quinta-feira, janeiro 20, 2005

Concursos e falta de vergonha….

Anúncio de emprego publicado no Diário de Noticias reza:


AVISO
Conforme Deliberação do Conselho de Administração de 2005/01/13 foi determinado a abertura de um concurso para contratação a termo resolutivo de um técnico superior (m/f) na área de Gestão, ao abrigo da alínea f) do artigo 9.º da Lei n.º23/2004, de 22 de Junho.
Condições contratuais:
Tipo de contrato: contrato individual de trabalho a termo resolutivo;
Duração: um ano com possibilidade de renovação;
Horário: 35 horas semanais;
Local de trabalho: Unidade de saúde de [uma das ilhas dos Açores];
Remuneração: a correspondente ao escalão 1, do índice 400 da tabela anexa ao Decreto-Lei n.º404-A/98, de 18 de Dezembro;
Conteúdo funcional: constante do mapa 1 anexo ao Decreto-Lei m.º248/85, de 15 de Julho;
Métodos de selecção: serão a avaliação curricular e uma entrevista encontrando-se os critérios de ponderação previamente determinados em acta de reunião do respectivo júri, a concede mediante emissão de certidão.
Modo e prazo de candidatura: os interessados deverão formalizar a sua candidatura no prazo de 2 dias a contar da publicação deste aviso através de requerimento dirigido à presidente do júri, devendo do mesmo constar a identificação completa (nome, data de nascimento, número, data e arquivo de identificação do bilhete de identidade, número de contribuinte, residência e número de telefone), habilitações académicas e original do certificado de habilitações;
Os requerimentos deverão ser acompanhados do curriculum vitae


A Presidente do Júri”

Assim mesmo. Não tenho dúvidas que consultando os Decretos-Leis acima referenciados se poderá descobrir:
a) não é necessário identificar o local de trabalho: basta uma alusão abstracta (“unidade de saúde” é o quê? Hospital? Centro de Saúde? S.A.P.? S.L.A.T.? Outro?)

b) não é necessário indicar o endereço para onde os/as potenciais candidatos/as deverão enviar as candidaturas (poderão enviar para todas as “unidades de saúde” da área e esperar que aquela que abriu o concurso seja contemplada com a remessa);

c) é obrigatório enviar o “original do certificado de habilitações” que, aliado à alínea anterior, terão que ter tantos originais quantos as “unidades de saúde” a quem vão enviar a candidatura – por tal, deverão os potencias candidatos apressarem-se a pedir várias segundas vias de originais já que…

d) … só têm “2 dias” para fazer isso tudo.

Estaremos perante uma/várias gralha(s) monumental/ais? I don’t think so… mas se o/a leitor/a pensar que é um concurso para meter algum afilhado de algum V.I.P. de uma das ilhas dos Açores, está muito enganado/a já que “os critérios de ponderação previamente determinados em acta de reunião do respectivo júri, [que] a concede mediante emissão de certidão”. Terá é que descobrir a quem os pedir…

Nas Câmaras Municipais os concursos mafiosos abundam. A grande diferença em relação aos do ensino superior é que tendem a ser muito mais ingénuos nos editais dos concursos e no desenrolar dos mesmos. Colega minha, antropóloga de formação e docente de profissão, uma vez concorreu a um concurso externo de uma Câmara Municipal do norte do país. Foi chamada à entrevista. Foi. Soube, in loco e in situ, que iria ser entrevistada pelo próprio presidente da edilidade. Algum espanto mas lá entrou no gabinete do homem. O edil perguntou-lhe onde tinha ido passar as férias do Verão do ano anterior. Pensou a antropóloga: “Estará a quebrar o gelo inicial…”. Daí em diante a entrevista foi única e exclusivamente o senhor a falar das suas férias nas ilhas Baleares, de como gostava da areia, da comida, etc., etc.

Ao fim de 25 minutos deste paleio, a minha colega antropóloga perguntou envergonhadamente:
- “Desculpe lá... não me vai fazer perguntas sobre o meu curriculum vitae, sobre a minha experiência profissional?”.
Resposta lapidar do senhor edil:
- “Nããããã, não vale a pena… olhe… nós já temos a candidata seleccionada. É cá nossa funcionária mas a chatice da lei obriga-nos a fazer estas coisas dos concursos e das entrevistas… não leve a mal…

TAU!

A minha colega antropóloga levantou-se e saiu da sala sem dizer uma palavra. Regressou a Corroios. Mais tarde recebe carta onde se afirma ter sido "excluída por não ter a classificação mínima de 9,5 valores na entrevista profissional"…

E assim vai o nosso Portugal dos pequeninos…

terça-feira, janeiro 18, 2005

Se os calarmos não estaremos a ser iguais a eles?

INTROITO 1:
Por iniciativa de alguns deputados alemães o Parlamento Europeu vai propor a eliminação e proibição de circulação de símbolos nazistas no espaço da União Europeia. Com especial destaque para a cruz suástica.

Crêem os deputados que a medida contribuirá para a disseminação da filosofia que lhe está subjacente. Que ajudará na minimização dos movimentos de expressão neo-nazista e nas consequências das suas manifestações e, digo eu, numa "lavagem" de um passado histórico, não muito longínquo, que ainda inquieta algumas mentes.


INTROITO 2:
Há vários anos que sou coleccionador de livros escolares, especialmente, e do ponto de vista formal, aqueles que se destinam ao ensino-aprendizagem/treino da leitura e da escrita, ou os manuais generalistas também conhecidos por "Livros de Leitura". Colecciono-os desde os mais remotos do século XVI até 1976. Recensear todos estes livros neste período é tema é base de dados a anexar à minha (eterna) tese de doutoramento ("manualística escolar") e fazer desse recenseamento uma publicação biobibliográfica ilustrada já foi objecto de conversações entre uma ou outra editora (agora paradas). Possuo a maior colecção privada em Portugal só sendo suplantada, em termos de diversidade, pela Biblioteca Nacional. Tenho feito, a pedido de algumas faculdades e escolas superiores, várias exposições de material didáctico antigo (que não só livros) inseridas em congressos, encontros, jornadas, etc. Ver, por exemplo, aqui. A motivação para tal é antiga. A ela não estará alheia a minha relação distante de parentesco com um dos maiores vultos do ensino das primeiras letras em Portugal: António Feliciano Castilho, meu tio-tataravô, polémico ultra-romântico, não alheio à "Questão Coimbrã" ("Bom-senso e Bom Gosto") e introdutor de um (mau) método de leitura em Portugal, só "derrubado" por outro vulto, João de Deus, autor de outro (menos mau) método de leitura e autora da ainda editada "Cartilha Maternal".

Todavia, tendo já grande parte dos livros dos últimos 300 anos, aqueles que dizem respeito aos séculos XVI e XVII são difíceis de arranjar quer pelo preço, quer pela raridade, quer pela própria inexistência. Pelo que me virei para outras direcções. Do ponto de vista do conteúdo interesso-me muito pelo conteúdo ideológico explícito dos livros escolares. Comecei a adquirir, via "eBay", cartilhas e livros de leitura de países (Alemanha, Espanha e Itália) que, contemporaneamente a Portugal, tiveram regimes ditatoriais nacionalistas e exprimiram-no, muito explicitamente, nos livros escolares. Juntando os quatro países, digitalizando e categorizando as imagens, construí, via Frontpage e pelo servidor sapo, um site que mostra tudo isto. Fui juntado largas dezenas de livros escolares onde abundam imagens da cruz suástica, de Hitler (e dele abraçando crianças), da juventude hitleriana, de Mussolini (e dele abraçando crianças), do "fascio", de Franco (e dele abraçando crianças) e, claro, de Salazar, diferentes presidentes da república do Estado Novo, mocidade portuguesa, etc., etc.

Nas minhas compras dos manuais nazistas no eBay alemão e nos diálogos (do meu alemão arranhado) com os vendedores, reparo na auto-censura que fazem às imagens dos livros, no incómodo em falar sobre isso (quase como se as comunicações electrónicas estivessem a ser vigiadas) ou mesmo recusa em abordar o assunto.

Quase fui "crucificado" quando disse a um sexagenário alemão que o "passado nazista deveria ser assumido mesmo para não ser repetido". A comunicação parou por aí (e a erradicação da minha pessoa do leilão também).


REUNIÃO DE INTROITOS: o incómodo em falar sobre o passado histórico nazi parece ser, para os alemães actuais, algo muito sentido. Ainda hoje se rasgam, queimam ou deitam fora materiais do período 1933-1945 se ostentarem o mais leve sinal do era nazi. Ora a minha discordância radica aqui: por muito que se tenham como "repulsivos" fazem parte de um passado que deve ser recordado, preservado, guardado e estudado. Mas esta auto-censura germânica não se compadece com estes argumentos. Erradicar parece ser, para as gerações menos novas, a palavra de ordem. Como se isso ajudasse a esquecer. E não tem que se esquecer. Tem que se aprender. Alguém disse, à guisa de utilidade da História, que quem não a conhece arrisca-se a repeti-la.

