Concursos com Imagem Digitalizada (C.C.I.D.)(III): Proposta e pedido de auxílio
Já me referi por duas vezes (post’s de Sábado, Novembro 27, 2004 e Quinta-feira, Dezembro 25, 2003) aos “Concursos com Imagem Digitalizada” (adiante C.C.I.D.) que têm tresandado a admissão de docentes no ensino superior especialmente o ensino superior politécnico. No ensino universitário, não tão frequentes, também os há. Está neste último aquele que mais me repulsa causou: pedia um docente para a área de Psicologia e estipulava, como critério de preferência, que o candidato tivesse feito uma especialização numa escola identificada num intervalo de 5 anos. Qualquer coisa do tipo: “Terá que ter estagiado na instituição tal entre 1981 e 1985 e ter seleccionado o ramo tal, especialização tal". Mais recentemente um concurso para professor-adjunto numa escola superior da zona da Beira Alta listava as disciplinas para as quais o candidato deveria ter “experiência” (resultado: o “candidato da casa” teve 18 vírgula tal valores e um candidato externo ficou-se pelos dois vírgula tal). Jorge Morais e Luís Moutinho também destacaram, com uma indignação legítima, outros concursos, entretanto comentado por outros bloggers.
Para quem não sabe, os concursos para pessoal docente das instituições públicas de ensino superior (universidades e politécnicos) em Portugal são todos concursos documentais, isto é, são concursos "externos" já que são abertos a qualquer candidato que reúna as condições para concorrer. E são uma vergonha. Sobretudo no que toca às condições para concorrer. Teoricamente, eles são abertos para todos, todos aqueles que reúnem as condições do respectivo edital. Na prática só abrem para o candidato que se tem em mente. Até há algum tempo (2, 3 ou mais anos) estes "C.C.I.D." só ocorriam quando estava em jogo uma vaga de quadro, isto é, uma vaga para um professor "quasi-efectivo", já que urgia passar um período de 3 anos após o que, avaliado pelos seus pares, transitava para o quadro. Na maioria esmagadora dos casos, esta passagem concretiza-se pela mera passagem do tempo. Esta lógica aplica-se, no ensino superior politécnico do qual tenho mais conhecimento, para as vagas de professor-adjunto e, semelhantemente, professor-coordenador. Actualmente a lógica dos "C.C.I.D." concretiza-se até para assistente do 1.º triénio, qualquer que seja a àrea, qualquer que seja a escola. "C.C.I.D." ou "concurso com fotografia" quer dizer que na concepção do edital do concurso (a publicar na II série do D.R.) existe, conscientemente, a preocupação de incluir um texto e uma semântica que assegure que o candidato que ganha o concurso seja, de facto, aquele que se quer a priori, que ganhe. Seleccionam-se os critérios de preferência à imagem do candidato a ganhar, podendo incluir-se, propositadamente, a sua licenciatura, mestrado ou doutoramento, dois dos três ou mesmo os três e respectivas especializações. Pode-se assegurar que tenha participado nos projectos e frequentado as acções de formação que o candidato participou e frequentou e outros. Deste modo, muito dificilmente o candidato ganhador não terá, antecipadamente, vencido e encimado a selecção e seriação dos candidatos opositores. Em última instância poderá só haver uma única pessoa em todo o país que cumpra os requisitos e os critérios de selecção do “C.C.I.D.”
Todavia, vão havendo alguns concursos onde esta maquiavélica semântica no edital do Diário da República não é tão profundamente explorada ou não é de todo. Isto é, identificam uma licenciatura e, amplamente, um mestrado sem especificarem detalhes de qualquer um e definem critérios de preferência que são relativamente comuns a muitos potenciais candidatos (3 anos de experiência docente, experiência docente na área em que é aberto o concurso e afins). Estaremos perante um concurso transparente? Nada mais errado. Pela minha experiência há duas possibilidades de explicação:
1. ou o júri está tão convicto que vai colocar o “seu” candidato no primeiro lugar que não se deu ao maléfico cuidado de redigir um edital à sua imagem;
2. ou o júri é ingénuo o suficiente para não se aperceber que o perfil abrangente que pedem é potencialmente comum a muitos candidatos com lugares precários noutras escolas.
Em qualquer dos casos, o problema gerado pelas duas alíneas anteriores é facilmente resolúvel:
1. são engendradas, pós encerramento da data de candidatura, ponderações maiores para os critérios onde o candidato da casa tem mais-valias;
2. pode ser feita uma entrevista (muitas vezes aparece no edital como “entrevista se o júri considerar necessária”) onde o “candidato da casa”, alegremente “entrevistado” pelos seus pares, é cotado com o máximo (ou próximo dele) de pontos em detrimento dos outros “intrometidos” externos. Resta dizer que também a entrevista pode ser cotada, nas alíneas de selecção, como valendo tanto ou mais que a análise do “Curriculum Vitae”.
