quarta-feira, janeiro 12, 2005

"Sentimentos" caninos…

António “investia” muito no seu cão. Passava muitos dos seus tempos livres com ele: em casa, levava-o a passear, brincava com ele no quintal, etc. Havia quem achava que quase o tratava como um filho. Ele, o António, dizia que “só lhe faltava falar” (o cão). E ensinava-lhe muitos truques. Em todos procurava ter uma abordagem “científica”: recompensava com “tokens”, comestíveis ou não, o cão sempre que a resposta era considerada satisfatória, ou seja, sempre que o desfecho, previsível para o António, era o considerado desejável. O cão parecia ter assimilado, pavlovianamente, a recompensa em certos casos (de comportamento “bem sucedido”) e ausência dela ou “castigo” nos restantes.

Um dia resolveu fazer uma experiência: não recompensou o cão, por três vezes seguidas, depois de ele ter tido o comportamento que o António até então considerava como bem sucedido. À terceira foi, de facto, de vez: o cão rosnou e, agressivamente (coisa que não era nada habitual nele…), abocanhou as calças de António na zona do joelho…

Agora digam-me: o que se passou na “mente” do cão para tal comportamento? Qual a razão, qual a explicação, para tal agressividade? “Indignação”? “Sentimento de injustiça” Num cão? E levem em conta que o cão não é um ser humano…

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pode-se brincar? :) O cão pensou "isto deve ser aquela coisa da psicologia invertida. então também devo ter o comportamento oposto ao esperado. Vamos lá rosnar. Faço tudo pelo meu dono" ;)
Nelson

janeiro 12, 2005 11:42 da tarde  
Blogger saltapocinhas said...

Os animais não devem ser tratados como pessoas. Se eles falassem diriam isso mesmo! Eu abomino as pesssoas que tratam os animais como se eles fossem gente! Se calhar foi por isso que este se chateou!

janeiro 13, 2005 1:59 da manhã  
Blogger LN said...

Sounds familiar...

Risos e beijos de bom dia.

janeiro 13, 2005 10:46 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O cão tem capacidade cognitiva para compreender que parece haver uma "incongruência" no comportamento do dono, isto é, algo que não bate certo. Daí a ser indignação ou injustiça é que não sei.
A.T.

janeiro 13, 2005 7:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bom. Não é só o ser humana que é inteligente. Outros seres também o são. E não me estranha que, assim sendo, o cão seja capaz de detectar uma injustiça. Que supõe uma moralidade. Pode haver moralidade sem inteligência?
David

janeiro 14, 2005 11:43 da manhã  
Blogger LN said...

AT praticamente afirma que o cão tem dissonância cognitiva. Ainda me ri com a ideia...

D, afirma que o cão é "capaz de detectar uma injustiça. Que supõe uma moralidade. Pode haver moralidade sem inteligência?".
Aí está uma dedução em que a inversa não é verdadeira: injustiça supõe moralidade que exige inteligência. Sim, mas, em abono do rigor, qualquer grau de inteligência supõe moralidade?

janeiro 14, 2005 4:10 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Estranho o seu comentário, saltapocinhas. Os cães (e outros animais) não devem ser tratados com respeito? E esse respeito é assim tão diferente daquele que devemos às pessoas? Por exemplo, deve-se tratar uma fera (tigre, leão, crocodilo, etc.) irracionalmente já que ela é uma fera irracional?

Se está a dizer que algumas pessoas "humanizam" os animais até um grau exagerado, concordo consigo. Senão, não... ;-|

janeiro 14, 2005 10:58 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

"qualquer grau de inteligência supõe moralidade?". Julgo concordar consigo, Lucília. À primeira vista parece-me que só a inteligência "não-humana" mais avançada supõe moralidade...

Não há uns registos de uns golfinhos que salvam seres humanos de se afogar num mar em condições extremas? Repare: não estão a salvar pares (outros golfinhos) o que excluirá qualquer tipo de solidariedade inata entre a mesma espécie. Há cães que parece que fizeram o mesmo (e não estou a falar daqueles que são treinados para o fazer...). Os cães e os golfinhos têm "moralidade"? Não sei... se calhar o busílis está na noção de moralidade...

janeiro 14, 2005 11:04 da tarde  
Blogger LN said...

Pois, Paulo...
«à primeira vista parece-me que só a inteligência "não-humana" mais avançada supõe moralidade».
Se mores vem de costumes e a moral reporta a eles,
se a moralidade trata dos valores e princípios, pode ser encarada como fenómeno filosófico e social.
Corroboraria perceber que a moral, o direito e a deontologia vão mudando no tempo... Ah, já agora, precisa do discurso, das palavras...

Não me parece que os golfinhos tenham «qualquer tipo de solidariedade inata entre a mesma espécie».
Aliás, a solidariedade decorre de ter os mesmos interesses (e de se pretender tornar «sólido» num conjunto) e de uma interdependência de interesses. Ora, salvar um desconhecido, de outra espécie, realmente não encaixa.