Todavia tal não significa que seja, de modo algum, adepto das manifestações e dos movimentos neo-nazistas que despontam aqui e ali. Muito menos que usem da sua ideologia para cometerem actos de violência, racistas, discriminatórios ou xenófobos. No caso da proposta de legislação alemã, a coisa vai mais longe: é a erradicação total dos símbolos. Irá, à custa disso, destruir-se material com inegável valor histórico? Seguramente. Quem mais queimou livros, por se considerarem contrários à vigência de então, nos idos de 1933-1945? E a seguir? Proibir a simples menção ao tema? Proibir aos neo-nazistas (e, no meio, incluir investigadores, historiadores e simples interessados pelo passado) a liberdade de se organizarem, de reunirem, de se manifestarem (dentro de limites aplicáveis a todos) não é ficarmos iguais a eles? Ad perpetuam rei memoriam...

segunda-feira, janeiro 17, 2005

M.G. e os poderes de condução...

Regressava M.G. à capital, depois de ter ido a (mais uma) conferência sobre o processo de “Bolonha”, pela auto-estrada Porto-Lisboa, quando toca o telemóvel. Era o marido:
- “Querida? Olha, tem cuidado! Ouvi agora na rádio que há um automóvel a andar em contra-mão na A1!
- “Só um, querido?!”, responde M.G., “São às centenas! Às centenas!

sábado, janeiro 15, 2005

A(f)irma Pereira

Piriririririririri!
- "Sociedade Pereira, Pereira, Pereira, Pereira, Pereira & Associados"
- "Ah! Era para aí mesmo! Poderia falar com o Doutor Pereira, se faz favor?"
- "O Doutor Pereira não está cá..."
- "Ah... e Doutor Pereira?"
- "O Doutor Pereira está numa reunião. Agora não pode atender..."
- "'Tou com azar... então e o Doutor Pereira?"
- "O Doutor Pereira está de baixa. Já há mais de um mês. Vai ser operado para a semana. Os casos dele passaram para o Doutor Pereira"
- "Bolas! Então e o Doutor Pereira? 'Tá aí?"
- "Não, não! O Doutor Pereira já não está nesta firma. Já vai quase pr'a seis meses..."
- "Eu não digo?! Ele há dias... então e o Doutor Pereira?"
- "O Chico?? Já podia ter dito! Um momento que eu vou passar..."

Preservativos, fraldas e IVA's…

Bagão Félix lamenta a que a Comissão Europeia obrigue Portugal a colocar os 19% de IVA no preço das fraldas em vez de 5%. Lamenta que a mesma Comissão permita que os preservativos possam estar sujeitos a um IVA de 5% e as fraldas não.

O Acontecencias estranha. Procurando uma explicação para tal, accionou os seus espiões na Comissão Europeia e teve acesso a uma escuta telefónica entre Bagão Félix (BF) e o Comissário Europeu (CE) que detém o pelouro. O registo elucida esta situação.

BF – [crzzzcrzzz] (…) mas, Senhor Comissário, a natalidade está pela hora da morte…
CEPela hora da morte está você! Não tem uma morte já anunciada nesse governo?
BFIsso agora não interessa nada! É a natalidade, é a fecundidade… é o estímulo aos nascimentos e, a longo prazo, os impostos, a mais-valia…
CE Mais valia? Mais valia você estar calado! Seu [crzzzzcrzzz]arvalhão! (…) não anda com deficits apócrifos? Sua [crzzzcrzzz]êsta quadrada!
BFMas as fraldas, oh meu Deus! As fraldas! O preservativo? Eu sou católico! Nem devia ser usado [crzzzzcrzzzz] a abstinência…
CENão me desfralde! Abstenha-se desse comentário! E não tem sido lá muito católico!
BFOlhe: colocamos os dois a 5%, fraldas e preservativos, ok? Ou subimos os preservativos para 19% e compensa… os preservativos são [crzzzzcrzzzz] do Demónio! Que mensagem é que passamos com 19% nas fraldas?
CEQue mensagem?? Esta: se com preservativos mais baratos não conseguiram evitar bebés, agora amanhem-se com fraldas caras! Bem feito! Ora...

sexta-feira, janeiro 14, 2005

M.G. e os poderes divinatórios...

M.G. estava num momento pós festa de social-light onde se gabava de conhecer todo o sistema de ensino superior público e privado.

Falava de escolas, de leis, de investigação científica, de intenções..., num snack pós festa, para impressionar alguns e algumas estudantes universitários/as que a cercavam.

Chega uma rapariga nova à mesa onde estava sentada. Tinha piercings e era claramente careca. Não querendo parecer quadradona, M.G. afirma:
- "Hei! Que visual espectacular! Quem me dera!"
- "Pois...", diz a jovem sisudamente.
- "E o que é que você faz, menina? Estuda ou trabalha?", inquire M.G.
- "... Eu? Eu faço quimioterapia..." ( :-[ )
- "Espectacular!", exclama M.G.. "Na Lusófona ou na Moderna?"

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Ensino Superior: Receita do pré-Spaghetti à Bolonhesa. O pós se verá...

Ingredientes:
Massa
. É o principal ingrediente: umas tantas instituições de ensino superior, universitárias e politécnicas, publicas e privadas caóticas sem grandes laços entre si (e entre os seus próprios departamentos) a não ser alguns protocolos de investigação “para inglês ver” (com honrosas excepções) e outros tantos de cursos de pós-graduação que não são mais do que “nós, universidades, vamos aí, aos vossos politécnicos, dar umas aulitas e vocês arranjam uns alunos e professores da vossa instituição e da vossa área de actuação como alunos do curso já que, nós, universidades, já temos dificuldade em obter alunos nos médios e grandes centros urbanos onde estamos, está bem?” (com honrosas excepções). Com isto consegue-se alguma "massa".

Óleo: uns tantos professores catedráticos ou coordenadores (ou ex-catedráticos e ex-coordenadores), jubilados ou não, muito senhores de si e investigadores renomados que se constituem como oradores bem oleados na arte de proferir conferências e escrever textos sobre Bolonha (com honrosas excepções).

Mortadela: ou “morte dela”, isto é, morte da dignidade e/ou da qualidade do/no ensino superior. A mortadela é/tem sido, sobretudo permitida pelo MCIES (Mortadela Com Imenso Estrume Seco) que já cheira mal pela sua inactividade, pela falta de coragem em mudar, ou mudar para pior, por permitir, passivamente, o estado de coisas no ensino superior, desde o subfinanciamento crónico, passando por pequenas máfias instaladas por todo o lado que se (auto)protegem, renovam-se com concursos com imagem digitalizada, até à precariedade constante da maior parte dos seus agentes.

Pão ralado: um só: um primeiro-ministro, que pode ser um “pão” para as social-light’s das discotecas lisboetas, mas que não parece estar ralado com nada, muito menos com a educação, incluindo a superior, em Portugal.

Queijo ralado: uma ministra da investigação e ensino superior que, com o queijo que comeu, deve estar esquecida das promessas que se fizeram para o ensino superior no programa eleitoral. Ralado com isso também não parece ser o seu estado…

Sal e pimenta: quando baste: é o que parecem estar a atirar aos olhos do povo em vez de areia porque com sal e pimenta os olhos ardem, as almas preocupam-se. É caso para dizer que em vez de “quanto baste” se poderia e deveria dizer “Já basta!”

Receita:
Coze-se a massa em abundante água salgada, isto é, vai-se ouvindo (aturando?) os oradores acima referenciados que se repetem uns aos outros, produzem pareceres (alguns de mais de 700 páginas) sobre como se operacionaliza “Bolonha” nos diferentes cursos/escolas e aguardam, expectantes, que outros levem à prática as majestosas directrizes que delinearam, até ficar al dente, isto é até ficarmos a bater com o dente quando muitos dos precários forem para o olho da rua, com as possíveis demissões em massa, e não poderem pagar a casa, o carro, a alimentação e a educação dos filhos… . Escorre-se, assim que se puder, para fora, este governo e esperamos que um outro faça menos asneiras do que este e que dignifique o ensino superior e os seus agentes.

Num tacho, aquece-se 2 colheres de sopa de óleo, ou talvez não seja preciso porque os dois subsistemas de ensino superior já andam bem aquecidos e oleados na arte da arbitrariedade, da mediocridade (salvo honrosas excepções), e aloura-se a mortadela e o pão ralado, coisa que também não deve ser pertinente porque não sendo a ministra mortadela loura, às vezes porta-se como tal (com muita desculpa para as louras) e ralada não está, de certeza.

