terça-feira, janeiro 11, 2005

”R(e)volução nas regras do ensino superior” ou o spaghetti à bolonhesa: muitos falam dele mas todos terão que o comer...

Madalena Queirós publica no Diário Económico artigo (”Revolução nas Regras do Ensino Superior“) pertinentemente destacado no blog Que Universidade por J.Matos. Naquele, e não tendo o hábito de me pronunciar (senão jocosamente neste blog) sobre o Processo de Bolonha, há alguns aspectos que gostaria de comentar.

1. “A mudança começa na avaliação baseada em frequências e na matéria que é dada nas aulas. A partir de agora as horas de estudo feitas em casa, o tempo que os estudantes levam a desenvolver determinados projectos, todo o trabalho desenvolvido pelo estudante, vai passar a contar para nota. O processo de ensino vai assim centrar-se na «aprendizagem do aluno» e não nas horas de aulas dadas por cada docente, afirma Pedro Lourtie

Parece-me, sem ter reflectido profundamente, bem. Isto implicará uma reformulação curricular profunda dos planos de estudos (e não necessariamente de todos os programas das disciplinas) que não antecipo fazer-se senão devagar, devagarinho e lentamente. Muito trabalho “extra-escola” do professor e dos Departamentos Científicos. Não faltarão acusações aos professores de “dar as aulas e ir embora” como se não tivessem trabalho extra sala de aula…

2. “Em vez de estarem preocupados com o número de horas de aulas terão que preocupar-se com o que os estudantes aprendem”

Importam-se de passar esta mensagem, de uma forma inequívoca, aos Conselhos Directivos, muitos obcecados com a simplismo da gestão “quem dá o quê e quanto” (critério administrativo)? Parece ser, pelo menos ao nível das intenções, a valorização do pressuposto pedagógico. Ver nota seguinte.

3. “Assim, o trabalho dos estudantes passará a ser contabilizado em horas de formação quer sejam aulas, tempo de estudo, tempo de estágio, trabalhos no terreno e horas desenvolvidas em projectos de estudo. Carga que será depois contabilizado em unidades de crédito. O número de créditos da cada disciplina será definido pelo conselho científico de cada estabelecimento de ensino. “

Já se faz tal, em boa parte, nos cursos de formação de professores com registos próprios. A regra de ter os Conselhos Científicos a tratar disso é que me causa alguns arrepios na espinha… a operacionalização destes momentos curriculares em critérios de avaliação (uma avaliação contínua?) rigorosos, adequados e justos não é nada fácil. Terá consciência disso a nossa classe docente do ensino superior? Não basta meia dúzia de patacoadas. Paralelamente, não ter esse esforço é enveredar por avaliações e classificações ambíguas e potencialmente injustas. Venham de lá os “docimólogos” e os especialistas (??) das Ciências da Educação a explicar como, num processo que pode e dever ser iniciado, reflectido e massificado pelos tão injustiçados (pelo, entre outros, esvaziamento de funções, incluindo-se, pasme-se, as pedagógicas…) Conselhos Pedagógicos, se operacionaliza tal diversidade de momentos em critérios de avaliação (em competências, em objectivos de diferente especificidade e/ou em critérios de sucesso, perfís de saída, etc., etc.)

4. “Também a avaliação nacional de zero a vinte terá que ser traduzida para o sistema de avaliação europeia que prevê para os alunos aprovadas classificações de A a E”

Uso esta escala há anos embora não nas provas escritas (exames e frequências). Aconselho-a, sem abusos, quando não temos/existem parâmetros de avaliação muito pormenorizados e em momentos de avaliação relativamente circunscritos.

5. “Esta classificação revela a posição relativa do aluno face ao universo de toda a turma. Assim, os 10% de alunos melhores terão a classificação A. A nota B será atribuída a 35% dos melhores alunos.”