Mas vamos supor que não houveram cuidados “especiais” na génese do edital do concurso e que não se previa a possibilidade de entrevista. E que havia um candidato "de fora" que, manifestamente tinha um “Curriculum Vitae” tão “forte”, tão mais diverso em comparação ao “candidato da casa” que o júri não se deu ao trabalho de tentar “adaptar”, à posteriori, os critérios de preferência ou as respectivas ponderação do “candidato interno” ao concurso de modo a ser este último o seleccionado.
Aqui podem acontecer duas coisas:
1. “admite-se” o candidato da casa nunca publicitando a lista de classificação final aos restantes candidatos pelo que estes, perante a ausência de tal acto administrativo, nada poderão fazer pelas vias judiciais porque o juiz a quem se fazer impender um requerimento de anulação não se pode pronunciar sobre um concurso que, administrativamente, ainda não foi formalmente encerrado (como me aconteceu numa faculdade da universidade do Porto). Isto acontece sobretudo para categorias inferiores às de “quadro”;
2. encerra-se o concurso sem admitir ninguém esperando, numa ulterior oportunidade, reabri-lo à imagem do “candidato da casa”. E que argumento podem invocar para este inopinado encerramento do concurso?
Ou simplesmente nada dizem ou este, por exemplo:
“Considerando a actual situação do Ensino Superior, nomeadamente no que respeita à diminuição do número de alunos e, em particular, dos candidatos a cursos de Formação de Professores, informa-se que, por Despacho do Presidente do (…), foi anulado o concurso para recrutamento de Pessoal Docente em epígrafe”
(missiva recebida pela minha pessoa, hoje, 3 de Janeiro de 2005.)
Quando terminará esta autêntica vergonha? Estamos perante um cenário surrealisticamente ridículo onde acontece algo como:
“Nós, júri do concurso desta escola superior, abrimos este concurso para um candidato da nossa escola. Sabe-mo-lo. E sabemos que você, potencial candidato a este concurso, também o sabe. Por conseguinte pode concorrer, e gastar dinheiro em fotocópias e autenticar originais se caso, e até vir à entrevista, se houver, mas saiba que nunca irá encimar a seriação. Mas concorra! Nós precisamos de fazer a coisa de um modo que, sendo legal, não pareça amoral. E para isso é-nos conveniente ter mais candidatos e poder fazer uma seriação final que pareça coerente, bonita. Não concorram é muitos se faz favor, que isso dá muito trabalho de análise de curriculuns vitae e de reuniões”
Recentemente concorri a alguns concursos de onde destaco:
1. uma escola superior do centro do país encerrou, após todas as demarches concursais feitas, um concurso para professor-adjunto porque os candidatos “de fora” tinham, manifestamente, melhor mais-valia curricular que o “candidato da casa”. Não houve qualquer explicação para o encerramento;
2. uma escola superior da zona da grande Lisboa, num concurso para assistente, encerrou o concurso enviando-me a carta que consta no ponto dois supra-escrito;
3. uma escola superior da zona da grande Lisboa num concurso para professor-adjunto onde os candidatos da casa ficaram nos dois primeiros lugares porque se avaliou o “conhecimento dos contextos educativos d[a zona]” com uma ponderação maior do que mestrado e doutoramento juntos. Atrás ficaram doutorados, alguns com dezenas de publicações comprovadas e enviadas (próprios originais) em contraposição a publicações internas à casa de um dos candidatos... "da casa". O júri decidiu, em carta que me foi enviada, que tinha dado diferentes valores aos artigos publicados em revistas científicas, isto é, “de acordo com o conhecimento que o júri possui das publicações referidas nos curriculas vitae” (sic), o júri cotou-as diferentemente. Candidatos com publicações científicas em revistas estrangeiras e internacionais e/ou em maior quantidade e/ou que não as internas “à casa” tiveram cotações significativamente menores. Isto num concurso onde fui ver os processos à própria escola e onde o júri desta, ingenuamente, englobou mensagens de e-mail dos seus elementos a dar noticia do mesmo concurso a terceiros e a convida-los (pasme-se…).;
4. uma escola superior preteriu-me, num concurso, porque entre o encerramento do concurso e os onze meses que demoraram a admitir o candidato vencedor, ele fez o mestrado e foi-lhe cotado. Justificação do presidente do júri: "Não podiamos prejudicar os candidatos nem mesmo os cá da casa" (sic)
E de outros tenho conhecimento... (alguns presididos por pessoas que já manifestaram repúdio face a tais procedimentos). Aqui há uns meses, num encontro vastamente presenciado por docentes do ensino superior, falava-se, num círculo onde eu estava incluído, de concursos. Eis que um presidente dum Conselho Científico duma escola superior da Beira Alta diz, referindo-se a um concurso que a sua escola tinha aberto há poucos meses, altiva e explicitamente:
"para esse nem foi preciso fazermos batota..."
