Concursos com imagem digitalizada
Para quem não sabe, os concursos para pessoal docente das instituições públicas de ensino superior (universidades e politécnicos) em Portugal são todos concursos documentais, isto é, são concursos "externos" já que são abertos a qualquer candidato que reúna as condições para concorrer. E são uma vergonha. Sobretudo no que toca às condições para concorrer. Teoricamente, eles são abertos para todos, todos aqueles que, como disse, reunem as condições. Na prática são abrem para o candidato que se tem em mente. Até há algum tempo (2 ou 3 anos) estes concursos de "imagem digitalizada" ou, numa versão anterior, "concursos com fotografia", só aconteciam quando estava em jogo uma vaga de quadro, isto é, uma vaga para um professor "quasi-efectivo", já que urgia passar um período de 3 anos após o que, avaliado pelos seus pares, transitava para o quadro. Na maioria esmagadora dos casos, esta passagem concretiza-se pela mera passagem do tempo. Esta lógica aplica-se, no ensino superior politécnico do qual tenho mais conhecimento, para as vagas de professor-adjunto e professor-coordenador. Actualmente a lógica dos "Concursos de imagem digitalizada" concretiza-se até para assistente do 1..º triénio, qualquer que seja a Área, qualquer que seja a escola. "Concursos de imagem digitalizada" ou "concurso com fotografia" quer dizer que na concepção do edital do concurso (a publicar na II série do D.R.) existe, conscientemente, a preocupação de incluir um texto e uma semântica que assegure que o candidato que ganha o concurso seja, de facto, aquele que se quer a priori, que ganhe. Seleccionam-se os critérios de preferência à imagem do candidato a ganhar, inclui-se, propositadamente, a sua licenciatura, mestrado ou doutoramento, dois dos três ou mesmo os três e respectivas especializações. Assegura-se que tenha participado nos projectos e frequentado as acções de formação que o candidato participou e frequentou e outros. Deste modo, muito dificilmente o candidato ganhador não terá, antecipadamente, vencido e encimado a selecção e seriação dos candidatos opositores. O segundo caso mais escandaloso que tive oportunidade de vislumbrar ocorreu numa escola de um instituto politécnico de Viseu, onde, além daquelas preferências todas, até especificavam as disciplinas que o perfil de candidato deveria ter leccionado. Resta dizer que o candidato aprioristicamente vencedor era da casa e, obviamente, venceu. Ele ficou em primeiro lugar com cerca de 18 virgula tal valores e o segundo, um intrometido de fora que só deu trabalho ao jurí, não mereceu mais do que dois virgula tal...
O primeiro caos mais escandaloso que me recordo dos últimos tempos era de uma escola de Coimbra. Além da parafernália de preferências curriculares e outras, rezava o edita qualquer coisa do tipo: "Terá que ter estagiado na instituição tal entre 1981 e 1985 e ter seleccionado o ramo tal, especialização tal". De facto, só falta mesmo colocarem a fotografia ou digitalizarem a imagem do vencedor antecipado e dizerem: "Tem que ter este aspecto".
O mais engraçado é que isto é tudo legal já que as instituições têm autonomia científica para contratarem quem quiserem dentro de um articulado legal que em nada obstaculiza estas situações. O texto é elaborado por alguém (um presidente ou director de um Departamento ou Área Científico/a) e é analisado no Conselho Científico da instituição. Aqui, todos os conselheiros sabem para quem se destina o concurso mas, em surdina, nada dizem. Cogitam expiar antecipadamente, desse modo, não uma ilegalidade mas a imoralidade que sabem estar, explicitamente, a incorrer. Em grupos muito pequenos poderão, olhando primeiro de soslaio para todos os lados, sarcasticamente, gracejar: "Então já vai abrir o concurso para a Maria/para o António?". Eles sabem que também o concurso que lhes proporcionou a sua actual categoria foi aberto, concretizado e fechado nos mesmos moldes. Pelo que qualquer obstaculização não será benvinda: não deve haver lugar à ingratidão já que a pessoa para quem, tão graciosamente, abriram concurso irá, num futuro mais ou menos próximo, retribuir o favor votando favoravelmente a sua passagem a definitivo ou a agregação. E é deste modo que, também, se produz e reproduz a hierarquia social que Pierre Bourdieu tão magistralmente nos mostrou.
E amor com se paga.
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