O que é isto? A aplicação explicita e intencional da curva de Gauss? Hummm…

6. “No final da licenciatura, a instituição terá que fornecer ao aluno um Suplemento ao Diploma, bilingue, que descreve todas as competências adquiridas ao longo do curso que aponta as classificações nacionais e a sua tradução para a escala europeia.”

Óptimo. Nem deveria ser necessário “Bolonha” para tal acontecer. Algumas escolas e alguma formação profissional já o fazem.

7. “Um instrumento que fornece informações claras para todos os os empregadores europeus. Assim o recém-diplomado poderá concorrer a empregos em qualquer país da UE.”

É desejável (e inevitável) que tal aconteça num mercado de portas abertas. Mas temo, face à relativa inércia do ensino superior português e da lentidão da preparação para os princípios de “Bolonha”, que tal não ocorrerá sem prejuízos para os formados portugueses…

8. “Para os estudantes que pretendam fazer parte da sua licenciatura num país diferente, está prevista a assinatura de um contrato de formação entre o aluno e as duas instituições de ensino superior.”

Bom. É sempre bom colocar as coisas “preto no branco”, o que parece faltar muito mundo do ensino superior português onde o lebenswelt pedagógico e científco não formalizado abunda e tantos danos acarreta.

No geral, e não sendo alguém especialmente entendido e comentador das (grandes) modificações que “Bolonha” irá desencadear, julgo que o cenário relativamente caótico (ver outros post's) - recorda-me um bocado a imagem do esparguete no spaghetti à bolonhesa (notaram a mancha de bolor no esparguete da imagem?)- do nosso Ensino Superior: ainda adormecido, mais ao nível das práticas do que ao dos discursos, face às previsíveis consequências de “Bolonha”. Ao nível dos discursos, tantos peroram sobre ele (a agora eu também...) mas já não faltam muito para todos terem que o comer. Quer queiram, quer não...

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Vai-me desculpar mas essa história de os professores darem as aulas e irem embora no superior é bem verdade.
A.P.

janeiro 11, 2005 11:16 da tarde  
Blogger Acilina said...

Discordo em absoluto do comentário anterior!

Quanto à "bolognesa" poderá ter as suas virtudes... mas se com isso se pretende uniformizar e massificar o ensino, não concordo. Acho que a diferença é enriquecedora. Deve haver escolas melhores que outras, para poderem acolher os melhores alunos. Não somos todos iguais. Felizmente! A diferença é enriquecedora. Um aluno excelente pode morrer de tédio numa escola para alunos médios. Um aluno pouco dotado não consegue acabar um curso numa escola de elevada exigência.

janeiro 12, 2005 2:47 da manhã  
Blogger LN said...

Bom dia, Paulo.
Não abri o comment para falar de Bolonha, concretamente.
Muito já foi dito, aqui e antes e noutros sítios. Ainda assim, julgo que Bolonha é mais geo-estratégico-político que outra coisa, embora constitua um desafio e uma oportunidade de mudança de paradigma e de modelos do ensino superior. Designadamente em e para Portugal.

Mas em boa verdade foi a segunda parte do comentário anterior (da homoclinica) que me incomodou.

Depois de afirmar o valor da diferença, enuncia-se a norma de "deve haver escolas melhores que outras, para poderem acolher os melhores alunos"

Credo... isto é afirmar algo evidente (a diferença entre os seres humanos) e daí deduzir, em vez de diversidade convivente, uma exclusividade de «melhores» e «piores», uma espécie de aristocracia intelectual...
E julga-se pelas notas? que giro...sendo sabido que melhores notas não significa necessariamente mais aprendizagem. Significa melhor classificação. Ponto.
«Um aluno excelente pode morrer de tédio numa escola para alunos médios. Um aluno pouco dotado não consegue acabar um curso numa escola de elevada exigência.» assim está afirmado.
Portanto, salvemos uns e outros de lidar com a vida e a diferença e coloquemo-los em «ghettos» ou «casulos», bem protegidinhos uns dos outros.
Cheira-me a castas - só falta dizer que os excelentes governarão e os pouco dotados nem poderão levantar muito a cabeça.
Ah, e que todas as premissas da educação inclusiva se anulem e que os que têm handicaps fiquem todos juntinhos (e protegidos da «normalidade»)...