I beg your pardon? Foi somente para todos os outros? Ah! Ainda bem... fico mais descansado...
Quanto a mim, vou, nem que seja tarde à noite, perscrutar todos os concursos de 1 a 31 de Janeiro de 2005, analisar as habilitações pedidas e tentar encontrar, quer no site do pessoal docente do ensino superior, quer via google, quem é o candidato para o qual abre, intencionalmente o concurso. Algo como Luís Moutinho fez no seu blog. Ulteriormente, publicita-lo neste blog e, eventualmente, enviar um e-mail à instituição que abriu o concurso a denunciar o carácter amoral do mesmo e indicar o candidato que no concurso encaixa "como uma luva". Finalmente, veria com bons olhos que um site (por o exemplo o do SNESup que mantém um endereço para este efeito) publicitasse o concurso, com carácter denunciativo, e respectivo candidato "predestinado". Como não percebo das ramificações científicas (em termos de mestrados e doutoramentos ou outros critérios de um concurso) que não as minhas, peço o auxílio dos meus colegas do Meta-blog para me ajudarem nesta denúncia. Desse modo se poderá um pequenino passo para denunciar um verdadeiro escândalo que assola este Portugal dos Pequeninos…
Quanto a mim, vou, nem que seja tarde à noite, perscrutar todos os concursos de 1 a 31 de Janeiro de 2005, analisar as habilitações pedidas e tentar encontrar, quer no site do pessoal docente do ensino superior, quer via google, quem é o candidato para o qual abre, intencionalmente o concurso. Algo como Luís Moutinho fez no seu blog. Ulteriormente, publicita-lo neste blog e, eventualmente, enviar um e-mail à instituição que abriu o concurso a denunciar o carácter amoral do mesmo e indicar o candidato que no concurso encaixa "como uma luva". Finalmente, veria com bons olhos que um site (por o exemplo o do SNESup que mantém um endereço para este efeito) publicitasse o concurso, com carácter denunciativo, e respectivo candidato "predestinado". Como não percebo das ramificações científicas (em termos de mestrados e doutoramentos ou outros critérios de um concurso) que não as minhas, peço o auxílio dos meus colegas do Meta-blog para me ajudarem nesta denúncia. Desse modo se poderá um pequenino passo para denunciar um verdadeiro escândalo que assola este Portugal dos Pequeninos…
ADENDA: Comentário a este post de um anónimo (que fez questão de preservar o seu anonimato) ilustra bem o espirito que permite que estes "C.C.I.D." se produzam e reproduzam. Ele/a assevera: «Até porque mesmo que eu saiba de um "concurso com fotografia" não irei denúnciá-lo porque amanhã pode ser para mim esse lugar.» Et voilá!
12 Comments:
Está visto que sou mesmo ingénuo. Tinha conhecimento de alguns episódios deste género mas nunca atingindo a desfaçatez dos exemplos que mencionas. A única coisa que posso fazer é associar-me à tua/nossa luta pela transparência dos concursos para professores do ensino superior.
PJ
Perante o que tenho visto por essas universidades fora, já nada me espanta - nada mesmo. O nepotismo, os compadrios e os amiguismos já andam há demasiado tempo à rédea solta nas universidades (e no resto do país, for that matter). O que mais me decepciona é ver investigadores ainda jovens com as mentezinhas já completamente inquinadas por este sistema corrupto e achando esta "estranha forma de vida" tão natural, que nem sequer concebem que possa haver outras formas de actuar pautadas pela ética e pelo verdadeiro mérito. O único mundo que parecem conhecer é o da fidelidade e subserviência canina aos "mestres". Enfim...
E, é claro, solidarizo-me inteiramente com o Paulo nesta sua luta.
DK
E eu pensava que era só nas Câmaras Municipais e que as universidades eram mais sérias. Está bem...
