Se os calarmos não estaremos a ser iguais a eles?
INTROITO 1:
Por iniciativa de alguns deputados alemães o Parlamento Europeu vai propor a eliminação e proibição de circulação de símbolos nazistas no espaço da União Europeia. Com especial destaque para a cruz suástica.
Crêem os deputados que a medida contribuirá para a disseminação da filosofia que lhe está subjacente. Que ajudará na minimização dos movimentos de expressão neo-nazista e nas consequências das suas manifestações e, digo eu, numa "lavagem" de um passado histórico, não muito longínquo, que ainda inquieta algumas mentes.
INTROITO 2:
Há vários anos que sou coleccionador de livros escolares, especialmente, e do ponto de vista formal, aqueles que se destinam ao ensino-aprendizagem/treino da leitura e da escrita, ou os manuais generalistas também conhecidos por "Livros de Leitura". Colecciono-os desde os mais remotos do século XVI até 1976. Recensear todos estes livros neste período é tema é base de dados a anexar à minha (eterna) tese de doutoramento ("manualística escolar") e fazer desse recenseamento uma publicação biobibliográfica ilustrada já foi objecto de conversações entre uma ou outra editora (agora paradas). Possuo a maior colecção privada em Portugal só sendo suplantada, em termos de diversidade, pela Biblioteca Nacional. Tenho feito, a pedido de algumas faculdades e escolas superiores, várias exposições de material didáctico antigo (que não só livros) inseridas em congressos, encontros, jornadas, etc. Ver, por exemplo, aqui. A motivação para tal é antiga. A ela não estará alheia a minha relação distante de parentesco com um dos maiores vultos do ensino das primeiras letras em Portugal: António Feliciano Castilho, meu tio-tataravô, polémico ultra-romântico, não alheio à "Questão Coimbrã" ("Bom-senso e Bom Gosto") e introdutor de um (mau) método de leitura em Portugal, só "derrubado" por outro vulto, João de Deus, autor de outro (menos mau) método de leitura e autora da ainda editada "Cartilha Maternal".
Todavia, tendo já grande parte dos livros dos últimos 300 anos, aqueles que dizem respeito aos séculos XVI e XVII são difíceis de arranjar quer pelo preço, quer pela raridade, quer pela própria inexistência. Pelo que me virei para outras direcções. Do ponto de vista do conteúdo interesso-me muito pelo conteúdo ideológico explícito dos livros escolares. Comecei a adquirir, via "eBay", cartilhas e livros de leitura de países (Alemanha, Espanha e Itália) que, contemporaneamente a Portugal, tiveram regimes ditatoriais nacionalistas e exprimiram-no, muito explicitamente, nos livros escolares. Juntando os quatro países, digitalizando e categorizando as imagens, construí, via Frontpage e pelo servidor sapo, um site que mostra tudo isto. Fui juntado largas dezenas de livros escolares onde abundam imagens da cruz suástica, de Hitler (e dele abraçando crianças), da juventude hitleriana, de Mussolini (e dele abraçando crianças), do "fascio", de Franco (e dele abraçando crianças) e, claro, de Salazar, diferentes presidentes da república do Estado Novo, mocidade portuguesa, etc., etc.
Nas minhas compras dos manuais nazistas no eBay alemão e nos diálogos (do meu alemão arranhado) com os vendedores, reparo na auto-censura que fazem às imagens dos livros, no incómodo em falar sobre isso (quase como se as comunicações electrónicas estivessem a ser vigiadas) ou mesmo recusa em abordar o assunto.
Quase fui "crucificado" quando disse a um sexagenário alemão que o "passado nazista deveria ser assumido mesmo para não ser repetido". A comunicação parou por aí (e a erradicação da minha pessoa do leilão também).
