sexta-feira, abril 29, 2005

O problema da matemática ou a matemática do problema?

Já vou um bocado atrasado neste debate depois de ter sido tratado pela saltapocinhas e pelo Varela de Freitas, isto é, por pessoas que o conhecem melhor do que eu. Assim sendo, farei uma breve sistematização por pontos:

1. Oiço demasiado a palavra "mais" em detrimento da palavra "melhor". Mais horas abertas nas escolas do 1.º C.E.B., mais horas supostamente dedicadas ao ensino da matemática, mais horas de formação para os futuros professores do E.B., mais horas de monitorização para aqueles e outros."Mais professores" não se ouve. Continua a sanha do "como fazer mais coisas sem gastar mais dinheiro?";

2. Parece emergir a ideia que se pode fazer melhor mantendo, sem dó nem piedade, a prata da casa. Tal vai encontrar muitos obstáculos: muitas escolas do 1.ºC.E.B. já estão abertas tantas horas quanto podem (e devem), muitos professores já estão na escola em actividades lectivas tantas horas quanto podem (e devem), muitos professores de apoio (quando existem) já tem tantas actividades e despendem tantas horas quanto podem (e mais do que devem), muitas salas já estão ocupadas quanto podem (e mais não podem), muitos materiais (quando existem ou quando existem em número suficiente) já são utilizados quanto podem (e desgastam-se) e muitas crianças já estão muitas horas na escola (mais duas horas e meia para conforto de muitos paizinhos…). Não obstante, defendo o conceito de manter as escolas (que o possam) mais tempo abertas. Em muitos países as instalações escolares são aproveitadas ao máximo: desde OTL’s a muitas outras valências (incluindo nocturnas) que não para crianças assumindo-se como verdadeiros centros comunitários.

3. A ideia de ocupar furos vai encontrar dificuldades logísticas consideráveis: Embora muitos sejam previsíveis (por exemplo: o/a docente está de baixa ou pior: não há docente), muitos dos “feriados” ocorrem sem conhecimento antecipado: como planear actividades com tal imprevisibilidade? Conhecidos ou não os furos, haverá um escalonamento dos professores que se vão ocupar das actividades para aqueles? Como? Provavelmente estão, à mesma altura, com as suas turmas. E se não estiverem? Serão consideradas horas extraordinárias?

5. Subjaz-me ao diagnóstico de insucesso escolar na área da Matemática, a ideia, implícita e errada, de alguma incompetência por parte dos Professores do 1.º C.E.B. na leccionação da mesma, já que é sobre estes que, primeiramente incide um diagnóstico de necessidades de formação. Como orientador de estágios num passado próximo, tive oportunidade de me aperceber de bons e menos bons estagiários, eventualmente, bons e menos bons futuros professores. Como em tudo…

6. A medida de restringir o acesso de futuros professores do 2.º e 3.º C.E.B. é quase uma intenção vazia de concretização. A ser implementada a curto ou médio prazo, a medida só encontrará efeitos nos alunos que, entrando “agora” no ensino superior, terminam os cursos daqui a 3 ou 4 anos e comecem a leccionar. Bom, é sabido que em educação o investimento é feito a médio ou longo prazo mas a realidade portuguesa tem mostrado que cada legislatura propõe e implementa as “suas” medidas na educação extinguindo ou esmorecendo as medidas da legislatura anterior…

7. Por outro lado, restringir o acesso a alunos que não tenham tido sucesso a matemática no ensino secundário parece-me derivar de uma relação causa-efeito, que apesar de parecer lógica ao senso-comum, padece de um exclusivismo relativamente incompreensível: supõe-se que quem tenha negativa às disciplinas de Ciências no secundário já possa ser um bom professor de Ciências no Básico? E noutras disciplinas? Só porque a Matemática tem mais altos índices de insucesso? Estamos, daqui a 5 ou 10 anos a debater a oportunidade da mesma medida para as Ciências ou outras? O problema pode residir no facto de ser permitido, para os cursos de formação de professores, não obstante algum afunilamento por via das provas específicas, a possibilidade de qualquer aluno poder aceder qualquer que seja a área que frequentou no ensino secundário. Pela positiva, assumo que incidir em medidas a longo prazo e cuidar de algumas a curto prazo, pode ser proveitoso: a monitorização dos docentes em formação ou início da docência é pertinente. Não obstante, e pela positiva, julgo que é ao nível do 2.º e 3.º C.E.B. que mais deve incidir algum rigor na selecção dos futuros docentes. Mas não só aos de Matemática…