Mexe-se, coisa que é fundamental no nosso ensino superior: mexer nas mentes, no stato quo, nas mentalidades tacanhas e pequenas e se não resultar corre-los com uma colher de pau para fora até ficar estaladiço, isto é, até ficar bem estalado, mesmo que seja à estalada, e pronto para uma reforma profunda.

Junta-se o molho, polvilha-se com pimenta e queijo ralado, que é o que se tem feito nas comunicações de financiamento da investigação em Portugal: polvilha-se, artificialmente e com muita publicidade, “muitos milhões”, e leva-se ao forno a 220 graus, quantia que nem chega a ser o vencimento correspondente ao índice 100 do ensino superior apesar das promessas do governo socialista de o fazer aumentar em relação ao primeiro índice do ensino secundário, por 15 minutos, que é o execrável e tipicamente português tempo em que é admissível estar atrasado, incluindo nas aulas do ensino superior…

Serve-se bem quente. Como não podia deixar de ser…

quarta-feira, janeiro 12, 2005

"Sentimentos" caninos…

António “investia” muito no seu cão. Passava muitos dos seus tempos livres com ele: em casa, levava-o a passear, brincava com ele no quintal, etc. Havia quem achava que quase o tratava como um filho. Ele, o António, dizia que “só lhe faltava falar” (o cão). E ensinava-lhe muitos truques. Em todos procurava ter uma abordagem “científica”: recompensava com “tokens”, comestíveis ou não, o cão sempre que a resposta era considerada satisfatória, ou seja, sempre que o desfecho, previsível para o António, era o considerado desejável. O cão parecia ter assimilado, pavlovianamente, a recompensa em certos casos (de comportamento “bem sucedido”) e ausência dela ou “castigo” nos restantes.

Um dia resolveu fazer uma experiência: não recompensou o cão, por três vezes seguidas, depois de ele ter tido o comportamento que o António até então considerava como bem sucedido. À terceira foi, de facto, de vez: o cão rosnou e, agressivamente (coisa que não era nada habitual nele…), abocanhou as calças de António na zona do joelho…

Agora digam-me: o que se passou na “mente” do cão para tal comportamento? Qual a razão, qual a explicação, para tal agressividade? “Indignação”? “Sentimento de injustiça” Num cão? E levem em conta que o cão não é um ser humano…

terça-feira, janeiro 11, 2005

”R(e)volução nas regras do ensino superior” ou o spaghetti à bolonhesa: muitos falam dele mas todos terão que o comer...

Madalena Queirós publica no Diário Económico artigo (”Revolução nas Regras do Ensino Superior“) pertinentemente destacado no blog Que Universidade por J.Matos. Naquele, e não tendo o hábito de me pronunciar (senão jocosamente neste blog) sobre o Processo de Bolonha, há alguns aspectos que gostaria de comentar.

1. “A mudança começa na avaliação baseada em frequências e na matéria que é dada nas aulas. A partir de agora as horas de estudo feitas em casa, o tempo que os estudantes levam a desenvolver determinados projectos, todo o trabalho desenvolvido pelo estudante, vai passar a contar para nota. O processo de ensino vai assim centrar-se na «aprendizagem do aluno» e não nas horas de aulas dadas por cada docente, afirma Pedro Lourtie

Parece-me, sem ter reflectido profundamente, bem. Isto implicará uma reformulação curricular profunda dos planos de estudos (e não necessariamente de todos os programas das disciplinas) que não antecipo fazer-se senão devagar, devagarinho e lentamente. Muito trabalho “extra-escola” do professor e dos Departamentos Científicos. Não faltarão acusações aos professores de “dar as aulas e ir embora” como se não tivessem trabalho extra sala de aula…

2. “Em vez de estarem preocupados com o número de horas de aulas terão que preocupar-se com o que os estudantes aprendem”

Importam-se de passar esta mensagem, de uma forma inequívoca, aos Conselhos Directivos, muitos obcecados com a simplismo da gestão “quem dá o quê e quanto” (critério administrativo)? Parece ser, pelo menos ao nível das intenções, a valorização do pressuposto pedagógico. Ver nota seguinte.

3. “Assim, o trabalho dos estudantes passará a ser contabilizado em horas de formação quer sejam aulas, tempo de estudo, tempo de estágio, trabalhos no terreno e horas desenvolvidas em projectos de estudo. Carga que será depois contabilizado em unidades de crédito. O número de créditos da cada disciplina será definido pelo conselho científico de cada estabelecimento de ensino. “

Já se faz tal, em boa parte, nos cursos de formação de professores com registos próprios. A regra de ter os Conselhos Científicos a tratar disso é que me causa alguns arrepios na espinha… a operacionalização destes momentos curriculares em critérios de avaliação (uma avaliação contínua?) rigorosos, adequados e justos não é nada fácil. Terá consciência disso a nossa classe docente do ensino superior? Não basta meia dúzia de patacoadas. Paralelamente, não ter esse esforço é enveredar por avaliações e classificações ambíguas e potencialmente injustas. Venham de lá os “docimólogos” e os especialistas (??) das Ciências da Educação a explicar como, num processo que pode e dever ser iniciado, reflectido e massificado pelos tão injustiçados (pelo, entre outros, esvaziamento de funções, incluindo-se, pasme-se, as pedagógicas…) Conselhos Pedagógicos, se operacionaliza tal diversidade de momentos em critérios de avaliação (em competências, em objectivos de diferente especificidade e/ou em critérios de sucesso, perfís de saída, etc., etc.)

4. “Também a avaliação nacional de zero a vinte terá que ser traduzida para o sistema de avaliação europeia que prevê para os alunos aprovadas classificações de A a E”

Uso esta escala há anos embora não nas provas escritas (exames e frequências). Aconselho-a, sem abusos, quando não temos/existem parâmetros de avaliação muito pormenorizados e em momentos de avaliação relativamente circunscritos.

5. “Esta classificação revela a posição relativa do aluno face ao universo de toda a turma. Assim, os 10% de alunos melhores terão a classificação A. A nota B será atribuída a 35% dos melhores alunos.”

O que é isto? A aplicação explicita e intencional da curva de Gauss? Hummm…

6. “No final da licenciatura, a instituição terá que fornecer ao aluno um Suplemento ao Diploma, bilingue, que descreve todas as competências adquiridas ao longo do curso que aponta as classificações nacionais e a sua tradução para a escala europeia.”

Óptimo. Nem deveria ser necessário “Bolonha” para tal acontecer. Algumas escolas e alguma formação profissional já o fazem.

7. “Um instrumento que fornece informações claras para todos os os empregadores europeus. Assim o recém-diplomado poderá concorrer a empregos em qualquer país da UE.”

É desejável (e inevitável) que tal aconteça num mercado de portas abertas. Mas temo, face à relativa inércia do ensino superior português e da lentidão da preparação para os princípios de “Bolonha”, que tal não ocorrerá sem prejuízos para os formados portugueses…

8. “Para os estudantes que pretendam fazer parte da sua licenciatura num país diferente, está prevista a assinatura de um contrato de formação entre o aluno e as duas instituições de ensino superior.”

Bom. É sempre bom colocar as coisas “preto no branco”, o que parece faltar muito mundo do ensino superior português onde o lebenswelt pedagógico e científco não formalizado abunda e tantos danos acarreta.

No geral, e não sendo alguém especialmente entendido e comentador das (grandes) modificações que “Bolonha” irá desencadear, julgo que o cenário relativamente caótico (ver outros post's) - recorda-me um bocado a imagem do esparguete no spaghetti à bolonhesa (notaram a mancha de bolor no esparguete da imagem?)- do nosso Ensino Superior: ainda adormecido, mais ao nível das práticas do que ao dos discursos, face às previsíveis consequências de “Bolonha”. Ao nível dos discursos, tantos peroram sobre ele (a agora eu também...) mas já não faltam muito para todos terem que o comer. Quer queiram, quer não...

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Oh, Ana!! Ou os Facilitismos e Sindicatos Não Benaventinos

A senhora ao lado direito é Ana Benavente, eminente pedaboba da nossa praça e doutorada em Ciências da Educação.
E, dizem as más línguas, andaria zangada com o Partido Socialista. Estará esta zanga relacionada com o facto de ter sido excluída das listas de candidatos a deputados do Partido Socialista às próximas eleições legislativas? Nãããããããããã...

E não será por tal que terá afirmado, ver pasquim Público de ontém, que:
a) lamenta "nenhum partido tenha como opção investir na escola pública"...

