sábado, dezembro 27, 2003

Estado cívil e questões fiscais

Já há algum tempo que me apercebi que o nosso governo não é, contrariamente ao que propala, apologista de uma política fiscal justa e adequada ao perfil do contribuinte. Esta opinião parece ser, à excepção dos mais obcecados representantes da nação da nossa maioria parlamentar e lideres do governo, um consenso. Todavia, é daquelas coisas que a gente sabe, revolta-se, protesta em conversa de café mas parece só acontecer aos outros. Até há poucos anos.
Nunca me casei. Nunca pensei seriamente nisso. Minto. Quando o fiz, fi-lo numa perspectiva de constatar que nada de vantajoso viria de um matrimónio concretizado, festejado e consumado numa data qualquer. Daí que partilhe de uma relação com a mãe do meu filho de se aproxima dos 25 anos de existência sem nunca ter experimentado o nó institucional e religioso. Não perfilamos, sequer, o que a lei designa de "união de facto", espécie de institucionalização artificial que, ridiculamente, parece precisar do carimbo de duas casas comerciais e/ou do presidente da junta de freguesia para se legitimar. Este/a senhor/a e aqueles/as dois comerciantes é que atestam da constância e legitimidade afectiva da relação entre duas pessoas "unidas de facto". "Sim, senhor! Eles andam juntos. Tenho-os visto!", dirá o/a representante do poder local na sua menor expressão, no que é corroborado pelo Sr. Manel do café e pela Sra. Maria da Padaria.

Mas falava eu da relação entre o estado cívil e das contribuições fiscais. E até as da Segurança Social. Sou, portanto, solteiro para todos os efeitos. Sobre a minha solterice já falamos. A verdade é que, sendo "não casado" (que é a categoria que se alega no boletim do IRS e em muitos para a segurança socal) tenho beneficiado de algumas vantagens que a situação de casado impossibilitaria. Vejamos: a mãe do meu filho paga prestações da casa onde moro alguma parte do tempo. Se fossemos casados, a prestação seria de acordo com o rendimento dos dois e não só dela e, obviamente, maior. Assumo-me como mero fiador.

De igual modo os subsidios "naturais" da segurança social para o nosso filho Alexandre são contabilizados em função do estado cívil da mãe. Recebemos o máximo. Para a segurança social, o nosso rebento é um pobre bébé, filho de mãe solteira, pobre e abandonada, que cuida, solitariamente, da sua sobrevivência. Não desperta uma lágrima no canto do olho do ignoto funcionário público que trata do caso mas encaixa numa categoria informática pré-definida. Gabo-me, brincando, de ter um abono de familia, em nome da mãe, maior do que alguns colegas meus, de rendimentos semelhantes, mas que recebem uma prestação assaz menor.

Em termos fiscais, o meu filho acompanha a minha declaração de IRS. Todos sabem que a diferença entre um, dois ou três filhos é residual sendo que a partir do terceiro é inexistente. Portanto serei, e agora é a minha vez, um pai soleiro para o IRS com as possibilidade de receber e/ou pagar menos de imposto do que um/uma solteiro/a sem paternidade.

O mais engraçado é que nada disto é ilegal. Mas terá um laivo de imoralidade? Terá a minha consciência motivo para zunir qualquer remorso em qualquer canto recôndito? Já cogitei sobre isto.

Em primeiro lugar nada me obriga, jurídica ou moralmente, de me associar ao clube dos casados. O contrário é que seria questionável. Em segundo lugar pensemos nos particulares ou entidades colectivas de driblam os fisco por razões permitidas ou pela ausência da sua proibição ou ainda pela falta de mecanismos de detecção e sanção (as facturas para ressarcimento de IRC, os paraísos fiscais, a não passagem de facturas de todo, as práticas conhecidas e concretizadas - essas sim, ilegais - pelos "empresários", as companhias ficticias, para não falar dos clubes de futebol, os perdões fiscais, etc.,etc). Sendo eu um funcionário que desconta "na fonte", deveria sentir-me incomodado pela minha situação? Enfim, temos um governo que presta atenção, prevê e combate a evasão fiscal e promove uma justiça fiscal adequada? Nem sequer tive direito ao subsidio de desemprego quando perdi o meu emprego numa instituição de ensino superior depois de anos e anos de descontos. Ademais, nunca cometi qualquer falsidade na declaração de IRS, não omiti qualquer rendimento (que me venha à memória) nem acrescentei qualquer "zero" a qualquer despesa. Por esta altura dirá você que eu sou é ingénuo. Provavelmente

Mas a minha ingenuidade direcciona-se, também, no sentido, de não censurar nem esta minha atitude, nem outras afins. Porque os senhores que mandam nos nossos impostos não me merecem a menor consideração, o menor respeito e o menor crédito. E não vislumbro qualquer alteração a este nível nos próximos tempos. Não contarão com o meu voto nem com a minha colaboração. E até lá continuarei com a minha malandrice legal.
Tenho dito.