REUNIÃO DE INTROITOS: o incómodo em falar sobre o passado histórico nazi parece ser, para os alemães actuais, algo muito sentido. Ainda hoje se rasgam, queimam ou deitam fora materiais do período 1933-1945 se ostentarem o mais leve sinal do era nazi. Ora a minha discordância radica aqui: por muito que se tenham como "repulsivos" fazem parte de um passado que deve ser recordado, preservado, guardado e estudado. Mas esta auto-censura germânica não se compadece com estes argumentos. Erradicar parece ser, para as gerações menos novas, a palavra de ordem. Como se isso ajudasse a esquecer. E não tem que se esquecer. Tem que se aprender. Alguém disse, à guisa de utilidade da História, que quem não a conhece arrisca-se a repeti-la.
Todavia tal não significa que seja, de modo algum, adepto das manifestações e dos movimentos neo-nazistas que despontam aqui e ali. Muito menos que usem da sua ideologia para cometerem actos de violência, racistas, discriminatórios ou xenófobos. No caso da proposta de legislação alemã, a coisa vai mais longe: é a erradicação total dos símbolos. Irá, à custa disso, destruir-se material com inegável valor histórico? Seguramente. Quem mais queimou livros, por se considerarem contrários à vigência de então, nos idos de 1933-1945? E a seguir? Proibir a simples menção ao tema? Proibir aos neo-nazistas (e, no meio, incluir investigadores, historiadores e simples interessados pelo passado) a liberdade de se organizarem, de reunirem, de se manifestarem (dentro de limites aplicáveis a todos) não é ficarmos iguais a eles? Ad perpetuam rei memoriam...
10 Comments:
Sabes que a guerra é um facto muito recente e ainda há muita animosidade contra os alemães por essa europa fora... talvez só daqui a mais alguns anos, quando tiver morrido toda a gente que sofreu os horrores da guerra eles consigam aceitar melhor a história... Mas os livros deveriam ser preservados... Onde se pode ver a tua colecção?? Adoro livros! E tu tens o MEU da 1ª classe! Eu não tenho o meu, snif, snif
É verdade, saltapocinhas. Na linha da História, a Segunda grande guerra foi "no outro dia"... e eu defendo a preservação do "corpus" histórico qualquer que seja.
Quanto ao livro, a qual deles faz referência? Tenho imensos da 1.ª classe. É aquele que tem o par de meninos da mocidade portuguesa a fazer a saudação romana? Ele foi "livro único" (da Sá da Costa) por muitos anos diferindo apenas na capa. A capa que está no blog é rara. Mas o interior é menos. E até foi reproduzido há pouco. Enlighten me...
Essas imagens do Hitler são dos teus livros?? Custaram um balúrdio, não?
Nelson
Sim, Nelson. Está tudo em http://sintagma.no.sapo.pt. Já os vi chegarem a 50 contos mas nunca paguei tal. O máximo foi 35 contos, se bem me lembro...
Vou cuscar no meu sótão... Eu tenho essa capa na cabeça, se calhar era o do meu marido.
Paulo, da próxima vez que fizeres uma dessas exposições avisa-me com antecedência para o hotmail, ok?
Tina
Paulo,
os alemães ainda vivem no complexo do pós-guerra.
É tudo muito complexo.
Com a reunificação as correntes nazis ganharam novo fôlego.
A invasão de estrangeiros para a reconstrução e taxas de desemprego obscenas de 20% em alguns Laender dão-lhes a justificação.
Não sei como travar esse crescimento até porque foi através de eleições democráticas que o Partido Nacional Socialista tomou o poder...
A Democracia é demasiado frágil para não tomar os seus cuidados.
O problema é, se tomando cuidados , não deixa de ser... democrática!
Fiquei espantado a primeira vez que vi esse livro da primeira classe. Agora fiquei outra vez espantado. E sinceramente não sei o que dizer. Não sabia sequer que isso tinha existido em Portugal.
Ex-Avioneta Malabarista
;-( O que aconteceu ao teu blog, "Avioneta malabarista"?? "Ex" porquê?? Já não consigo aceder a ele? Apagaste-o?? Porquê?? ;-[
Mostrei as imagens à minha mãe. Ela diz que está aí o livro dela que nunca mais conseguiu encontrar. Tens o livro da primeira classe com os meninos da mocidade portuguesa ou só tens o jpg da capa? Tens o meu e-mail :)
Nelson
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