Oh, Ana!! Inclui nessa afirmação o seu partido de eleição e, designadamente, os tempos que esteve no Ministério da Educação?

b) a educação é um assunto em relação aos quais existem "muitos preconceitos transversais" e que um deles é que "a escola actual é facilitista"...

Oh, Ana!! A escola actual não é facilitista? Sim, também não o são as empresas públicas, privadas, os governos (o "seu" também), os governantes e as políticas... saiba que em tudo, como na escola, existe um mosaico de diversidade que "vai" desde o facilitismo descarado até ao extremo rigor e excelência.

c) os sindicatos têm "imensa responsabilidade na centralização das listas de professores" o que, na sua opinião, conduziu ao problema da colocação de professores...

Oh! Ana!!?? Foram os sindicatos os culpados?? Não foi o governo, o Ministério da Educação, os seus responsáveis, o(s) primeiro(s)-minostro(s), a "Compta"?

Oh, Ana?? Se não fosse uma Senhora até diria que quando se perde um tacho as opiniões mudam logo de direcção, não? E assim vai o nosso Portugal dos pequeninos...

domingo, janeiro 09, 2005

Da excelência...

















A excelente campanha de imagens de bandeiras, via correspondência entre estatísticas e proporção de cores nas mesmas bandeiras (geralmente trágicas, críticas ou desrespeitadoras dos direitos humanos) publicada em várias revistas da responsabilidade da "Grande Reportagem" (corrijam-me se estiver enganado...) é um sopro de excelência, imaginação, criatividade e provável impacto no mundo da publicidade. Retirei as imagens do blog Conversamos?! onde as poderão ver em tamanho maior e ler as respectivas legendas.

Alguém me explica que eu não compreendo porque é que…

- a ministra da educação não foi ao parlamento por ocasião da apresentação e discussão do relatório da auditoria relativa ao trágico concurso da colocação de professores achando que não era “adequado e interessante” lá ir? É um bom exemplo de educação e cidadania democrática?
- as empresas que poluem menos podem vender quotas de poluição às que poluem mais para que estas últimas que, já ultrapassando os níveis permitidos, possam poluir ainda mais, instituindo-se um mercado potencialmente vantajoso de venda do direito de poluir e não do dever de não o fazer?
- alguns turistas viajaram até ao cenário pós-catástrofe do sudoeste asiático para ver “com os próprios olhos” e deixar-se fotografar junto aos cadáveres por recolher?
- ainda há quem defenda, na blogosfera a posição da turista portuguesa Dulce Ferreira que, indo para o sudoeste asiático atingido pela catástrofe, respondeu a uma jornalista que lhe perguntou como encarava a situação, “sim, claro, agora já não vou ter todas as condições de férias que iria ter se por acaso não tivesse acontecido nada disto. Por outro lado, estou contente, porque vou ver as coisas mais ao natural, como elas são"?
- Pedro Santana Lopes não aprende com os erros e continua a meter a pata na poça deixando adivinhar como seria a sua actuação caso fosse tragicamente eleito primeiro-ministro nas próximas eleições?
- há mais uma promessa demagógica de transformar uma escola superior privada numa universidade que nunca será (e ainda bem…) cumprida mas mesmo assim é feita?
- antecipou-se, convenientemente, a atribuição de subsídios aos agricultores produtores de gado (previsíveis para Março) para Janeiro, uns dias antes das eleições, e “anteciparam-se”, por conta da seca, pagamentos por indemnizações que já levavam sete meses de atraso?
- fomos confrontados com o triste espectáculo da escolha dos candidatos a deputados nas listas dos dois principais partidos especialmente o caso de Pôncio Monteiro e a actuação vergonhosa da presidente da distrital do PS de Setúbal que, numa entrevista televisiva, embrulhou-se toda e não conseguiu esconder os preconceitos que tinha para com o deputado Paulo Pedroso quando ele nem sequer está a ser julgado?
- há, no ensino superior universitário e politécnico, tantos “concursos com imagem digitalizada”?

sábado, janeiro 08, 2005

Misóginia e intelectualismo machista…

Comentários ao último post mas, sobretudo, mensagens electrónicas recentemente chegadas dão conta de que eu seria uma espécie de misógino ou “machista intelectual”.
Os meus/minhas acusadores/as acusam-me de ser pouco respeitador com as vítimas de violência doméstica em particular e com as mulheres em geral. Não foi essa a minha intenção quando redigi o post anterior. Ele pretende ilustrar, de uma forma (pretensamente) cómica uma determinada moral cuja mensagem é escamoteada na actualidade quando se aborda o assunto do post.

Quero comunicar aos/às minhas/meus acusadores/as que nunca tive intenção de ferir a susceptibilidade de quem quer que seja muito menos das mulheres e ainda menos das vítimas de violência doméstica. Se o fiz inadvertidamente peço as mais sinceras desculpas…

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Afinfa-lhe um Enxerto de Porrada!

O telejornal da SIC noticiou hoje que junto com um Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica com o respectivo número de telefone, existe também um Gabinete de Apoio ao Agressor da, entenda-se, vítima de violência doméstica. E que até já tinha recebido um telefonema de um prevaricador que tinha domesticamente agredido uma vítima

Tal como no caso das cassetes do “Caso Casa Pia” roubadas ao pasquim “Correio da Manhã”, também este blog teve acesso ao registo áudio do único telefonema recebido pelo Gabinete de Apoio ao Agressor.

A conversa decorreu entre um jovem psicólogo e o agressor.

Outras fontes (em segredo de justiça) asseguram que o jovem psicólogo era recentemente divorciado, divórcio esse - dizem, que eu não sei se é verdade… - iniciado por ele por ter apanhado a esposa, uma doméstica, a prevaricar na sua (dele) cama com um Sr. Dupont, diz-se, professor do ensino superior. Perdeu o processo de divórcio litigioso e a casa no tribunal de Gondomar e agora é obrigado a pagar - dizem, que eu não sei se é verdade… - uma chorosa pensão de alimentos ao filho menor, que o tribunal de Felgueiras atribuiu à mãe, mãe essa que entretanto vive com o Sr. Dupont - dizem, que eu não sei se é verdade… - recentemente despedido da escola onde tinha um contrato precário e agora, dizem, a viver à custa da novel amante via pensão de alimentos do jovem psicólogo. Dizem, que eu não sei se é verdade…

Por sua vez o agressor era um trabalhador da construção civil que trabalhava dia e noite para sustentar - dizem, que eu não sei se é verdade… - a mãe do seu filho (e o filho bébé) entretida a jogar ao póker com amigos quase todas as tardes numa casa enfumarada de fumo de charuto e que só interrompia o jogo para levar o filho ao médico por causa de graves problemas respiratórios do bebé por o levar, - dizem, que eu não sei se é verdade… - durante horas e horas a centros comerciais onde, por duas vezes, perdeu o bebé e foi salvo por dois seguranças - dizem, que eu não sei se é verdade… - que fizeram o registo de ocorrência à PSP mas que esse registo desapareceu porque um dos jovens polícias que se ocupou disso, assíduo frequentador da casa da agredida - dizem, que eu não sei se é verdade… - e que até lá chegou a passar algumas noites sem o agressor saber, acabou por ser a testemunha principal da agressão do agressor, apesar de nessa hora estar a trabalhar mas - dizem, que eu não sei se é verdade… - este facto foi desmentido pelo chefe da polícia, superior do polícia atrás referido, chefe este que era padrinho da irmã da agredida e que - dizem, que eu não sei se é verdade… - também participava nas jogatanas de horas e horas na casa da agredida. Dizem, que eu não sei se é verdade…

