço aos meus alunos que me tratem pelo meu nome mas não por tu. E dispenso o Dr.. Dispenso sim. Mas os "sábios anciãos" não.

Noblesse oblige! Helas!

domingo, janeiro 11, 2004

Descascar maçãs aumenta a inteligência...

O "Correio da Manhã", esse pasquim desorganizado e semi-tablóide, noticiava no outro dia que se tinha descoberto que o acto de descascar maçãs provocava o aumento da inteligência por quem praticava o acto. Alegava a peça noticiosa que se tinham constatado as áreas do cérebro que manifestavam grande actividade quando o "apple peeling" ocorria. Não sendo 1 de Abril, julguei que até teria havido algum cientista norte-americano, provável vencedor do próximo prémio "Ig-nobil", que se teria dedicado à investigação a tal iniciativa. A verdade é que estranhei que tal aumento de inteligência só se concretizasse exclusivamente com o acto de descascar maçãs e não laranjas, peras, outros frutos, vegetais ou tubérculos. Deduzi que tal não deveria ser assim: fruto de ignorância do jornalista ou de uma tradução mal feita do articulista, teriam omitido os outros frutos. Daí que tenha feito um exercício de imaginação para calcular quantos frutos, vegetais ou tubérculos teriam que descascar algumas personalidades da nossa praça para atingirem o que eu considero um grau mínimo de inteligência: Aqui vai:
- Durão Barroso: uma arroba de batatas greladas;
- Ferro Rodrigues: cinco arrobas de cebolas sem óculos;
- Paulo Portas: doze hectares de abóboras;
- Maria da Graça: cinco quilos de pera rocha verde;
- P. Santana Lopes: uma tonelada de dióspiros;
- M. M. Carrilho: todos os fenómenos frutíferos do Entroncamento até 2015;
- Souto Moura: todos os fenómenos hortículas do Entroncamento até 2025;
- Pacheco Pereira: os bagos das uvas do Douro até 2053;
...

segunda-feira, janeiro 05, 2004

A "legitimidade" para criticar: uma questão de grau...

Toda a gente sabe que o português é, sobretudo em conversas de café, muito crítico. Crítico mas inconsequente. Corporiza a vitima ideal para a incompetência/inoperância dos serviços públicos e privados já que não reclama e, quando o faz, não o faz da forma mais adequada. Daí que aqueles atributos abundem nestes serviços em Portugal. É uma tese consensual.
O português é, também, egoísta nas suas criticas. Não me esqueço de ver nos telejornais os utentes dos transportes públicos a queixarem-se dos efeitos que determinada greve dos comboios ou dos autocarros, apesar de "legitima", perde esta sua legitimidade quando lhes atrapalha a vida, a ida para o emprego (como se os portugueses fossem pródigos na pontualidade...). Recordo-me de ver um senhor, funcionário dos serviços de identificação de Lisboa (em greves periódicas por motivos justissímos) que, comparando a "sua" greve com a dos comboios da Linha de Cascais, se queixou da paragem destes transportes pelo transtorno que lhe causavam no regresso a casa. Com os portugueses é assim: só as greves dos outros é que, "legitimas" ou não, são incómodas e causadoras de transtornos. As próprias nunca: são mais que justas e raramente inoportunas.

Pelas greves ou não, a maledicência nacional pelo outro é um hábito muito enraízado. O português escolhe, selectivamente, quem deve criticar pelo critério de não exercer, ou não exercer abundantemente, o "pecado" que aponta no outro. Passo a explicar: se eu, como de facto acontece, raramente passo dos 120/130 km/hora nas auto-estradas, considero-me legitimado para vilipendiar aqueles que andam a 150 ou mais km/hora nas mesmas estradas. São umas bestas ao volante! Eu não! Posso, então, fazer esta critica. Se conduzisse a velocidades maiores, é como se a minha psique me impedisse de alardear esta queixa. E se o fizesse, os laivos de moralidade que ainda tenho, não evitariam a falta de persuasão na alocução da mesma. Se outra pessoa nunca ou raramente mentiu na declaração de rendimentos do IRS, está "aprovada" para escarnecer aqueles que driblam os fisco, espécies de estupores que enriquecem à nossa custa!

Pessoalmente, acho, por exemplo, que quem se absteve nas últimas eleições legislativas ou autárquicas, não tem legitimidade para se queixar do governo do país ou do municipio. Mas outros poden não pensar assim.

Há uns dias, enquanto esperava que o meu filho estivesse pronto para saír do infantário, observei um avô que abraçava o neto bébé com um carinho inconfundível. Instantaneamente generalizei-o (o avô) como sendo um senhor doce e afável, educado e cortês. O mesmo sexagenário pouco depois de eu já ter o meu bébé já comigo, sai do estacionamento para arrancar sem sequer mirar os carros que, já em movimento, estavam na estrada para onde o velhote queria adentrar. Sendo eu o condutor atrás dele a manobra irreflectida do velho obrigou-me a travar a fundo. À minha apitadela, o avô "doce e afável, educado e cortês", respondeu-me com insultos invocando não sei que legitimidade para a irreflectida manobra que tinha acabado de fazer. Pois sim!

Outro aspecto é a dimensão do pecado: uma espécie de cunhada que tenho também se queixa dos "alarves" que "voam" nas estradas do país, dos sinais que não respeitam e dos "piscas" que não fazem. Quando lhe digo que não faz qualquer sinal de luzes na entrada e dentro das rotundas, ela mantém um silêncio comprometedor ou minimiza o facto: não se compara a faltas muito mais graves que se cometem ao código de estrada. Logo, a sua falta é um mero pecadilho, inocente e inofensivo. Provavelmente, também eu considerarei tal atributo ao conduzir a 130 km/hora numa estrada que não permite mais do que 120. Para os que circulam nas auto-estradas ou vias equiparadas a não mais que 90/100 km/hora (também os há) eu serei, quando os ultrapasso, um desses "loucos do volante".

Na verdade, é tudo uma questão de grau...

quinta-feira, janeiro 01, 2004

Um Bom Ano Novo e óptimas entradas

A todos um próspero Ano Novo. Que este concretize, na medida do possível, todas as expectativas goradas no ano que finda bem como as desejáveis para o ano que ora se inicia. Quanto a mim, apenas desejo, por esta ordem, saúde para o meu bébé e seus pais e estabilidade profissional para a mãe do Alexandre e para mim.
Se possível, também gostaria que acabassem as guerras porque com elas acabava muita da fome, da tirania e da prepotência. Sobretudo para as crianças. Elas são o nosso futuro. Elas são a nossa inevitabilidade...