8. E o ponto mais fudamental: parece haver uma ideia de “mais matemática” e não “melhor escola”. Certo e sabido que muitos alunos têm dificuldades a Matemática porque… têm dificuldades a Português. A nível da leitura, da interpretação…. Como já referiu bem o Varela Silva, a concepção de “extra-curricular” encontra eco numa mentalidade curricular algo tacanha ao nível do 1.º C.E.B: há a “escola escolar” e, ainda intra-muros do edifício escolar, a “escola menos escolar”. E a "Lógica curricular aditiva" sobrepõe-se: mais horas para Matemática “roubando” horas a… Português? Educação Física? Expressões? Corporiza a ideia que sempre combati, expressa em alguns colegas meus e em futuros docentes, “os quinze minutinhos das Expressões (que mais não é preciso porque é mais «brincadeira») e depois a horinha da Matemática, intercalada entre os trinta minutinhos do Estudo do Meio”, que enforma os planos das aulas e as aulas propriamente ditas. Já Decroly (e muitos outros) falava dos “Centros de Interesse” que se sobrepunha a esta lógica curricular disciplinarmente compartimentada. Aqui o professor não é um gestor do currículo mas um especialistazinho que vai trocando de “farda” conforme os 15, 30, 45 ou 60 minutos da especialidadezinha que está a leccionar… no tocante ao 2.º e 3.º C.E.B. não há uma atitude de interdisciplinaridade que favorece uma noção de currículo abrangente.

9. Embora seja de louvar a intenção de começar a actuar ao nível do 1.º C.E.B., não me estranharia que se fosse um nível mais atrás e se incidisse no âmbito do ensino pré-escolar. De pequenino se torce o pepino.

10. E o pepino da Matemática anda, contrariando de certo modo o ditado, tão torcido

15 Comments:

Blogger Miguel Pinto said...

Eu estou convencido de que a moda da matemática e do português passará. Enquanto a moda não passar seria bom analisarmos as implicações de medidas deste tipo na definição da uma ideia de escola. Vejo, com preocupação, que a escola despreza o tempo livre ao atafulhar os alunos de mais do mesmo.
Se analisarem o fenómeno das explicações [a matemática por exemplo] no secundário veremos uma enormidade de casos de alunos que procuram a escola, essencialmente, para receber a certificação: o esforço para a aprendizagem ficou no interior do mercado das explicações. Do que eu me fui lembrar…

abril 29, 2005 3:21 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Concordo com quase tudo afirmado nesta entrada. Mesmo assim arriscaria dizer que a selecção dos professores do 1º ciclo não é um assunto menor. Julgo não ser inédito que um aluno possa ter todo um percurso no 3º ciclo do ensino básico sem aprovar em matemática e depois ingressar no ensino secundário escolhendo um elenco curricular sem a disciplina. Convenhamos que não é a melhor preparação para a dar a confiança necessária ao futuro professor do 1º ciclo.
Mas tudo isto são minudências relativamente aos aspectos substanciais. Julgo que o investimento prioritário deveria ser ao nível da acreditação da formação inicial de professores e da alteração do estatuto da carreira docente dos professores dos ensinos básico e secundário. É uma aposta de médio e de longo prazo. Portugal precisa de formar menos professores e de formar melhores professores. Precisamos de um estatuto da carreira docente que valorize o mérito e não a caça ao crédito.

PJ

abril 29, 2005 9:26 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ainda nao percebi bem. Aumentam as horas a matemática no ensino primário mas é aos professores do 2º e 3º ciclos que se altera os curriculos?
David

abril 29, 2005 9:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Os teus títulos... os teus títulos... :)
Nelson

abril 29, 2005 11:23 da tarde  
Blogger saltapocinhas said...

Disseste muito e bem...está aí tudo.
agora só falta a ministra começar a ler blogs a ver se aprende alguma coisa! :)

abril 30, 2005 1:07 da manhã  
Blogger Luís Aguiar-Conraria said...

Sinceramente digo que nao consegui perceber o que defendes e propoes.

abril 30, 2005 4:00 da manhã  
Blogger Chris Kimsey said...

Miguel: os níveis de insucesso a matemática e ciências dos nossos alunos são temas muito recorrentes e propalados por estudos internacionais como o PISA. Não sei se será só uma moda. E é bem verdade o que dizes sobre a "escola certificadora"...

saltapocinhas: obrigado. Mas tu entendes deste lebenswelt muito mais do que eu...