Pufff… e foi assim a única conversa telefónica até agora recebida no Gabinete de Apoio ao Agressor:
Jovem psicólogo(…) sabe que a minha função é providenciar-lhe um atendimento psicológico fundamentado que o leve a compreender as razões da sua atitude, tentar compreende-lo mas nunca aceitar a violência. E nós temos aqui um código deontológico que não admite a violência como factor de resolução de problemas…
Agressorsim sô doutor…
Jovem psicólogo… e, por esse código, esta conversa será estritamente confidencial e sem qualquer valor legal num eventual processo contra si por queixa da sua esposa…
AgressorAh, pois doutor mas eu…
Jovem psicólogopor tal pode falar à vontade.
AgressorOh, sô doutor! Ela diz que eu bati nela!
Jovem psicólogoPois… não devia… violência nunca resolve nada
AgressorMas eu não bati! Já disse isso no hospital! Nem sequer ralhei! Cheguei a casa e ela tresandava a alcóol, a casa cheirava muito a tabaco e bebé estava sozinho na varanda ao frio, num sexto andar…
Jovem psicólogomas isso não é motivo para bater, veja lá…
Agressore o bebé não comia nada desde manhã… estava esfomeado e chorava muito…
Jovem psicólogoe resolve isso à pancada?? Até foi preciso ir ao hospital!
AgressorNão! Deixei-a dormir porque quando ela acorda bêbada fica muito mal disposta e da minha preocupação era dar o leite ao bebé que estava gelado…
Jovem psicólogoe depois acordou-a e deu-lhe um enxerto de porrada? Foi?
AgressorEu?! Com um agente da polícia a dormir ao lado dela? Como podia? Como?!
Jovem psicólogoTambém bateu no polícia?!
Agressor Eu não! Podia acordar o outro polícia, chefe dele, que roncava na mesa da cozinha e os dois batiam-me! E o que estava na cozinha tinha cá um capado! E é padrinho da minha cunhada…
Jovem psicólogoNão percebo… os agentes da polícia chegaram antes ou depois da agressão?
Agressor Antes ou depois? Pois… antes… acho eu…
Jovem psicólogo Ah! Antes da agressão! Sempre agrediu então!
AgressorNão eu não bati em ninguém! Já lhe disse!
Jovem psicólogoValha-me Deus… se até foi preciso ir ao hospital…
AgressorFui eu que fui lá receber curativos na cara, no peito e 87 pontos nas costas… foram os polícias que me acompanharam depois de me baterem…
Jovem psicólogoBateram?!
Agressor Pois! Quando cheguei a casa e vi os dois agentes tentei sair de fininho mas tropecei num vaso, fiz barulho e eles acordaram… e o polícia fortalhaço disse ao outro: «Afinfa-lhe um enxerto de porrada!»
Jovem psicólogoe a sua esposa? Ficou muito mal tratada?
AgressorPois ficou… tem grandes manchas vermelhas nas bochechas
Jovem psicólogoAhá! Sempre bateu nela! Ó homem? Se não é honesto comigo como o posso ajudar?!
Agressor mas ela foi ao hospital para lhe fazerem uma lavagem estomacal porque o sô doutor de lá disse que ela estava em “coima alcoólico”
Jovem psicólogo“Coma”. Mas as manchas vermelhas? Foi você??
AgressorForam os polícias ao tentar acordá-la lá em casa mas ela não acordava. E levaram-na ao hospital. E eu, cheio de sangue no chão, perguntei-lhes se podia ir também. E eles deixaram-me ir no porta-bagagens do automóvel para não sujar os assentos de sangue…
Jovem psicólogo Ó homem?! Mas o que é que me está a dizer?? Não bateu em ninguém?? Tem que telefonar ao Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica e não a este gabinete!
AgressorPois… agora não posso. Disseram-me aqui na cadeia que eu só tinha direito a um telefonema…

Tente lá adivinhar, pela moral dos personagens, a moral da história...

Dupont e Dupond no Ensino Superior ou o silêncio ensurdecedor dos paradoxos convenientemente emudecidos

Excelente post (de 18 de Setembro de 2004) de Luís Aguiar-Conraria agora pertinentemente republicado no Meta-blog do Ensino Superior leva-me a escreve este post quase de um só jorro.

INTROITO 1: Há largos meses assisti, no edifício novo da Assembleia da República, à apresentação pública da “Lei de Bases da Educação” do Partido Socialista. Por altura do debate fui uma das três pessoas que colocaram questões concretas, diligentemente anotadas por Ana Benavente. Na resposta às mesmas, a deputada respondeu à primeira e à terceira, esquecendo-se, convenientemente, da segunda: a minha. E qual era a minha questão? Porque é que é admissível que, no ensino superior, não seja obrigatória a posse de formação pedagógica aos docentes mesmo, pasme-se, àqueles que leccionam em cursos de formação de professores?

INTROITO 2: De entre os leitores docentes ou ex-docentes do ensino superior deste blog e do Meta-blog do Ensino Superior, considero que haja dois tipos: o/a Dupont & o/a Dupond.

Dupont lecciona ou já leccionou numa universidade ou politécnico, público ou privado, há/por vários anos. Possui uma licenciatura e/ou um mestrado e/ou um doutoramento numa área científica para o qual tem, obviamente, formação certificada, isto é, um ou mais graus académicos reconhecido(s) e comprovável(is) pelo(s) respectivo(s) diploma(s). Nunca frequentou qualquer curso de formação pedagógica (a não ser, na melhor das hipóteses, um daqueles rápidos e/ou intensivos). Ingressou na docência há muitos ou poucos anos e considera que foi aprendendo a “arte de ensinar” com a experiência ao longo do tempo. Dupont não acha iminentemente necessária a posse de formação pedagógica certificada para ser “um/a bom/boa professor/a” mas não gosta muito de o admitir publica ou frequentemente. Todavia, para Dupont é repugnante a ideia de ser professor de uma determinada área sem a posse, devidamente comprovada, de formação científica nessa área. Acha, então Dupont, que é requisito indispensável para se ser docente a posse dos conteúdos a ensinar (“o que ensinar?”) mas já não é tão necessário o conhecimento da “arte” (“como ensinar?”) do ensino. Se todavia, perguntarmos a Dupont se considera que um professor deve ter, a todo o momento, preocupações pedagógicas na sua actividade, Dupont dará a reposta politicamente correcta: “Evidentemente! E eu tenho sempre essa preocupação!”. A resposta não escamoteia a concepção que Dupont receia admitir: a formação científica é fundamental para a docência mas no tocante à formação pedagógica, das duas uma: ou aparece como “geração espontânea” ou adquire-se, natural e inexoravelmente, com a tentativa e erro e por outras vias, com o exercício da profissão docente. Se Dupont tivesse, porventura, a missão de seleccionar um docente para trabalhar no seu departamento ou na sua escola, acharia fundamental a formação científica e minimizaria a ausência de formação pedagógica nos candidatos, ou valorizaria somente a primeira. Enfim, Dupont acha que é fundamental a posse dos conhecimentos e quanto à “arte” de ensina-los, “a ver vamos”, “todos têm as suas dificuldades inicias”, “a experiência ensinará…”...

Dupond é igual em tudo a Dupont. Só difere em duas coisas: em primeiro lugar a sua formação científica inicial contemplava um curso superior “via de ensino” e/ou fez estágio pedagógico ou profissionalizante no ou pós curso. Mas sente-se, muitas vezes legitimamente, defraudado/a com as cadeiras pedagógicas que teve no curso ou pós-curso achando que o que aprendeu nada ou pouco ajudou a lidar com os alunos na situação de aula. Dupond, em segundo lugar, e ao contrário de Dupont, sabe que a “Pedagogia” ou “Ciências da Educação”, por muito que esteja desiludido/a com a formação pedagógica que teve, sabe - dizia eu - que aquelas “áreas” são, também, em si, formação científica, que podem (e devem) ser fundamentais para:
- a aquisição de comportamentos saudáveis do professor na sala de aula (de que nos revela alguns Luís Aguiar-Conraria);
- a aplicação de métodos, técnicas e estratégias de ensino;
- a concretização de lógicas de organização e desenvolvimento curricular na gestão/transmissão dos conteúdos;
- a operacionalização de regras próprias da docimologia (a ciência da avaliação ou dos exames) nomeadamente, por exemplo, nos cuidados na elaboração dos enunciados dos testes;
- que se registam especificidades da/na relação pedagógica professor-aluno

para não falar de outras milhentas coisas que podendo, não se aprendem pela experiência com o mero exercício da profissão docente senão de uma forma pouco sistemática, demorada, custosa e com consequências nos discentes … Faz lá ideia Dupont disto... ele acha que "fazer o melhor que pode" partindo do vazio, da ignorância é suficiente...

Dupont não faz muito ideia do que é isto tudo: acha que se vai aprendendo com o tempo e até se esquece que a “saudável” (?) “aprendizagem por tentativa e erro” faz dos alunos uma espécie de “cobaias” do professor, isto é, faz dos alunos receptáculos, não inócuos e não sem consequência, da aprendizagem do professor até se “aprimorar” e/ou até pensar que finalmente “aprendeu definitivamente a ensinar” e “nada mais tem a aprender de substancial”. Dupont é, enfim, a maior parte da classe docente do Ensino Superior Politécnico e a maioria esmagadora do Ensino Superior Universitário.

Finalmente, e pela lógica, nem Dupont nem Dupond são formados em cursos de formação de professores ou educadores de infância pelas escolas superiores de educação ou pelas universidades.

O que têm em comum o INTROITO 1 e o Dupont do INTROITO 2?

O paradoxo convenientemente silenciado pelos dois sistemas de ensino superior, pelos seus decisores quer a nível central quer a nível dos órgãos científicos e de gestão das próprias escolas: a posse de formação pedagógica certificada, fundamental para o acesso e progressão na carreira nos níveis de ensino pré-superiores, é absolutamente secundarizada ou totalmente desprezada no ensino superior universitário e politécnico, público e privado.