David
Obrigado, DK e PJ; colegas "vagabundos dos blogs", ;-D, pela solidariedade. Pelo que vejo, dos meus "meta-colegas" é que não parece haver muita. Não faz mal. Falo-ei sozinho. ;-|
Eu ofereço a hospitalidade do UniverCidade para esta luta de denúncia sistemática.
Fica com um abraço.
Pensando alto....
Pois é... houve o boomm das universidades e dos politécnicos, na administração local e administração central.... lugares para toda a gente, agora crise...crise...crise...
Falta de lugares...enfim... fazem levantar um véu de uma situação que se arrasta desde 1974(5), talvez até anterior (não tenho suficiente tempo de vida para o saber, nem vontade ou tempo para o analisar), de compadrios, cunhas e incompetências.
Pena é que só nos lembremos destas questões quando somos o alvo e não quando somos os beneficiários, talvez a consciência seja "algo" que só nos faz acordar quando "somos" os prejudicados.
Até porque "mesmo que eu saiba de um concurso com fotografia" não irei denúnciá-lo porque amanhã pode ser para mim esse lugar.
Boa sorte... para esta luta, que será trabalhosa.
Como posso ajudar?
David
A questão, David, é que eu não tenho conhecimento de áreas epistemológico-científicas que não a minha (ou afins) para aferir se determinado concurso que abre é "com imagem digitalizada" ou não. Como saber de um concurso na área da quimíca se o que pedem na licenciatura e/ou mestrado tem algo a ver com o que pedem no mestrado e/ou doutoramento? E na Física? E na Matemática? E na informática? E na Biologia? Etc. Era para tal que eu pedia a ajuda dos meus "meta-colegas": para cada um aferir, quando aparecesse um concurso da sua área ou de área afim, se, pela natureza das habilitações pedidas, se está ou não perante, e com que grau, um concurso "com imagem digitalizada". Penitencio-me se não fui claro a esse respeito no respectivo post. Até agora a predisposição para colaboração não é muita...
«Até porque "mesmo que eu saiba de um concurso com fotografia" não irei denúnciá-lo porque amanhã pode ser para mim esse lugar.»
Agora é que o A. disse tudo! É por essas e por outras que as universidades portuguesas (e o resto do país) nunca, mas NUNCA se auto-reformarão, e que os compadrios, as cunhas, os silêncios cúmplices se prolongarão... - até que as instituições caiam de podres (e já faltou mais para isso). Felizmente ainda vai havendo pessoas que pensam de forma diferente, mas são - e continuarão a ser - vozes a bradar no deserto. Papel ingrato, este de se ter razão antes do tempo...
DK
«Até porque "mesmo que eu saiba de um concurso com fotografia" não irei denúnciá-lo porque amanhã pode ser para mim esse lugar.»
Pois é, DK. Há muita gente como este anónimo. E não é à toa que ele quer preservar o anonimato.
E bem se engana ele quando pensa que só denunciamos quando nos diz directamente respeito. Parece ignorar que quandó é de outras áreas que não a nossa, não é fácil saber se se trata de "CCID" ou não.
Mas eu descanso com a ideia de que quando um concurso abrir e este anónimo for escandalosamente preterido pela/o cunhada/o, sobrinho/a ou afilhado/a do/a chefe, ele venha com o rabo entre as pernas, nariz empinado e uma indignação hipócrita a gritar "Injustiça! Injustiça!" Pobres néscios de espirito e curtos de alma...
São ingénuas as críticas à "falta de visão" de "Até porque mesmo que eu saiba de um "concurso com fotografia" não irei denúnciá-lo porque amanhã pode ser para mim esse lugar."
A amoralidade vem do facto de não haver estabilidade profissional ANTES de se entrar para uma carreira. De para se poder fazer investigação que dê currículo se ter de passar ANOS de instabilidade... Combata-se a ignomínia dos "recibos verdes" perpétuos, dos contratos "a prazo" perpétuos (ex.º: balões de oxigénio de 3 anos + 3 + 3... dos assistentes e prof. auxiliares)... Caso contrário, quem se arrisca a deixar de poder pagar a casa, a alimentação, os filhos? Quem mora em Lisboa ou Porto tem muitos sítios onde procurar emprego... E quem perder um emprego científico na Covilhã? Na Guarda? Em Bragança? Onde vai trabalhar? Em Lisboa? No Porto? Em Leiria? E a família, fica em casa?... Ou vende-se a casa? E a mulher, vai ter de abandonar a carreira profissional para ter de encontrar outro emprego também a centenas de km?
É a instabilidade contratual nacional que provoca o perpetuar da indecência...
Tem muita razão, último anónimo, muita razão.
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