domingo, dezembro 12, 2004

Uma transubstanciação sinalagmática, embora perfunctória...

Numa limpeza a alguns ficheiros do computador encontrei este texto, muito divulgado numa certa altura, e que cheguei mesmo a usar com uma turma de Cursos de Complemento de Formação para demonstrar o ridículo da coisa. Não resisti a reproduzir o texto. Ele refere-se a um teste de uma disciplina de "Educação e Valores" dum Curso de Complementos de Formação - também - da Escola Superior de Educação Almeida Garrett.

1. "Numa época de canhestros, sistemáticos e fragmentários dogmatismos, labilismos, labialismos, turismos culturais, pragmatismos, cepticismos, determinismos, fatalismos, autismos, narcisismos, parolismos... - mais ou menos camuflados por dinâmicas endógenas e exógenas - um relance, embora perfunctório, sobre a ossatura programática da Disciplina, permite afigurar-se razoável, liminarmente, a susceptibilidade de desfibrá-la, entre outras, nas seguintes dicotomias axiológicas mediáticas multifacetáveis, confinantes, congruentes, sinalagmáticas..., a entrecruzarem-se, transumirem-se, transubstanciarem-se, transversalizarem-se, etc., v.g. Educação-Ética; Cultura-Civilização; Valores-Referências. Sem irrelevar o subjacente, atípico e ágrafo património - genético, material e espiritual - a montante e a jusante do aluno, teça um comentário sinóptico (corroborante ou repudiante), ancorado em dimensão axiológica e argumentos, empíricos ou especulativos, minimamente válidos.

2. Causalizando os respectivos objectivantes, o maior ou menor sucesso intelectivo-educacional materializa-se em facultar ao Homem-Aluno uma plena e interactiva adaptação ao meio, preconizando a sua vivência numa sociedade virtual que ainda não existe. Sufraga ou impugna? Justifique.

3. No acervo do 'mapa-mundi' noosférico (habitat cultural dos valores, sem intuitos exaustivos), trace a noção génese, características, mudança, hierarquia, taxinomia, teleologia, filosofia, peregrinação, utopia, protestade e heurística axiológicas."

É preciso dizer mais alguma coisa?

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Na duas áreas que conheço melhor - o Direito e a Literatura - também há, infelizmente, muitos (demasiados!) exemplos deste tipo de discurso vácuo e pretensioso.
Estes (pseudo)académicos precisavam era de fazer uma cura prolongada numa boa universidade anglo-saxónica, onde se cultiva, de um modo geral, o discurso claro, acessível e informal, mas rigoroso...
DK

dezembro 14, 2004 11:05 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Como concordo... embora não seja grande adepto das distinções arbitrárias entre ciências, vejo nalguns dos meus colegas das ditas "Ciências Sociais e Humanas" uma... mania (vaidade?) de que um texto será tanto melhor quanto mais floreado for. E a objectividade (o rigor já é outra coisa...) perde-se no meio do vernaculismo pretensioso e fútil. Nas ditas "Ciências exactas - as outras não o são?) parece haver mais objectividade. Ainda bem... já viu o tamanho das teses académicas de uns e de outras?

dezembro 14, 2004 11:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Há alguns anos atrás participei num congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. Numa das comunicações o palestrante, figura conhecida da “coisa educativa”, desenvolveu um discurso cerrado, cheio de termos pouco acessíveis e francamente confuso. Estava a ouvi-lo e a pensar para mim próprio: “Sou mesmo estúpido. Trabalho na área e não percebo o que ele está a tentar dizer.” Pouco tempo depois o digno e douto palestrante interrompe a sua comunicação e afirma taxativamente virado para o público: “Não se preocupem se não perceberem o que eu estou a dizer. Eu próprio tenho muitas dúvidas sobre as minhas palavras. Tratam-se de ideias que ainda me encontro a desenvolver.” Pois…
PJ

dezembro 15, 2004 1:39 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Eu sou das Ciências da Educação, colega PJ. E vejo muitos dos meus "colegas", a quem chamo "pedabobos" em detrimento de pedagogos, a ter este tipo de discurso... o pior é quando eles chegam ao poder...

Seria um senhor chamado "João Barroso" esse a quem faz alusão? ;-)

dezembro 15, 2004 3:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não. Não era o João Barroso. Por razões de pudor, e porque não gosto de fulanizar as coisas, não revelarei o nome do palestrante.
Eu também trabalho na área da educação e a minha observação não se destinava a criticar as Ciências da Educação no seu conjunto, mas tão somente a criticar um tipo de discurso confuso e desconexo que, em algumas áreas científicas, se confunde com erudição.

PJ

dezembro 15, 2004 7:09 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Ok. Desculpe a minha imprudente curiosidade. É um grande defeito. Até tenho boa opinião sobre esse senhor. Grande abraço para si. ;-)

dezembro 16, 2004 10:51 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

desculpem a pergunta perfunctória: Ciências (?) da Educação ?...ciências(?). Qual é a necessidade que têm áreas de conhecimento, tão longínquas do método científico, de se auto intitularem "ciências", como também as "ciências das religiões" (existe mesmo sob forma de licenciatura !) ou "engenharia financeira", ou "ciências ocultas", so on.
Fui suficientemente perfunctório ?
X

dezembro 17, 2004 6:01 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Foi, X. Sem dúvida que foi. E julgo que saberá que "perfunctório" quer dizer "superficial" e/ou "leve", "não aprofundado"... pelo que você foi muiiiiiiiiiiito perfunctório. E ainda mais, as "Ciências da Educação" têm um método tão científico quanto as outras. Se calhar a investigação em religião também. Pelo que... ah! Além de perfunctório você estava a "transubstanciar" uma ironia. Pronto está bem... eu é que percebi mal... :-D

dezembro 17, 2004 8:12 da tarde  

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