E foi preciso Luís Aguiar-Conraria ir para o estrangeiro e experimentar a técnica de micro-ensino da autóscopia (de que nem ele próprio sabe o nome [!] mesmo tendo-a experimentado com satisfação) para se aperceber que sistemas de ensino superior mais avançados do que o nosso dão à formação pedagógica o devido valor. E é por tal que Ana Benavente, ela própria das “Ciências da Educação”, se “esqueceu”, por conveniência, de responder à minha questão não obstante não lhe faltar tempo para tal na supra-citada conferência.

O assunto é incómodo. E ensurdecedoramente silenciado. O caso assume particular gravidade quando temos muitos Dupont’s no ensino superior politécnico e universitário a formar professores e educadores de infância. O paradoxo aqui é mais evidente: o docente não tem formação pedagógica mas está “apto” a transmiti-la, certificadamente, aos discentes que a terão comprovada no fim do seu curso. É de bradar aos céus.
Algum Dupont ou Dupond aceitaria tal lógica para a formação científica? Isto é: pode-se, por exemplo, ser um bom professor de Química apenas pela mera experiência da docência da Química e sem nunca ter frequentado um curso certificado nessa área? "Não, claro que não", asseguram os gémeos residindo aqui a hipocrisia cimentada no sistema.

Tenho encontrado muitos Dupont’s na minha vida docente. Aqueles que, sem o saber, não se importam de exprimir, publica e nesciamente, a sua ignorância dizem-me:

- “Porque preciso de formação pedagógica? Eu sou professor de Biologia!
(professor-coordenador com agregação da área das Ciências da Natureza de uma Escola Superior de Educação);

- “Não tenho [formação pedagógica] nem preciso. Eu só dou aulas ao curso de animação sóciocultural!
(professor-coordenador com agregação da área de Antropologia de uma Escola Superior de Educação);

- “Para mim não é pertinente [a formação pedagógica]. O que preciso de saber já sei há anos
(professor-adjunto de nomeação definitiva da área de História de uma Escola Superior de Educação);

- “Oh… isso agora [a formação pedagógica]… agente aprende com o tempo
(professor-associado e iminente investigador da área de Física de uma universidade pública coimbrã);

- “Formação pedagógica? Para dar Química Orgânica? Deves estar a brincar!
(professor-auxiliar ou associado [? ou equivalência a...] da área de Química de uma universidade privada portuense);

- “A pedagogia é para crianças!
(professor-associado e iminente investigador da área de Sociologia do I.S.C.T.E.).

A última resposta sugere-me uma explicação para esta concepção: não é necessária a formação pedagógica ao docente se ele tiver, como alunos, jovens (ou jovens-adultos) que, pela natureza do curso que estão a estudar não irão, previsivelmente, lidar com crianças num eventual futuro profissional. No caso da Sociologia, e nem é por isso, a lógica é extremamente falível, para dizer pouco…

Os Dupont’s que lerem este texto irão, ensimesmados, esboçar um leve sorriso comprometido. Não o comentarão (e será um post pouco ou nada comentado por eles). Sabem que o conteúdo do texto tem lógica, alguns até concordaram com o post do Luís Aguiar-Conraria, mas, plenamente detentores das fragilidades e concepções que denuncio, silenciar-se-ão. Sabem que o seu silêncio apenas reproduz e cimenta este execrável paradoxo. É pena. Muitos deles serão, provavelmente, bons professores Dupont’s, sabendo-o ou não…

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Se passear por aqui...

... não deixe de ver o fabuloso post do fábulas sobre a especial candura, inocência de uma criança de 7 anos e o subsequente dilema de lhe explicar uma terrível opção materna a propósito do tsunami no sudueste asiático. Trata daquela mãe que teve que largar um filho pela força das ondas para poder salvar o outro.

Este terrível dilema não é novo. Quem viu "A Missão" de Rolland Joffé pode lembrar-se do trecho do diálogo (por mim usado na disciplina de "Educação Intercultural" aos "Complementos de Formação"):
«Eminência - (após ter ouvido um rapaz dos índios Guarani cantar): Dom Cabreza, como falar desta criança como um animal?
Resposta - Ensinam-se papagaios a cantar, Eminência.
Eminência - Como se ensina um papagaio a cantar tão melodiosamente?
Resposta - Trata-se de um filho da selva, um animal com voz humana. Se fosse humano recuaria perante os seus vícios. Estas criaturas são letais e lascivas. São dominadas pela espada e forçadas a laborar a chicote. Os Jesuítas só dizem disparates.
Eminência - Este território dantes era espanhol. Agora é português.
Padre Gabriel (jesuíta) - Isso é o que sua Eminência vem decidir.
Dom Cabreza - É assunto de Estado decidido pelo Tratado de Madrid. Acordado por suas majestades de Portugal e Espanha.
Padre Gabriel - Mas as missões vão continuar sob protecção da Igreja.
Dom Cabreza - A sua Eminência está aqui para decidir isso.
Padre Gabriel - (...) abaixo das cataratas divide-se ente Portugal e Espanha - mas lá no alto ainda pertence a Deus e aos Guarani. Não há lá mais ninguém e eles naturalmente não são animais. São naturalmente espirituais.
Dom Cabreza - Espirituais? Matam os próprios filhos!
Padre Gabriel - Posso esclarecer: cada homem e mulher podem ter um filho. Se nasce mais um (um terceiro) é logo morto. Não é um rito animal, mas necessidade de sobrevivência. Só podem fugir com um filho cada... E de que fogem eles? De nós, fogem da escravatura!»

Quem diria que ainda se teria que tomar tal terrível opção em pleno século XXI?

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Piercings e Dilemas Sindicais: Universidades Medievais e Universidades Actuais

INTROITO 1:Aqui há uns tempos, numa aula de História da Educação, abordava eu a emergência das universidades no período medieval. Para tal tinha eu seleccionado um texto que, com transformações, tratava de rituais iniciáticos da recepção aos alunos recém-chegados àquelas instituições na Idade Média. Visava eu, entre outros, que os alunos se apercebessem que, no essencial, o modo como se organizavam, formal ou informalmente, quer através das suas associações próprias quer através dos rituais de iniciação, não diferia muito, na essência, daquilo que sucede agora. O texto também destacava a estrutura altamente piramidal, a extrema autoridade (e abuso) que tinham alguns dos seus (carismáticos) professores e a pouca abertura que se atribuía à liberdade, ao pensamento divergente e criativo dos alunos pela via do método rigoroso e disciplinador dos lentes, embora se saiba que foi com as universidades, por via do “Lectio/Quaestiones/Disputatio” (especialmente o último) que se amaciou algum do “magister dixit”das anteriores escolas medievais (as "Escolas Catedrais", por exemplo, percursoras das universidades). Com a matéria recuperava, também, num espaço próprio para o efeito, um debate sobre a utilidade/pertinência das praxes actuais. A conclusão, aqui e ali com várias nuances enriquecedoras, era aquela que eu antecipava: nada das actuais praxes é, na essência, grande novidade. Eis que um aluno, daqueles mais esclarecidos, me diz “professor? Na essência, o resto também não mudou muito…”. E explicou que a Universidade actual continua com a sua estrutura piramidal, um satus quo difícil de alterar, um conjunto de professores “cadernáticos” que tudo dominam e nada admitem que fuja ao seu controle and so on… curiosa crítica para um miúdo de 19 anos com piercings na língua e nas orelhas…

