sexta-feira, abril 22, 2005

“Fac-simile? Não, não temos nada desse autor” ou o atendimento em certas livrarias…

Já noutra altura tive ocasião de falar sobre o atendimento em algumas das nossas livrarias. Contei uma anedota (“Flagrantes da Vida Real, II”) onde, face à minha pergunta: “Tem edições fac-similadas”, “Como?”, pergunta o livreiro (?), “Fac-similes”, respondo eu. E lá vai o homem ao compudador regressando pouco depois e dizendo: “Não, não temos nada desse autor...”.

A verdade é que eu gosto de cirandar pelas prateleiras das livrarias. Revoltear livros cujos títulos me chamam, muito ou pouco, a atenção, sentir a fragrância da tinta, do papel, do livro novo, perscrutar os índices, folhear as bibliografias, revirar as badanas e ler as contra-capas. Para mim, ir a uma livraria é quase como ir ver uma exposição. Os livros dizem-me: “Estou aqui para ser folheado. Folheie-me!”. Tal como um quadro poderia dizer: “Admire-me, contemple-me!” ou uma escultura bradar: “Apalpe-me! Escorra, levemente os seus dedos pela minha superfície… sinta-me” (se for o caso disso...). É quase uma relação erótica ou um orgasmo… hum… - lá vou eu ser pretensioso – intelectual, quando o livro contém um título, uma ideia, uma imagem que encontra eco nos meus quadros de referência ou choca com os mesmos.

A coisa tem sido mais difícil desde que a paternidade me abençoou mas lá estou eu de vez em quando. Da última vez, numa livraria em Cascais, enquanto o Alexandre entretinha-se a folhear livros com “popós”, aventurei-me, receoso, a inquirir a senhora que atendia.
-“Se faz favor? Procuro um livro que se chama […]. O autor é um senhor chamado Brazelton… quer que soletre?
- “Não, não é preciso…”, responde a senhora.
E lá escreve ela uma versão do nome do autor:”Breseltom”. Eu consigo vislumbra-lo:
- “Não, não é assim que se escreve…”, interrompo.
- “Ah, não? Temos cá um autor com este nome… o livro é sobre quê, mesmo?
- “Qualquer coisa o «Grande livro das Crianças ou da Criança»… não sei bem…
- “Ah! Está na secção de «Pedagogia» lá em baixo”.
Vou lá. Procuro. Não encontro tal secção. Procuro melhor… regresso à senhora…
- “Desculpe… não encontrei essa secção…
- “Mas está lá… entre «Gestão» e «Informática»!
- “Importa-se de vir comigo lá?”, pergunto, quase atormentado… ela vem comigo.
- “Vê? Está aqui: «Psicologia/Sociologia»!”, ufana…
- “Tinha dito «Pedagogia»…”, comento, humilde.
- “É tudo a mesma coisa! É tudo a mesma coisa! Encontrou o livro?
(…)

Por favor… coloquem gente com um palmo de testa nas livrarias! Dêem emprego às centenas de licenciados em História desempregados ou doutras Ciências Sociais e Humanas a atender nas livrarias e não qualquer burgesso ou burgessa à frente de um balcão de atendimento de uma livraria. Para bem da cultura. Para bem de todos nós. Incluindo os burgessos…

"The problem of dumb ass is that they are too stupid to know it"...

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Há uns meses atrás entrei na Livraria Almedina em Coimbra e disse à pessoa que me atendeu que estava a pensar em comprar um dicionário etimológico. Tinham-me dito que este tipo dicionários eram caros e queria saber o que tinham para venda. O funcionário olhou para mim e disse-me: "Nunca ouvi falar em semelhante coisa. Tenho todos estes dicionários, apontando para a estante, mas esse nunca ouvi falar." Fiz a mesma pergunta a um funcionário da Bertrand do Porto que conheço há muitos anos. Ele pensou por uns segundos e indicou-me de imediato um dicionário que me poderia interessar, limitando-se a confirmar previamente no computador a sua existência. Que diferença!
P.S. Dizes que as livrarias poderiam ser um empregador para muitos licenciados. Olha que eu conheço muitos licenciados e licenciandos que são tão ou mais burgessos do que os que nos atendem nas livrarias. O funcionário da Bertrand que referi trabalha no ramo há 27 anos e, acima de tudo, ama os livros. Julgo que não tem formação ao nível do ensino superior. O Sr. Nuno Canavez, da livraria Académica do Porto, que seguramente conhecerás, tem, tanto quanto sei, a 4ª classe. Uma licenciatura pode ser feita a comer papel de fotocópias e a desprezar os livros.

PJ

abril 22, 2005 12:22 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Muita razão, tens, PJ, meu caro homónimo...
Ser licenciado não é sinónimo de bom ou informado atendimento. Tendo, tendencialmente - julgo eu -, essa possibilidade, não é, de modo nenhum, um absoluto...

O Sr. Nuno Canavez, sendo um bibliógrafo e autor de livros sobre bibliografia transmontana apreciável, e com quem tive alguns contactos, não é uma pessoa afável para quem vai a livraria dele de calças de ganga e não está disposta a gastar muito dinheiro. Esse tipo de pessoas eu não prezo lá muito... trata um senhor enfatado e engravatado por "Sr. Doutor" e outro nem tanto ou com algum desdém... não prezo pessoas assim... e "ele" há algumas por aí...

abril 22, 2005 4:01 da tarde  
Blogger manuel cabeça said...

criei uma relação com duas ou três livrarias que me preenchem a totalidade dos gostos e das descobertas.
Uma, cá da terra e sem sítio na web, tem uma senhora que me trata por tu e me encontra o que penso impossível. São duas as funcionárias, quando me falta esta digo bom dia e, delicadamente, saio.
Uma outra é a Leitura, no Porto, um icone das mihas livrarias não pela sua beleza, mas pela amabilidade e afabilidade com que sempre fui e sou tratado e pelo acervo existente, um autêntico paraíso.
Nas outras passo, percorro o olhar enquanto os filhos se entretém com uma ou outra capa, de resto não me servem ou servem-me para pouco.

abril 22, 2005 6:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Meu rapaz... o culpado és tu! Parece que sabes escolhe-los a dedo ;)
David

abril 22, 2005 9:53 da tarde  
Blogger VFS said...

Aduzo a esta série de cautérios a exposição de uma situação em que participei. Desloquei-me a uma livraria da Madeira e pedi um livro do Herberto Hélder. A senhora, quase aturdida - e apesar de o poeta ser madeirense - pergunta-me: "Como?". Repito o nome. Enganou-se ao redigi-lo e soletrei-o. Aparentemente, o computador não encontrava qualquer obra do autor, pelo que a solícita empregada questionou: "É literatura?" Respondi que Herberto Hélder é poeta, embora também tenha livros em prosa. Riposta a senhora: "Mas é literatura?" Fiquei prostrado. Teria de lhe explicar o que é literatura? Mas o que é literatura?

abril 22, 2005 10:55 da tarde  
Blogger Luís Aguiar-Conraria said...

Tanta ingnorancia devia ser ilegal. Mas quem seria o juiz?

abril 23, 2005 6:43 da manhã  

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