quarta-feira, maio 11, 2005

9,5 + y/z + (-20) = 0? (I)

As recentes propostas (?) do ministro Mariano Gago para o acesso ao ensino superior causam-me mixed feelings. Retenho apenas a proposta da nota mínima de 9,5 valores (numa escala de 0 a 20) ou 95 pontos (noutra de 0 a 200) e a necessidade de um curso ter um mínimo de 20 alunos para poder funcionar. Neste post falarei apenas da primeira deixando a segunda para post ulterior…

A questão da nota mínima é complexa. A função docimológica das classificações das provas específicas para ingressar nas instituições de E.S. não é tanto avaliar a posse de conhecimentos mas meramente seriar as notas de quem prestou aquelas provas. Não há qualquer intenção formativa: não há uma lógica curricular subsequente que deriva da maior ou menor posse (e qualidade) de conhecimentos demonstrada nas ditas provas pelos candidatos nem as instituições enformam eventuais conteúdos, métodos ou estratégias em determinadas disciplinas em função dos resultados obtidos pelos candidatos que acabam por ingressar na escola. Por muito bons ou maus que tenham sido os resultados, as classificações obtidas não corporizam, por outro lado, qualquer tipo de avaliação diagnostica. Não há qualquer tipo de despiste. Os candidatos com piores classificações (e, por tal, à priori, mais dificuldades) que ingressarem terão os mesmos conteúdos e as mesmas disciplinas e, presumivelmente, leccionadas de igual maneira do que aqueles que obtiverem nas mesmas provas altos índices de sucesso. As provas servem, então, uma mera lógica de avaliação sumativa “gaussiana”.

É crível que haja um referencial mínimo para um aluno ingressar no ensino superior. Pode ser discutível que seja o 9,5 ou o 9,0 ou o 10,0 mas um mínimo tem que haver. De resto, de um ponto de vista meramente estatístico, o 9,5 é tão aleatório como o 9,0 ou 0 8,5. A decisão humana é que impõe o significado de que a partir do 9,5 é que se situa a “positiva”. Mais ainda, é também uma decisão relativamente subjectiva que o 9,5 “já seja” positiva dado o arredondamento. Entendamo-nos nisto.

Crível não é, como já ouvi dizer, que um aluno que tem a classificação de 18 no conjunto das notas do secundário não ingresse numa determinada escola porque tirou um 9,4 na prova específica e outro com 10 e 9,5 respectivamente já ingresse. Constitui um argumento falacioso e “chantagista” de quem o profere. Tal situação poderia acontecer qualquer que fosse o mínimo estipulado para as provas específicas: sempre se poderá ficar a um "milímetro" do mínimo qualquer que ele seja, ou sempre se pode metaforicamente dizer que “foi por um triz” ou que “se morreu na praia”. Entendamo-nos nisto também.

Posto isto, e considerando que a necessidade de existirem mínimos para ingressar na E.S. é incontornável e que a tal não estará alheia a intenção mais ou menos sincera, mais ou menos mercantil, mais ou menos hipócrita, de existir um padrão mínimo de qualidade nos alunos das instituições de E.S. e nestas por arrastamento, não me choca que a média de acesso resulte de uma ponderação das classificações do conjunto do Ensino Secundário mais a nota das provas específicas. Mas mesmo aqui teria que haver também mínimos. E o 9,5 poderia sê-lo. Para tal, urgia que todas as instituições tivessem as mesmas provas de acesso (coisa que não acontece) para os mesmos cursos e os mesmos factores de ponderação para os diferentes produtos a ponderar (50%/50%?).

Vejamos outra situação: no meu tempo de estudante de licenciatura (e anteriormente também no Ensino Secundário – não sei se ainda é assim…) poder-se-ia ter acesso a um exame oral e daí “passar” à disciplina se se obtivesse a nota de 8 (oito) valores. Havia ainda professores que consideravam esse 8 arredondado do 7,5 e outros que não. Além da subjectividade puramente humana, para não dizer pessoal, que assumpção se retira daqui? É um aluno medíocre mas talvez nos apercebamos melhor das suas capacidades se ele prestar uma prova oralizada”? Não, claro que não. Estipular o mínimo de 8 valores foi (é?) uma decisão tão arbitrária como considerar que a partir do 9,5 se atinge um mínimo. Diferentes professores podem atribuir, para a mesmíssima prova diferentes classificações. E serão decisivas se um atribuir 9,5 e outro 9,2 para a mesma prova. Uma universidade não pública portuense tinha aqui há anos uma escala de 0 a 14 valores sendo que para "passar" se exigia um mínimo de 10. Não sei se ainda é assim. Alta exigência? Não sei...