Uma imprecação: que diabo fizeram aos discursos do instinto? já não há? aboliu-se?

voltarei para saber...

janeiro 15, 2005 12:08 da manhã  
Blogger Chris Kimsey said...

Pareces dizer que qualquer espécie de gregarismo entre animais da mesma espécie é inato. Pelo que dizes (defines) da solidariedade não vejo como não possa existir entre os golfinhos ou outros animais. Até admito que determinados cardumes de peixes, que se deslocam em formações quase cenográficas, o façam por instinto, inatamente não por solidariedade mas como mecanismo de defesa individual, mas tenho imensas dúvidas em seres de inteligência mais "avançada".

Bolas! Porque negamos que a evolução do cérebro humano possa ter dado azo a conceitos "inteligentes" e negamo-lo a outros seres que apenas parecem diferir no mero estado de evolução cerebral? Homocentrismo??

Salvar um desconhecido não encaixa! Pois claro que não... e o oportunismo dos pombos citadinos? Vejamos: a etologia estudou pombos citadinos e, enfim, "parece" ter concluido que as aves levantam voo de uma determinada maneira para serem vistas e seguidas por outros pombos para os afastarem potencialmente de uma fonte de comida que querem preservar para si... isto é o quê? Instinto? Inato? O estudo refere que não acontece senão em pombos de médias e grandes cidades...

O Homem criou o conceito ("moralidade", "consciência", "inteligência", etc.) atribuiu-lhe um significado e parece reclama-lo só para si, exclusivamente. Quando, na verdade, o conceito é-lhe pré-existente noutros seres. É homocentrismo e não é o mero detalhe de a origem etimológica da palavra remeter para uma realidade humana que torna o conceito exclusivamente humano... :-(.

Ao mesmo tempo queremos "humanizar" os animais a que chamamos "domésticos". Eles não são "humanos" mas desgostamos quando eles assumem comportamentos
"não-humanos": o cão morde uma criança? Deve ser abatido! O gato arranha? Castigo nele! Esteriliza-se, eugenicamente, uns e outros orque fazem aquilo que a natureza lhe dita... queremos transformar as "feras" em "fofos" e até os colocamos em jardins zoológicos e achamos graça quando "só lhes falta falar"...

O que é isto? Não são humanos mas se não se portarem pelos nossos cânones humanos, pau neles?

À luz deste homocentrismo vamos destruindo e extinguindo várias espécies animais porque a "humanidade" homocêntrica está acima de tudo...

O discurso do instinto tem sido algo desmistificado pela Etologia e ainda bem. Bolas! Os bichos aprendem! E aprendem cada vez mais coisas e mais variadas. Se isso os aproxima perigosamente da "humanidade", temos mas é que repensar este último conceito e tudo o que ele abarca...

janeiro 16, 2005 12:23 da tarde  
Blogger LN said...

estou quase rindo...
Gostei - sobretudo da veemência.

Quando afirmei que não me parece que os golfinhos tenham solidariedade, julguei ter deixado claro que a tenho (à solidariedade) na conta da interdependência de interesses. E salvar um desconhecido é MAIS do que isso, não encaixa na solidez dos interesses...
(pois, tenho a solidariedade em pouca conta...)

Avisei que a pergunta pelo instinto era uma imprecação.
Mas há instinto - de protecção de vida, maternal (de cuidado da cria), etc...
- e alguns "instintos" são muito fortes no ser humano.

Quanto aos animais, Paulo, acho que o Zoo tem vantagens pedagógicas para os meus filhos poderem ver os animais selvagens em segurança.
E, mais, há animais mais bem tratados que muitos seres humanos...Bolas, escrevi isto à bocado, num comment no Conversamos.

À tua questão da «humanidade» riposto com a (mesma) questão do humano ou da «natureza humana»...
Ando a pensar!... e acho que vou andar uns tempos mas nunca se sabe.. ;-)

Boa semana, com veemência e entusiasmo. Que a vida merece.

janeiro 16, 2005 11:30 da tarde  
Blogger José Azevedo said...

Tinha que vir aqui, que mais não fosse picar o ponto :-)

Gostei de ver desaparecer o "instinto", como gosto de ver desaparecer qualquer barreira ao entendimento. Gostei de ver pelo menos um comentador incauto :-) concordar que existe inteligência noutras espécies.

De resto, é como em muitos assuntos: pode ficar-se a debater até à eternidade, se não se definirem os conceitos à partida. E conceitos como o de "inteligência" ou de "consciência" (já para não falar de "moralidade") são renitentes a definições.

Mas sabem o que é sobretudo importante? Que os biólogos, os filósofos, os educadores e os outros :-) se apercebam dos laços que têm com o mundo natural. De como fazemos parte de uma delicada tapeçaria que, para além de ser a coisa mais maravilhosa no Universo (até ver!), nos mantém vivos. De como um chimpanzé é uma lembrança viva do nosso passado recente. De como a nossa civilização tecnológica está para a biosfera como um elefante para uma loja de porcelanas.

Não é importante para alterar nada, note-se! Só, talvez, para manter viva a memória do que poderia ter sido.

janeiro 25, 2005 12:44 da manhã  

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