9,5 + y/z + (-20) = 0? (II)
A proposta (?) do ministro Mariano Gago de encerrar os cursos que tenham menos de 20 alunos tem levantado algumas ondas de preocupação por parte de Universidades e Politécnicos. Neste post darei continuidade ao post anterior [9,5 + y/z + (-20) = 0? (I)] onde me referi à classificação mínima de 9,5 nas provas específicas para ingresso no E.S. Por pontos:
1. Em primeiro lugar a proposta (?) carece de esclarecimento. Refere-se ela a 20 alunos no primeiro ano do curso? No conjunto de todos os anos curriculares? Não se sabe. Não é despicienda a segunda hipótese. Um cenário destes não é de descartar dada a sanha de cortar despesas em todo o lado. Adivinha-se que, neste último caso, um curso simplesmente não encerraria deixando os seus alunos “ao Deus dará” mas poderia não admitir alunos no ano lectivo seguinte extinguindo-se à medida que os alunos se iam formando. Em qualquer dos casos, urge esclarecer a natureza da proposta. Qualquer que seja a resposta ela não explica o carácter arbitrário do número 20. Qual o estudo que sugere o 20 como mínimo ideal? E mínimo ideal para quê? Porquê? Porque não 15? 25? 30? Está abrangido o ensino não público? Presumivelmente não…
2. O bom senso dita que quando uma regra tem mais excepções do que os casos que encontram a sua concretização, a regra não presta. A história recente ensinou-nos que o critério da “relevância social”, tão caro a um ex-ministro do ensino superior e investigação não fez qualquer escola. Exemplo disso é o caso do I.S.C.T.E. onde o corte de vagas, há poucos anos, atingiu cegamente todos os seus cursos. Facilmente se poderá pensar que escolas superiores que possuem um curso que lhes é exclusivo ou quase devem ser excepções à regra (casos de Oceanografia, Eng.ª Aeronáutica, Naval e Têxtil entre outros); facilmente se poderá pensar – porque a proposta não contemplará, julgo eu, o mero encerramento total de escolas – que instituições como o caso de alguns pólos de Politécnicos ou Universidades (Angra do Heroísmo ou Lamego, entre outras) não serão simplesmente extintos de um momento para o outro; facilmente se poderá pensar que não ocorrerá o encerramento de grande parte de Universidades onde a maior parte dos seus cursos têm menos de 20 alunos (casos das Universidades da Madeira, do Algarve, de Évora e da UTAD); facilmente se poderá pensar que não se vão encerrar todos os cursos que, embora existindo em várias escolas (Educação Musical, Dança e outros) mas tendo menos de 20 alunos cada um, o seu encerramento causaria a simples extinção dos mesmos; facilmente se poderá pensar que não iriam encerrar a maior parte das escolas superiores politécnicas do interior do país e algumas do litoral de um momento para o outro… só estas medidas excepcionais já propiciavam o não encerramento de muitos dos cursos que têm menos de 20 alunos…
3. Se um presidente de um Instituto Politécnico, de uma Universidade ou de uma das suas escolas, à guisa do princípio do argumento da proximidade entre a natureza dos cursos da instituição e as necessidades/mais-valias económicas, sociais e culturais da região onde a escola está inserida, “provar”, na senda da sua “autonomia”, com um estudo “cientificamente” válido, … e feito por uma entidade “independente”, … e com dados "incontestáveis" de que os alunos formados por cursos com menos de 20 alunos encontraram total ou parcialmente saídas profissionais na região onde a escola está inserida, quem é o MCTES para contestar? Mais excepções à regra? E legítimas?
4. Um número razoável de cursos tem um numerus clausus inferior a 20 por razões perfeitamente legítimas do ponto de vista pedagógico, curricular e logístico. São cursos que se prestam a não admitir muitos alunos porque envolvem condições “especiais” do ponto de vista dos materiais, das instalações, do ratio professor-aluno tido como ideal, do ponto de vista da sua organização e desenvolvimento curricular, das especificidades dos locais a estagiar, da natureza do profissional a formar e, finalmente, da expectativa da necessidade dos formados pelo mercado de trabalho. Estão neste caso alguns cursos de formação inicial de banda estreitíssima (o que pode ou não ser questionável…) como os de música, com a especialidade num determinado instrumento musical. Mas também os de Dança, Teatro, Cinema, para falar no caso das artes mas também algumas engenharias, alguns cursos de multimédia (pelos recursos tecnológicos envolvidos) e até de humanidades, como o caso de Arqueologia, línguas estrangeiras que não envolvam o inglês, alemão ou o francês, ou ainda outros na área de formação de professores direccionados para crianças com necessidades educativas específicas. E ainda outros que não me ocorrem presentemente…
5. E finalmente, mas não menos importante, a exigência de se ter mais que 20 alunos num determinado curso (por exemplo, na admissão), enleia um convite à massificação. Se, por um lado, cursos que preenchem totalmente as suas vagas nas ordens dos 50, 75, 100 ou mais alunos (numa mesma escola ou numa mesma região) já formam estudantes que vão encontrar altas probabilidades de desemprego no mercado de trabalho (caso de Direito ou certas engenharias), não são abrangidos por esta proposta o que está em jogo afinal? Seguramente não é a empregabilidade. Ora muitos destes cursos já estão organizados de um modo onde se concentram várias dezenas de estudantes em amplos anfiteatros numa lógica taylorista de educação: as aulas teóricas massificadas constituem verdadeiras “fábricas” de ouvintes (interessados?) onde qualquer relação professor-aluno é atomizada e onde tanto uns como outros são perfeitamente despersonalizados. Querer-se-á o mesmo para cursos que ainda não são caracterizados por este ambiente curricular massificado? E como fica os ratios professor-aluno perfeitamente institucionalizados e aceites pelo poder oficial? Como se pode pedir ao Instituto Superior Técnico que tem em alguns cursos um ratio de professor-aluno de 8 para 1 que encerre um curso porque teve menos de 20 alunos no ingresso?
Defendo há muito tempo uma racionalização e fusão curricular de alguns cursos. Na realidade da formação inicial de professores, que conheço melhor, dada a estrutura curricular de muitos dos seus cursos, a existência de um tronco comum aos dois primeiros anos e a diferenciação, conforme o professor a formar, nos anos seguintes, presta-se à maior parte dos cursos. O mesmo pode acontecer em certas engenharias, línguas e literaturas. Na verdade, tal já ocorre em muitas escolas do ponto de vista do currículo real mas não do oficial. O que revela alguma falsidade nos números oficiais emanados pelas universidades e politécnicos. Depois, com o correr do tempo, considerando os níveis de empregabilidade (para que servem os observatórios de emprego?) ou outros critérios objectivos (os índices de procura, ou a interioridade da instituição, por exemplo) e iguais para todas as instituições que tivessem o mesmo tipo de cursos, o numerus clausus poderia subir ou descer. Esta fusão encontraria, com um certo planeamento (e concretização) curricular, um eco ajustado aos mecanismos de 3+2 ou 4+1 proposto por “Bolonha”, ajustava-se à idealização de perfis de saída particulares e esclareceria que profissionais poderiam ocupar quais lugares ocupacionais no mercado de trabalho…