INTROITO 2: Já há alguns anos que sou sindicalizado. No sindicato onde estou tenho, desde há vários anos, feito algum do meu percurso desde mero associado, passando por delegado sindical até à actual função num dos órgãos da estrutura. O sindicato, na sua actividade reivindicativa como que “escolhe” os seus inimigos: ou é o Ministério no seu todo, ou a/o titular da tutela ou algum dos seus secretários de Estado (estes todos vão e vêm) ou as suas políticas em abstracto. Mas tem um alvo. Todavia, em surdina, os agentes sindicais sabem que, em muitos casos, o “inimigo” está entre nós. É entre a classe docente especialmente a dirigente, que está nos órgãos de gestão, nos Conselhos Directivos, nos Conselhos Científicos, nas chefias dos Departamentos, por via das suas opções político-científicas que os maiores atropelos à legalidade se cometem. E se é fácil criticar um presidente do C.C.I.S.P. ou C.R.U.P. por o serem mais na qualidade do respectivo órgão do que da universidade ou politécnico a que pertencem já não o é tão fácil criticar quando se trata de docentes que o são apenas na qualidade de docentes da instituição à qual pertencem. Honrosas excepções são publicitadas quando a ilegalidade é mais que evidente e, sobretudo, se o sindicato não tiver uma grande quantidade de sócios na instituição de onde pertence o docente/órgão criticado. O carácter aberto e explicito do “ataque” também é tão mais fácil se a ilegalidade, irregularidade ou inerente ousadia não for um potencial problema causador de maior precariedade para os seus associados nessa instituição, o que se compreende. É, também, mais fácil acusar um presidente do Instituto Politécnico ou o “magnifico” (??) reitor de uma universidade do que um presidente de um Conselho Directivo; acusar, com publicidade, um conjunto abstracto de “Conselhos Científicos” (por não admitirem no seu seio mestres e doutores assistentes) do que um daqueles órgão em particular. A este último são endereçadas missivas sem grande alarido. E, finalmente, é mais fácil acusar quem quer que seja quando os associados já tiverem sido todos despedidos: nada há a perder. Todavia tal não desmerece a minha conclusão: sendo uma questão delicada para os sindicatos, os seus maiores “inimigos”, quaisquer que sejam, estão nas próprias escolas. Veja-se este caso: por mais que os sindicatos se esforcem por fazer alterar os Estatutos do Ensino Superior que permitem os concursos com imagem digitalizada ("C.C.I.D."), "com fotografia" ou "com ADN", serão sempre as escolas que, amoralmente, abusam das falhas da Lei para abrir tais ínvios concursos…

E porque tem razão o aluno piercingzado do intróito 1 e porque se justifica o temor dos sindicatos do intróito 2?

Porque as universidades (e os politécnicos) não são, na essência, muito diferentes das instituições de ensino medievais:
- mantém-se uma estrutura piramidal que interfere, lesivamente, nas opções de investigação onde as chefias dos projectos são constantemente as mesmas, com Directores que roubam ideias dos seus “subordinados”, obrigando-os a perseguir filões temáticos que só vão enriquecer os ulteriores artigos científicos encimados pelos primeiros, etc.;
- onde há uma maléfica aliança entre as opções de investigação e as promoções na categoria docente, etc.;
- onde os “subordinados” precários, por muito que apregoem a sua independência, liberdade de pensamento e de volição, depressa se acomodam à autoridade incontestável do “chefe” em prol da sua sobrevivência (quão censurável é isto?);
- onde os presidentes dos Circos de Vaidades, perdão, dos Conselhos Científicos põem e dispõem de quem é e quando é promovido, da qualidade dos pareceres dos docentes precários, definem e legitimam quem são os protegidos que devem ser contemplados com “Bolsas do PRODEP”. Lugar onde os compadres se reúnem e, entre alianças e re-alianças que se fazem e desfazem, vão se protegendo e votando favoravelmente as suas auto-agregações e nomeações definitivas, etc.;
- onde os Conselhos Directivos conjuram, congeminam e conspiram sobre qual o assistente ao qual se pode colocar o labéu de há ou não “cabimento orçamental” para ir ou não para a rua sem direito a subsidio de desemprego, em função de critérios subjectivos tais como “amizade”, “quantidade e qualidade de favores que fizeram no passado ao órgão”, “especificidade das suas posições políticas em prol ou não do órgão”, etc., e nunca por mérito, quem tem direito a um “melhor gabinete” ou quem vai partilha-lo com outros 6 professores qual lata de sardinhas, etc., etc.
- onde os directores de departamento (influenciando o C.D.) escolhem, a seu bel prazer, quem tem direito a uma carga horária, um número de disciplinas ou uma configuração de horário mais bem-composta, quem pode e deve ser ou não integrado neste ou naquele projecto de investigação, beneficiar do seu financiamento e, por via disso, mais tarde poder ser ou não despedido por via de um "currículum vitae" melhor ou pior, quem é assistente que pode ser promovido a equiparado a professor-adjunto ou o que pode ser o alvo do concurso com imagem digitalizada que vai abrir, quem é o docente que pode ou não ser sujeito a um processo disciplinar por muito ou pouco que tenha feito por isso, etc., etc. ;
- enfim, nas actuais universidades (não muito diferentemente das medievais: apenas mais complexas) e ensino superior em geral, reina a discriminação, o nepotismo, a corrupçãozinha barata e fácil, os compadrios diários e os amiguismos frequentes, o privilégio de alguns e a segregação de outros, a arbitrariedade nas admissões, nas promoções, nas opções político-científicas em benefício de uns poucos e prejuízo de uns muitos;

Desculpem a minha brutalidade ao dizer que o Ensino Superior Público em Portugal é, em muitas acepções e salvo honrosas excepções, uma boa merd*! E eu lá vou adiar a minha partida para Suécia mais uma vez...

terça-feira, janeiro 04, 2005

Encontre as sete diferenças entre...

... o escandaloso concurso do Instituto Politécnico de Leiria ("concurso com imagem digitalizada", "C.C.I.D.") denunciado no UniverCidade

e...

...este texto encontrado na "Nota de Abertura" do site do Instituto Politécnico de Leiria:

"(...) esperando que se entenda de uma vez por todas que as coisas sérias são para tratar de forma séria e por pessoas sérias o que significa tratá-las com verdade e transparência."

Lá para essas bandas há gente que dorme com a consciência tranquila?


segunda-feira, janeiro 03, 2005

Concursos com Imagem Digitalizada (C.C.I.D.)(III): Proposta e pedido de auxílio

Já me referi por duas vezes (post’s de Sábado, Novembro 27, 2004 e Quinta-feira, Dezembro 25, 2003) aos “Concursos com Imagem Digitalizada” (adiante C.C.I.D.) que têm tresandado a admissão de docentes no ensino superior especialmente o ensino superior politécnico. No ensino universitário, não tão frequentes, também os há. Está neste último aquele que mais me repulsa causou: pedia um docente para a área de Psicologia e estipulava, como critério de preferência, que o candidato tivesse feito uma especialização numa escola identificada num intervalo de 5 anos. Qualquer coisa do tipo: “Terá que ter estagiado na instituição tal entre 1981 e 1985 e ter seleccionado o ramo tal, especialização tal". Mais recentemente um concurso para professor-adjunto numa escola superior da zona da Beira Alta listava as disciplinas para as quais o candidato deveria ter “experiência” (resultado: o “candidato da casa” teve 18 vírgula tal valores e um candidato externo ficou-se pelos dois vírgula tal). Jorge Morais e Luís Moutinho também destacaram, com uma indignação legítima, outros concursos, entretanto comentado por outros bloggers.

Para quem não sabe, os concursos para pessoal docente das instituições públicas de ensino superior (universidades e politécnicos) em Portugal são todos concursos documentais, isto é, são concursos "externos" já que são abertos a qualquer candidato que reúna as condições para concorrer. E são uma vergonha. Sobretudo no que toca às condições para concorrer. Teoricamente, eles são abertos para todos, todos aqueles que reúnem as condições do respectivo edital. Na prática só abrem para o candidato que se tem em mente. Até há algum tempo (2, 3 ou mais anos) estes "C.C.I.D." só ocorriam quando estava em jogo uma vaga de quadro, isto é, uma vaga para um professor "quasi-efectivo", já que urgia passar um perí­odo de 3 anos após o que, avaliado pelos seus pares, transitava para o quadro. Na maioria esmagadora dos casos, esta passagem concretiza-se pela mera passagem do tempo. Esta lógica aplica-se, no ensino superior politécnico do qual tenho mais conhecimento, para as vagas de professor-adjunto e, semelhantemente, professor-coordenador. Actualmente a lógica dos "C.C.I.D." concretiza-se até para assistente do 1.º triénio, qualquer que seja a àrea, qualquer que seja a escola. "C.C.I.D." ou "concurso com fotografia" quer dizer que na concepção do edital do concurso (a publicar na II série do D.R.) existe, conscientemente, a preocupação de incluir um texto e uma semântica que assegure que o candidato que ganha o concurso seja, de facto, aquele que se quer a priori, que ganhe. Seleccionam-se os critérios de preferência à imagem do candidato a ganhar, podendo incluir-se, propositadamente, a sua licenciatura, mestrado ou doutoramento, dois dos três ou mesmo os três e respectivas especializações. Pode-se assegurar que tenha participado nos projectos e frequentado as acções de formação que o candidato participou e frequentou e outros. Deste modo, muito dificilmente o candidato ganhador não terá, antecipadamente, vencido e encimado a selecção e seriação dos candidatos opositores. Em última instância poderá só haver uma única pessoa em todo o país que cumpra os requisitos e os critérios de selecção do “C.C.I.D.
Todavia, vão havendo alguns concursos onde esta maquiavélica semântica no edital do Diário da República não é tão profundamente explorada ou não é de todo. Isto é, identificam uma licenciatura e, amplamente, um mestrado sem especificarem detalhes de qualquer um e definem critérios de preferência que são relativamente comuns a muitos potenciais candidatos (3 anos de experiência docente, experiência docente na área em que é aberto o concurso e afins). Estaremos perante um concurso transparente? Nada mais errado. Pela minha experiência há duas possibilidades de explicação:
1. ou o júri está tão convicto que vai colocar o “seu” candidato no primeiro lugar que não se deu ao maléfico cuidado de redigir um edital à sua imagem;
2. ou o júri é ingénuo o suficiente para não se aperceber que o perfil abrangente que pedem é potencialmente comum a muitos candidatos com lugares precários noutras escolas.