Sério que me incomoda. Ou percebi mal?!!!

janeiro 12, 2005 9:43 da manhã  
Blogger Chris Kimsey said...

Homoclinica, também eu discordo em absoluto do comentário anterior. Não acho que seja(m) uma (ou algumas) má/más árvores que enfeiam a floresta...

Já não concordo é muito com as suas restantes posições. Neste caso ("Bolonha") julgo que se quer uniformizar para gerar mais qualidade. É que, repare, o mosaico de diferentíssimos modelos de ensino superior faz com que um avalie o outro como tendo pouca qualidade porque o julga pelos seus padrões. E aqui quer-se, justamente, uniformizar alguns padrões para se aperceber melhor da qualidade e, consequentemente, destaca-la e gera-la. Percebe?

Neste caso a diferença não é propriamente enriquecedora: diferença de posições em relação à ciência, à pedagogia, etc., é enriquecedora, mas não a modelos organizacionais completamente díspares que, por isso não geram relações entre universidades e escolas superiores de diferentes países tais são as diferenças organizacionais entre elas...

Por outro lado, a diferença que faz com que "Um aluno excelente pode morrer de tédio numa escola para alunos médios. Um aluno pouco dotado não consegue acabar um curso numa escola de elevada exigência" não advém do modo como se diferentemente se organizam umas em relação às outras (em termos do n.º de anos de um curso, dos graus académicos e outros critérios quase administrativos) mas do rigor, da atenção, do empenho, da qualidade (da selecção de alunos, também, claro...) que manifestam no seu dia-a-dia...

O que achas, Lucília?
P.L.

janeiro 12, 2005 2:37 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Ops! Lucília? Quando eu disse "Homoclinica, também eu discordo em absoluto do comentário anterior", referia-me ao anterior em relação ao da Homiclinica, ao primeiro de todos... não o seu....;-D

janeiro 12, 2005 2:53 da tarde  
Blogger LN said...

Percebi o anterior do anterior..
:-)

Bolonha parece umas quantas palavras de ordem, em que a primeira é empregabilidade e a segunda mobilidade. Ah, e aproveitamos, qualidade e metodologias. Objectivo de competir com o além-Atlântico...

«diferentissimos modelos de ensino superior», sim,e num sistema binário que se foi tornando híbrido com as universidades a fazerem deriva profissional e os politécnicos a fazerem deriva académica...
Supondo um patamar (pelo menos mínimo) de desempenho (e de brio profissional?), as diferenças podem ser enriquecedoras, se geridas e se abordadas de forma centrada na aprendizagem em vez do ensino puramente.
Parece-me é que o ensino superior nacional está, na generalidade, mais fechado que aberto.
E esta afirmação é injusta, por generalista....

Mas isto é sabidissimo.
E não era dessa diferença que falava o post da homoclinica.
O que entendi das diferenças e considerei incomodativo era "das escolas para» porque, que eu saiba, as escolas destinam-se aos que lá entram, sejam «excelentes» ou »menos dotados». Ou é para «graus» de alunos?

Até porque estamos a pensar em classificações, não é?
um excelente aluno é o de 19/20?
é sabido que as noitas valem o que valem...
a mim, a experiência diz-me que um excelente profissional pode ter sido um aluno mediano e que um aluno de notas altas, pode ser um «papagaio» do que está nos livros... e agora?

beijos, Paulo, que voltámos aos diálogos...
;-)

janeiro 12, 2005 11:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A aplicação da curva de Gauss não é um regresso aos "velhos tempos"?
A.P.

janeiro 16, 2005 8:04 da tarde  

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