Estudos confirmam que por mais que se queira a avaliação (e classificação) nunca é 100% objectiva (e valerá a pena discutir o conceito de objectividade?): um investigador pediu a um docente que corrigisse e classificasse um conjunto de provas da sua área de docência. Cerca de três meses depois pediu ao mesmo docente que fizesse o mesmo para outras provas. Na verdade eram as mesmíssimas mas redigidas com outras grafias, outros tipos de folhas, etc. Apenas se mantinham as mesmas perguntas e as mesmas respostas. Os resultados evidenciaram que as classificações diferenciaram-se até 6 valores. Não me peçam para dizer se foram controladas todas as variáveis parasitas que não retenho de memória. Acreditando no estudo, ele evidenciava que a subjectividade (e arbitrariedade?) da avaliação está sujeita até aos ritmos fisiológicos e disposições psicológicas do “corrector/avaliador”.

Um dia um aluno escreveu-me quatro páginas completas para um exame que tinha 5 perguntas. Li-o. Sempre com alguma flexibilidade, tinha (como sempre tenho) critérios de correcção pré-definidos e ponderados. Dei-lhe um 0 (zero) numa escala de 0 a 20. Nunca tal me tinha acontecido. “Zeros” dava quando um discente entregava a folha de respostas em branco. Reli a prova. Não podia ser. O imenso chorrilho de disparates, um conjunto de argumentos que rigorosamente nada tinham a ver com a natureza das perguntas fez-me confirmar o "zero". Mais tarde na época de recurso, apesar de o mesmo aluno ter escrito na prova que era condenável que o seu professor (eu) tivesse andado na escola com uma camisola de um clube lisboeta da zona de Alvalade (não digo qual…), passou com 14 (catorze). Até o "insulto" se adequava à uma questão relacionada com a natureza do “currículo oculto”. Subjectividades?

Qualquer que seja a nota mínima de acesso, é sempre uma decisão relativamente arbitrária se é um 8,0, 9,5 ou um 10. Mínimo terá sempre que haver. E é dificil que este não seja quantificado. Mas o importante é assegurar um debate que esclareça a posse de competências mínimas que configurem um “perfil de entrada” apropriado à natureza do curso a ingressar, que assegurem um mínimo de qualidade dos recém ingressados e, subsequentemente, as respectivas instituições e que tentem assegurar um nível razoável de exigência e rigor (até para o boa prossecução do ideal de “Bolonha”). E não é exclusivamente com discussões vãs de números que se chega lá. A bem dos alunos, dos professores e das instituições.

13 Comments:

Blogger Luis Moutinho said...

Concordo com esta apreciação.
Não me parece racional estabelecer 9,5 como não me parece minimamente justificado outro valor qualquer.
Fizeram-se estudos? Não me parece. Parece-me que vai ter resultados desastrosos e nem sequer há uma razão sólida ou coerente para justificar a medida e a fasquia.
Há mais a dizer, especialmente sobre o momento em que foi levantada a nota mínima, há quase 20 anos atrás... mas deixamos para outras núpcias.

maio 11, 2005 11:48 da manhã  
Blogger mfc said...

Deixando de lado o problema numérico, a avaliação permanente podia ajudar a que a nota final fosse "adequada"... mas isso levar-nos-ia muito longe!

maio 11, 2005 12:39 da tarde  
Blogger Miguel Pinto said...

“É crível que haja um referencial mínimo para um aluno ingressar no ensino superior”.
Creio que se irá desperdiçar mais uma boa oportunidade para questionarmos o referencial existente. É inevitável que o sistema educativo do futuro funcione mais como um sistema de formação ao longo da vida e menos como um sistema de selecção para colocar indivíduos no mercado de trabalho hierarquizado. Será que esse redireccionamento do sentido da educação não suscitará alterações na reconfiguração do sistema escolar?

maio 11, 2005 2:44 da tarde  
Blogger saltapocinhas said...

Se houvesse alunos bons ou razoáveis para todos os cursos, a média de entrada seria encontrada naturalmente. Não será que isso acontece por haver cursos a mais? E quem os paga?

maio 11, 2005 5:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Paulo? Só uma coisa: aquela "diferença até 6 valores" fez com que os que tinham positiva na primeira correcção passassem a ter negativa na segunda ou vice-versa?
De resto concordo contigo. E testes de orientação vocacional? O que achas?
David

maio 11, 2005 9:42 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Concordo no essencial com o que dizes Paulo.Mas acho que tem que haver um referencial de 9,5, 12, ou 5, o que acharem melhor para todas entradas no Ensino Superior.A avaliação formativa seria o ideal mas a subjectividade também é ainda maior e com que critérios seria feita essa avaliação de entrada no Ensino Superior.Seria criar desigualdades muito mais acentuadas.Mesmo a avaliação quantitativa é subjectiva nos critérios do que é que se avalia e como se avalia, mas é um mal menor desde que haja articulação nas entradas com os mesmos critérios.Como dizes e cito "Mas o importante é assegurar um debate que esclareça a posse de competências mínimas que configurem um “perfil de entrada” apropriado à natureza do curso a ingressar, que assegurem um mínimo de qualidade dos recém ingressados e, subsequentemente, as respectivas instituições e que tentem assegurar um nível razoável de exigência e rigor (até para o boa prossecução do ideal de “Bolonha”)." Isto sim é que seria o ideal.Arte por um canudo 2

maio 12, 2005 12:07 da manhã  
Blogger Chris Kimsey said...

