sexta-feira, dezembro 19, 2003

"O síndrome da patronite aguda"

Este texto é de um ex-colega meu. A situação descrita envolveu-me já que fui a primeira vitima dela. Com a sua autorização publico-o aqui:

«Desde o final de Agosto uma série de assistentes que se encontram no final do seus contratos de provimento, enquanto docentes de uma Escola Superior de Educação, receberam uma carta de rescisão assinada pelo Presidente de um Instituto Politécnico a que pertencem. É uma situação digna da pior das fábricas de calçado do Vale do Ave. A diferença é que neste caso o "patrão" é o Estado e os "operários" são mestres e doutorandos. O governo e os dirigentes, que põem em prática a sua política, consideram estes docentes excedentários porque se tornaram excessivamente qualificados e, como tal, insuportavelmente caros para o Orçamento de Estado.
E, como no ensino politécnico os contratos de provimento são trianuais há que aproveitar o seu termo para expulsar mais uns "improdutivos" ou, pelo menos, pô-los fora da carreira de modo a precarizar ainda mais a sua situação de emprego. Ou seja, volta-se a aceitar alguns destes docentes ("os sortudos") mas equiparado-os à categoria de assistente, com contratos vigentes apenas por um ano. E se durante o próximo ano lectivo se portarem mal, continuando a investir na qualificação ou tentando reivindicar uma melhor situação laboral, corta-se de vez o mal pela raiz e cessa-se definitivamente o contrato.
A empresarialização da educação não é uma ameaça. É já um facto. Ao abrigo da suposta autonomia das instituições de ensino os nossos dirigentes (que não são mais do que docentes eleitos para os órgãos de gestão) comportam-se como autênticos patrões interiorizando os piores vícios desta classe. É um fenómeno dominante na nossa administração pública e que se tem espalhado como um vírus: o síndroma da "patronite" aguda. Este síndroma define o desejo da maior parte dos indivíduos que chegam aos cargos de gestão: mandar e decidir a vida dos colegas que estão abaixo de si, com intuito de continuar sempre na posição cimeira. Finalmente, realiza-se nestas criaturas o poder da vingança em relação àqueles que supostamente os impediram de chegar mais cedo a essa posição ou que representam uma ameaça ao poder que conquistaram e ao qual dedicaram toda uma vida. Uma vida cinzenta cheia de contorcionismos, de ambiguidades e de covardia.
É a estes homens de várias sombras, apartidários ou de todos os partidos, a que os sucessivos governos recorrem como condutores no terreno da política educativa (mas também social, económica, cultural...). Para estes homens a política não interessa, ou melhor, qualquer política serve para realizar os seus interesses particulares. Deste modo estarão sempre bem com qualquer governo. O que os move é o poder pelo poder. O problema é que estes senhores permanecem nos cargos ou ascendem a posições de maior relevo, raramente saem por iniciativa própria ou regressam à situação de meros trabalhadores. E isso é mau, porque são eles que realmente mandam no concreto das nossas vidas. Estamos nas mãos deles, o país todo está nas suas mãos.
[de Renato do Carmo e com autorização]