Profetismos e dislates em educação: o inicio da viragem? (Ciclo da Pedagogia III)

A esta veia crítica não fundamentada e apressada não é alheio um desconhecimento das coisas. Não despicienda é a incapacidade, não confessada, de encarar a educação como um campo que pode ser teorizado, compreendido e explicado por uma ou várias ciências, quer se lhe chame Pedagogia ou “Ciências da Educação”. Não só neles mas – arrisco a dizer – boa parte da população, a educação sempre foi encarada como um mundo onde o que vale é o bom senso, a informação dada pela experiência, o “ver como se faz”, a experimentação pela tentativa e erro e a desvalorização, não confessada, de investigação e sistematização. A estes energúmenos, a educação não parece ter, digamos, as condições e os requisitos epistemológicos para se constituir numa ciência com objecto e método próprios. Quando os teorizadores, muitas vezes professores, com credenciais de investigação insuspeitas e um conhecimento do terreno incontestável, produzem conhecimento sobre Pedagogia ou “Ciências da Educação” estarão, na mente dos profetas da desgraça e distatistas da educação, a “falar do que não há”, de algo como se não fosse susceptível de produzir conhecimento e, enfim, a verborrear sobre algo não científico. E lá vêem os profetas e dislatistas a culpar os pedagogos e “cientistas da educação”. Como em todas as esferas, há os bons e os maus. E eu não sou totalmente capaz de os identificar…
Na história das “Ciências da Educação” podemos considerar – simplisticamente, confesso – como que três grandes fases: uma primeira caracterizada pela pedagogia e psicologia experimentais onde o que se produzia, ainda muito informado por crenças do “Antigo Regime” acreditava naquilo que fosse apenas testável em contextos de laboratório (no sentido restrito do mesmo) e caracterizada por um cunho muito funcionalista; uma segunda, já muito informada pelas teorias da sociologia onde se coloca o destaque mais nas desigualdades (cf: Bourdieu, Passeron, Althusser e seguintes) e na hierarquização social (com uma fase mais tardia que professa discursos do tipo “pedagogias radicais” informadas por Giroux e outros) e; finalmente uma terceira, aquela que estamos emergentemente a começar. O que diz esta? Sobretudo espalhou-se em várias direcções: desde uma neurofisiologia da educação que nos informa, com um rigor científico assinalável que determinadas aprendizagens não se devem necessariamente (e neste sentido cumpre lacunas deixadas pela sociologia) à condição sócio-económica dos pais dos meninos ou clivagem entre o conjunto de referências culturais da escola e dos seus clientes mas, por exemplo, à falta de uma proteína específica no cérebro, passando pela psiquiatria da educação, que nos fala de certos traumas e o seu efeito em contextos de ensino-aprendizagem, até à economia da educação (e/ou administração escolar) que sugere interessantes medidas profissionais de gestão das escolas e, claro, uma das minhas preferidas, a antropologia da educação, que analisa nos revela como há discrepâncias entre o que a escola ensina e o que se aprende e como muitas vezes não nos apercebemos que podem ser a mesma coisa mas com rótulos discursivos diferentes. E muitas, muitas outras com contribuições tão inovadoras que nem passam pela cabeça dos profetas e dislatistas da educação. E é a esta última corrente que se pode dever uma inicial e apreciável desacreditação dos profetas da desgraça e dislatistas de/sobre educação.
No meio disto tudo temos a História da Educação. Para quem perde um bocadinho de tempo com esta, depressa se apercebe que os discursos fatalistas de e sobre educação e o empolamento de supostos cenários de crise extrema nas escolas em particular e nos processos de ensino-aprendizagem em geral, são seculares em Portugal: já no século XIII se falava nisto e os centos de anos seguintes evidenciam profetas, cenários e realidades ainda mais trágicos/as que os/as actuais. Esta visão os profetas da desgraça educativa e dislatistas da educação não conhecem, não querem conhecer ou convenientemente omitem. Conhecer o passado para explicar o presente e prever o futuro? Pois... tá bem...
Vem isto a propósito da situação mais disparatada para justificar um cenário de extrema crise educativa que me lembrei recentemente e que ocorreu há poucos anos. Não, não me refiro a Maria Filomena Mónica ou conjugalidades. Estou a falar de José Pacheco Pereira.
Convidado para um programa enfadonho de debate sobre a (crise da) educação na RTP1 onde estavam professores, alunos e outros comentadores, o autor do abrupto quis provar, in loco, in situ e in directu, a ignorância de alguns alunos recentemente saídos do 12.º ano e em espera de entrar para o ensino superior. E que fez ele? Fez duas perguntas “simples” (disse ele) a alguns dos miúdos onde, de acordo com o opinion-maker, a não respsosta provaria, irrefutavelmente, a ignorância dos moçoilos. Não sendo na altura moçoilo, não fui capaz de responder às perguntas porque, simplesmente, não as compreendi. As perguntas foram tão mal formuladas que julgo que a maior parte dos espectadores do debate não souberam responder e, digo eu, os leitores deste blog também não conseguirão. Evidenciou-se, a meu ver, o extremo desconhecimento de pedagogia, educação ou “Ciências da Educação” (ou o que quer que seja) que Pacheco Pereira patenteia, não obstante não o afirmar e até se ter pavoneado quando, muito naturalmente, não obteve resposta às suas perguntas.