David? Não posso assegurar que sim mas julgo recordar-me que existiam casos dessa natureza. E por tal me ficaram na memória...
Quanto aos testes de orientação vocacional, não me sinto apto para responder. Talvez um psicólogo seja melhor. Sei que aqui há tempos se falou nisso para cursos de medicina: uma espécie de entrevista aos candidatos. Mas por muito que esses testes revelem "vocação" para uma determinada área profissional, julgo que não determinam que se seja necessariamente um bom alunos ou alguém que tenha razoáveis graus de sucesso porque há muitas outras variáveis em jogo. Estes testes apenas, julgo eu na minha ignorância, dirão que há uma certa apetência ou tendência do "testado" para uma ou outra área em particular... não sei...
Que o diga alguém que entenda disto. Pergunta ao PJ...

maio 12, 2005 10:38 da manhã  
Blogger IAS said...

"A função docimológica das classificações das provas específicas para ingressar nas instituições de E.S. não é tanto avaliar a posse de conhecimentos mas meramente seriar as notas de quem prestou aquelas provas."

Se assim o fosse, qual seria o sentido de incluir a classificação final do ensino secundário na classificação de acesso ao ensino superior? As classificações das provas específicas forneceriam, por si só, a classificação necessária e suficiente à seriação dos candidatos ao ensino superior. Aliás, a classificação final do ensino secundário é função das classificações obtidas nas provas específicas (e nas outras).

Não descarto completamente a hipótese de encarar como objectivo último das provas específicas a seriação dos candidatos ao ensino superior. No entanto, se o fizermos é lógico que façamos o mesmo com todas as outras provas que prestamos ao longo da nossa vi. Porquê o mínimo de 50%? Há casos em que tal não acontece...

Acho que a aproximação ao problema deve ser efectuada ao contrário. Estipulado uma classificação mínima, há que conceber as provas de forma a que quem obtém uma classificação superior à mínima possa ser considerado apto, cumpra os requisitos mínimos.

Mais ainda. Nada impede aqueles que pretendem ser mais exigentes de colocar a fasquia mais elevada: requer uma classificação superior à mínima. Esta é já uma prática corrente em alguns dos nossos estabelecimentos de ensino superior.

A questão última é: quereremos nós nos estabelecimentos de ensino superior alunos com poucas hipóteses de completar o grau académico? Não estamos em posição de desperdiçar recursos.

maio 12, 2005 2:34 da tarde  
Blogger Miguel Pinto said...

“Um caminho possível para a selecção dos candidatos poderia passar por desligar a conclusão do ensino secundário da entrada no ensino superior.”
Esta ideia do PJ merecia ser desenvolvida. Estamos a falar do 13º ano, ou não?

maio 12, 2005 9:04 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Também não percebi bem, Miguel. Seria uma espécie de "ano de indução"? Não há qualquer coisa assim nos EUA?

Mas mesmo assim não teria que haver uma selecção para esse ano e logo haver requisitos mínimos?

maio 12, 2005 9:27 da tarde  
Blogger LN said...

Até há uns anos atrás, a entrada na minha área era feita com um conjunto de "instrumentos" que procuravam identificar um perfil, entre os quais uma entrevista.
Quando se pensa em milhares de candidatos, esta forma "mais personalizada" torna-se complexa de executar.
Mas continuo a pensar que deveria existir forma de desenhar um perfil, ainda que integre a necessidade de um mínimo e duvide da qualidade de um 9,5 sózinho (até pelos exemplos de alunos que têm classificações elevadas no percurso e abaixo de 9,5 no crivo final)...

Gostei de ler, PL (é costume...).
E do mecanismo de confirmação do «zero» atribuído.

maio 14, 2005 2:21 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Obrigado, Lucília.
No teu comentário fazes referência a uma forma "mais personalizada". É o "Pré-requisito N"? É isso? Era uma entrevista? Julguei que era uma prova escrita... sempre tive curiosidade de saber exactamente o que era... e o significado do "N"...
Já não não se faz?

maio 14, 2005 2:51 da tarde  
Blogger Cândido M. Varela de Freitas said...

Estive a semana quase sem ver blogs, por isso só hoje estou a pòr a escrita em dia. Bom, julgo que sabe a minha posição, que deve haver selecção para a entrada no ensino superior. Agora o 9.5 ou qualquer outra nota pode ser sempre discutível. Pessoalmente (embora saiba que é complicado) defendo que a selecção seja da competência da instituição e não esteja vinculada a nenhuma classificação anterior, ainda que possa ser levada em consideração. Creio que a referência feita pela LN (agora vejo-a!) se ajusta ao que penso.

maio 14, 2005 5:22 da tarde  

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