Concursos e falta de vergonha….

“AVISO
Condições contratuais:
Tipo de contrato: contrato individual de trabalho a termo resolutivo;
Duração: um ano com possibilidade de renovação;
Horário: 35 horas semanais;
Local de trabalho: Unidade de saúde de [uma das ilhas dos Açores];
Remuneração: a correspondente ao escalão 1, do índice 400 da tabela anexa ao Decreto-Lei n.º404-A/98, de 18 de Dezembro;
Conteúdo funcional: constante do mapa 1 anexo ao Decreto-Lei m.º248/85, de 15 de Julho;
Métodos de selecção: serão a avaliação curricular e uma entrevista encontrando-se os critérios de ponderação previamente determinados em acta de reunião do respectivo júri, a concede mediante emissão de certidão.
Modo e prazo de candidatura: os interessados deverão formalizar a sua candidatura no prazo de 2 dias a contar da publicação deste aviso através de requerimento dirigido à presidente do júri, devendo do mesmo constar a identificação completa (nome, data de nascimento, número, data e arquivo de identificação do bilhete de identidade, número de contribuinte, residência e número de telefone), habilitações académicas e original do certificado de habilitações;
Os requerimentos deverão ser acompanhados do curriculum vitae
A Presidente do Júri”
Assim mesmo. Não tenho dúvidas que consultando os Decretos-Leis acima referenciados se poderá descobrir:
a) não é necessário identificar o local de trabalho: basta uma alusão abstracta (“unidade de saúde” é o quê? Hospital? Centro de Saúde? S.A.P.? S.L.A.T.? Outro?)
b) não é necessário indicar o endereço para onde os/as potenciais candidatos/as deverão enviar as candidaturas (poderão enviar para todas as “unidades de saúde” da área e esperar que aquela que abriu o concurso seja contemplada com a remessa);
c) é obrigatório enviar o “original do certificado de habilitações” que, aliado à alínea anterior, terão que ter tantos originais quantos as “unidades de saúde” a quem vão enviar a candidatura – por tal, deverão os potencias candidatos apressarem-se a pedir várias segundas vias de originais já que…
d) … só têm “2 dias” para fazer isso tudo.
Estaremos perante uma/várias gralha(s) monumental/ais? I don’t think so… mas se o/a leitor/a pensar que é um concurso para meter algum afilhado de algum V.I.P. de uma das ilhas dos Açores, está muito enganado/a já que “os critérios de ponderação previamente determinados em acta de reunião do respectivo júri, [que] a concede mediante emissão de certidão”. Terá é que descobrir a quem os pedir…
Nas Câmaras Municipais os concursos mafiosos abundam. A grande diferença em relação aos do ensino superior é que tendem a ser muito mais ingénuos nos editais dos concursos e no desenrolar dos mesmos. Colega minha, antropóloga de formação e docente de profissão, uma vez concorreu a um concurso externo de uma Câmara Municipal do norte do país. Foi chamada à entrevista. Foi. Soube, in loco e in situ, que iria ser entrevistada pelo próprio presidente da edilidade. Algum espanto mas lá entrou no gabinete do homem. O edil perguntou-lhe onde tinha ido passar as férias do Verão do ano anterior. Pensou a antropóloga: “Estará a quebrar o gelo inicial…”. Daí em diante a entrevista foi única e exclusivamente o senhor a falar das suas férias nas ilhas Baleares, de como gostava da areia, da comida, etc., etc.
Ao fim de 25 minutos deste paleio, a minha colega antropóloga perguntou envergonhadamente:
- “Desculpe lá... não me vai fazer perguntas sobre o meu curriculum vitae, sobre a minha experiência profissional?”.
Resposta lapidar do senhor edil:
- “Nããããã, não vale a pena… olhe… nós já temos a candidata seleccionada. É cá nossa funcionária mas a chatice da lei obriga-nos a fazer estas coisas dos concursos e das entrevistas… não leve a mal…”
TAU!
A minha colega antropóloga levantou-se e saiu da sala sem dizer uma palavra. Regressou a Corroios. Mais tarde recebe carta onde se afirma ter sido "excluída por não ter a classificação mínima de 9,5 valores na entrevista profissional"…
E assim vai o nosso Portugal dos pequeninos…