Em qualquer dos casos, o problema gerado pelas duas alíneas anteriores é facilmente resolúvel:
1. são engendradas, pós encerramento da data de candidatura, ponderações maiores para os critérios onde o candidato da casa tem mais-valias;
2. pode ser feita uma entrevista (muitas vezes aparece no edital como “entrevista se o júri considerar necessária”) onde o “candidato da casa”, alegremente “entrevistado” pelos seus pares, é cotado com o máximo (ou próximo dele) de pontos em detrimento dos outros “intrometidos” externos. Resta dizer que também a entrevista pode ser cotada, nas alíneas de selecção, como valendo tanto ou mais que a análise do “Curriculum Vitae”.

Mas vamos supor que não houveram cuidados “especiais” na génese do edital do concurso e que não se previa a possibilidade de entrevista. E que havia um candidato "de fora" que, manifestamente tinha um “Curriculum Vitae” tão “forte”, tão mais diverso em comparação ao “candidato da casa” que o júri não se deu ao trabalho de tentar “adaptar”, à posteriori, os critérios de preferência ou as respectivas ponderação do “candidato interno” ao concurso de modo a ser este último o seleccionado.
Aqui podem acontecer duas coisas:
1. “admite-se” o candidato da casa nunca publicitando a lista de classificação final aos restantes candidatos pelo que estes, perante a ausência de tal acto administrativo, nada poderão fazer pelas vias judiciais porque o juiz a quem se fazer impender um requerimento de anulação não se pode pronunciar sobre um concurso que, administrativamente, ainda não foi formalmente encerrado (como me aconteceu numa faculdade da universidade do Porto). Isto acontece sobretudo para categorias inferiores às de “quadro”;
2. encerra-se o concurso sem admitir ninguém esperando, numa ulterior oportunidade, reabri-lo à imagem do “candidato da casa”. E que argumento podem invocar para este inopinado encerramento do concurso?

Ou simplesmente nada dizem ou este, por exemplo:

Considerando a actual situação do Ensino Superior, nomeadamente no que respeita à diminuição do número de alunos e, em particular, dos candidatos a cursos de Formação de Professores, informa-se que, por Despacho do Presidente do (…), foi anulado o concurso para recrutamento de Pessoal Docente em epígrafe
(missiva recebida pela minha pessoa, hoje, 3 de Janeiro de 2005.)

Quando terminará esta autêntica vergonha? Estamos perante um cenário surrealisticamente ridículo onde acontece algo como:

Nós, júri do concurso desta escola superior, abrimos este concurso para um candidato da nossa escola. Sabe-mo-lo. E sabemos que você, potencial candidato a este concurso, também o sabe. Por conseguinte pode concorrer, e gastar dinheiro em fotocópias e autenticar originais se caso, e até vir à entrevista, se houver, mas saiba que nunca irá encimar a seriação. Mas concorra! Nós precisamos de fazer a coisa de um modo que, sendo legal, não pareça amoral. E para isso é-nos conveniente ter mais candidatos e poder fazer uma seriação final que pareça coerente, bonita. Não concorram é muitos se faz favor, que isso dá muito trabalho de análise de curriculuns vitae e de reuniões

Recentemente concorri a alguns concursos de onde destaco:
1. uma escola superior do centro do país encerrou, após todas as demarches concursais feitas, um concurso para professor-adjunto porque os candidatos “de fora” tinham, manifestamente, melhor mais-valia curricular que o “candidato da casa”. Não houve qualquer explicação para o encerramento;
2. uma escola superior da zona da grande Lisboa, num concurso para assistente, encerrou o concurso enviando-me a carta que consta no ponto dois supra-escrito;
3. uma escola superior da zona da grande Lisboa num concurso para professor-adjunto onde os candidatos da casa ficaram nos dois primeiros lugares porque se avaliou o “conhecimento dos contextos educativos d[a zona]” com uma ponderação maior do que mestrado e doutoramento juntos. Atrás ficaram doutorados, alguns com dezenas de publicações comprovadas e enviadas (próprios originais) em contraposição a publicações internas à casa de um dos candidatos... "da casa". O júri decidiu, em carta que me foi enviada, que tinha dado diferentes valores aos artigos publicados em revistas científicas, isto é, “de acordo com o conhecimento que o júri possui das publicações referidas nos curriculas vitae” (sic), o júri cotou-as diferentemente. Candidatos com publicações científicas em revistas estrangeiras e internacionais e/ou em maior quantidade e/ou que não as internas “à casa” tiveram cotações significativamente menores. Isto num concurso onde fui ver os processos à própria escola e onde o júri desta, ingenuamente, englobou mensagens de e-mail dos seus elementos a dar noticia do mesmo concurso a terceiros e a convida-los (pasme-se…).;
4. uma escola superior preteriu-me, num concurso, porque entre o encerramento do concurso e os onze meses que demoraram a admitir o candidato vencedor, ele fez o mestrado e foi-lhe cotado. Justificação do presidente do júri: "Não podiamos prejudicar os candidatos nem mesmo os cá da casa" (sic)
E de outros tenho conhecimento... (alguns presididos por pessoas que já manifestaram repúdio face a tais procedimentos). Aqui há uns meses, num encontro vastamente presenciado por docentes do ensino superior, falava-se, num círculo onde eu estava incluído, de concursos. Eis que um presidente dum Conselho Científico duma escola superior da Beira Alta diz, referindo-se a um concurso que a sua escola tinha aberto há poucos meses, altiva e explicitamente:

"para esse nem foi preciso fazermos batota..."

I beg your pardon? Foi somente para todos os outros? Ah! Ainda bem... fico mais descansado...

Quanto a mim, vou, nem que seja tarde à noite, perscrutar todos os concursos de 1 a 31 de Janeiro de 2005, analisar as habilitações pedidas e tentar encontrar, quer no site do pessoal docente do ensino superior, quer via google, quem é o candidato para o qual abre, intencionalmente o concurso. Algo como Luís Moutinho fez no seu blog. Ulteriormente, publicita-lo neste blog e, eventualmente, enviar um e-mail à instituição que abriu o concurso a denunciar o carácter amoral do mesmo e indicar o candidato que no concurso encaixa "como uma luva". Finalmente, veria com bons olhos que um site (por o exemplo o do
SNESup que mantém um endereço para este efeito) publicitasse o concurso, com carácter denunciativo, e respectivo candidato "predestinado". Como não percebo das ramificações científicas (em termos de mestrados e doutoramentos ou outros critérios de um concurso) que não as minhas, peço o auxílio dos meus colegas do Meta-blog para me ajudarem nesta denúncia. Desse modo se poderá um pequenino passo para denunciar um verdadeiro escândalo que assola este Portugal dos Pequeninos…
ADENDA: Comentário a este post de um anónimo (que fez questão de preservar o seu anonimato) ilustra bem o espirito que permite que estes "C.C.I.D." se produzam e reproduzam. Ele/a assevera: «Até porque mesmo que eu saiba de um "concurso com fotografia" não irei denúnciá-lo porque amanhã pode ser para mim esse lugar.» Et voilá!

sábado, janeiro 01, 2005

Meta o Meta-Blog do Ensino Superior no seu ecrã...

Eis que chega à comunidade boguística em geral e bloggers que se interessam por temas do ensino superior e investigação científica em particular, o Meta-Blog do Ensino Superior. Pretende ser uma espécie de "portal" que colija post's daqueles temas reunindo-os num só (meta)blog. Conta, para já, com a colaboração de:
- Alexandre Mota (blog)
- Hugo (blog)
- João V. Costa (blog)
- Jorge Morais (blog)
- Luís Aguiar-Conraria (blog)
- Luís Moutinho (blog)
- Miguel Pinto (blog)
- Mónica André (blog)

E eu próprio. Nas palavras do post inaugural, o Meta-Blog do Ensino Superior "é uma espécie de índice ou "central de notícias", onde os leitores podem mais facilmente encontrar as ligações ao que os autores vão publicando nos seus próprios blogues". Desejo-lhe o maior sucesso. Contribuirei, na medida das minhas possibilidades, para tal.