PJ: é verdade. O ECD é fundamental.

Nelson: o título quer dizer que o problema da matemática quer-se resolver matematizando o problema e as suas propostas de soluções e não enquadrando numa verdadeira noção de escola não demasiado curricularizada. Ora na escola, os tempos curriculares, as avaliações, os créditos de carreira, etc. já estão demasiado matematizados...

LA-C: não sendo entendido em Didáctica da Matemática, o que defendo está nas 2/3 últimas linhas de alguns pontos e o que proponho está no ponto 8: uma organização curricular que contemple a transversalidade dos conteúdos (incluindo a matemática) e não a excessiva disciplinarização em tempos curriculares/aulinhas de 15/30/45/60 minutos tal como, de certo modo, sugeria Decroly com os "Centros de Interesse". Está lá. Não percebeste?

abril 30, 2005 10:34 da manhã  
Blogger Luís Aguiar-Conraria said...

Hum...

abril 30, 2005 11:29 da manhã  
Blogger Miguel Pinto said...

Os resultados dos estudos internacionais (PISA) que presumivelmente motivaram as medidas anunciadas pelo governo devem ser contextualizados. Quando eu refiro que estou convencido de que as preocupações com Matemática e Português passarão com o tempo quero dizer que uma leitura apressada dos resultados desses estudos sem conhecer as questões metodológicas que lhe subjazem podem contaminar as interpretações dos dados. É uma possibilidade não podemos desprezar na análise da situação educativa portuguesa.
Sobre o assunto, Domingos Fernandes diz o seguinte:
“[…] na primeira série do PISA, Portugal aparece no ranking de países
numa posição modesta em Matemática. Como já se referiu, o PISA avalia competências de jovens de 15 anos. Acontece que, na maioria dos países participantes, a esmagadora maioria dos jovens desta idade frequentam os 10° ou 11° após de escolaridade. Em, Portugal, pelo contrário, temos um número muito elevado de jovens de 15 anos que frequentam os 7°, 8° ou 9° anos de escolaridade, ou mesmo anos de escolaridade mais iniciais, muitos dos quais participaram, naturalmente, no estudo. É óbvio que os resultados não podem deixar de ser fortemente influenciados por este facto, pois, por exemplo, é muito diferente testar um jovem de 15 anos que frequenta o 8°ano de escolaridade ou um outro que frequente o 10°ano de escolaridade. Uma análise mais fina dos dados mostra que a média dos jovens portugueses que frequentam os 10° ou 11°anos de escolaridade é superior à média verificada no conjunto dos países participantes. O que pode ser também interessante analisar e interpretar. Em todo o caso, o que aqui se pretende referir é a incapacidade que, ao longo dos anos, temos vindo a demonstrar para proceder a análises nacionais dos dados. Não para evitar a comparação com os dados dos restantes países, mas para a contextualizar e proceder a análises que retratem mais rigorosamente a nossa realidade e que, no contexto de um estudo internacional, poderão não fazer muito sentido. (o negrito é meu) (Fernandes, 2005: p.131)

abril 30, 2005 12:06 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Eu diria, Miguel, que, apesar do problema ser real, tál é uma "variável parasita" muito relevante... :-|

abril 30, 2005 5:30 da tarde  
Blogger Cândido M. Varela de Freitas said...

Só para desfazer um equívoco; Varela Silva era um actor, já falecido; Varela Cid era (e penso que ainda é) um músico.Eu sou Varela de Freitas... Não vou comentar tudo, mas gostaria de dizer que sem conhecermos mais do que aquilo que foi dito temos de ser prudentes. A ideia de mais do mesmo tem de ser combatida: mas mais do que pelo ME, tem de sê-lo pelos professores.

maio 01, 2005 3:40 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Valha-me Deus! Estava-me a referir a si, Varela de Freitas. Vou corrigir. Peço desculpa (lembro-me bem do actor Varela Silva...)

maio 01, 2005 3:48 da tarde  
Blogger saltapocinhas said...

Mas que raio é "lebenswelt "???
(eu só sei português e pouco!!)

maio 01, 2005 10:26 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

"Lebenswelt" é um vocábulo alemão que quer dizer, liminarmente "mundo vivido". No caso concreto quer dizer a "vida real" e não a teorização da mesma, a "realidade prática" e não a sua conceptualização. Nada de mais, saltapocinhas. Grande abraço ;-D

maio 01, 2005 11:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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dezembro 18, 2013 6:40 da tarde  

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