Quer experimentar? A pergunta era:
- “se fizermos um furo muito fundo no Pólo Norte o que encontramos? E se fizermos o mesmo furo no Pólo Sul, o que encontramos?”
Sabe a resposta? Até pode saber mas certamente que a pergunta lhe oferece, no mínimo, dúvidas.
A resposta estará brevemente nos comentários deste post…
18 Comments:
A resposta inteligente e de bom senso é que isso é impossível, porque não há broca capaz de o fazer ;-)
Eu acho que sei a resposta. Mas por covardia (medo de errar...) e por achar que deves ser tu a querer revela-la não a direi ;)
Nelson
Não percebo bem a pergunta. Petróleo num e noutro não? Será a resposta de JVC? Tipo não haver brocas para um gelo muito duro num dos pólos? De certeza que isto tem uma resposta lógica?
A.T.
Depende do que se entende por muito fundo. Se 2 metros for muito fundo então a resposta será gelo, um pouco mais fundo perfuramos a crosta terrestre. Se fizermos um furo tão fundo que atravesse o planeta encontramos o outro pólo. A pergunta é, obviamente, um disparate completo que não serve para medir nada (tirando, provavelmente, a tolice de quem pergunta)
"A resposta estará brevemente nos comentários deste post…"
O que entendes por brevemente?
Yo, primaço? A resposta é para hoje?
Tina
Se o furo for feito com jeitinho talvez se encontre por lá o Pacheco em pessoa! Se calhar alguém fez o furo com um bocado mais de força e o homem ficou assim...
O desafio está HÁ SÉCULOS na Memória Flutuante... uff!
A resposta do saltapocinhas é demais!:)
Eu acho que se se fizerem os furos ao mesmo tempo, muito fundos e nos dois pólos as brocas encontram-se. Acertei? Ou então encontramos o próprio Pacheco Pereira num esconderijo, qual fortaleza secreta do Superhomem, a escrever o seu blogue :))
bom post.
O JPP é aquilo a que humoristicamente uma edição patrocinada por um jornal diário chamava "especialista instantâneo" em ciências.
A série de entradas do abrupto sobre cosmologia são, quando fogem à tradução literal do site da nasa, de chorar de pena do senhor que julga que sabe um iota de ciência.
O problema é que em ciência não adianta usar a retórica sufista de JPP que a realidade não muda para nos fazer a vontade!
Peço desculpa de não ter respeitado o "brevemente" na publicitação da resposta. Ontém fui a um leilão de espécimes bibliográficas interessantes (um incunábulo comentário ao "Pentateuco" [primeiro livro impresso português mas em hebraico]) e fiquei até mais tarde. Hoje de manhã fui ao Centro de Saúde com o meu filhote.
O que José Pacheco queria saber era se os alunos reconheciam que o gelo do Pólo Norte está assente em terra e o gelo do Pólo Sul não, isto é, se derretesse todo o gelo de ambos os pólos, no norte apareceria um continente e no pólo sul, nada, só água dado que todo o gelo que tem é flutuante. É claro que com a lógica do "furo muito fundo" nunca se chegaria lá...
JPP queria ser um especialista em pedagogia e/ou docimologia mas saíu-lhe o tiro pela culatra dado que nem em termos de mera sintaxe se saíu bem...
Fieri fecit...
Eu achava que a respostas eram, respectivamente, Pólo Sul e Pólo Norte. Chumbei!
Desculpa lá Paulo, mas como é que sabes o que o JPP queria dizer? Olha que é preciso uma ginásticas imensa para perceber isso... Bolas, ainda bem que não tive de responder a teste feitos pelo JPP!
Porque, Luís, pouco depois, Pacheco Pereira comunicou, altivamente, a resposta, isto é, esta explicação. Se não fosse assim julgo que ainda hoje não saberia a resposta...
Deixando os furos de parte (sobre furos, já escrevi!) quero saudá-lo pelo post todo: excelente análise. Gostaria que tivesse razão e que a "última corrente" possa de facto levar à "desacreditação dos profetas da desgraça e dislatistas de/sobre educação". Às vezes penso que se pode julgar que eu (e você, todos os que pensam como nós) estamos a ser arrogantes, mas a verdade é que essas pessoas NÃO PERCEBEM MESMO NADA DO QUE FALAM.
É verdade, Varela de Freitas, é verdade. António Nóvoa diz, em boa parte, isso mesmo...
E passamos por "teorizadores de coisa nenhuma" arrogantes... :-[
Gostei de ler, PL. Muito sinceramente.Julgo que em parte por causa da explicitação feita e, por outro lado, pela lucidez da perspectiva. Que pergunta mais estapafúrdia...
"um furo"? "muito fundo"? Pólo Norte? Pólo Sul?
Fez-me lembrar um anúncio da minha juventude sobre os «pólos». QUalquer coisa do género - Quanto Pólos há?... três, Pólo Norte, Polo Sul e Polilon, que são os fechos de correr que a mamã usa - a mamã e as outras senhoras".
E o que vai um tolo pretensamente sábio fazer a-fazer-furos nos Pólos? Já agora, a bolsa para a investigação foi atribuída por quem?
Era isso?! Gosto mais da resposta da saltapocinhas ou da versão do anónimo que fala do super-homem :)
Nelson
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