quarta-feira, dezembro 03, 2003

A caloteirice nacional é uma pescadinha de rabo na boca...

Tenho uma espécie de cunhado a quem devem mais de 15000 euros (cerca de 3000 contos) por trabalhos de construção cívil que ele, à custa de alguns sacrifícios pessoais, foi fazendo em horas extraordinárias. Normalmente, o trabalho encomendado deveria ser pago numa percentagem combinada mesmo antes do seu inicio. Mas ele é demasiado bom compincha para exigir isso dos clientes. E sabe que se o fizer o comprador irá, muito provavelmente, encomendar o serviço a outra freguesia. Não o exige, portanto. E padece por isso. Não raro, muito depois de terminada a obra, o pagamento tarda em aparecer. Vê-se, então, envolvido em idas e mais idas ao local do comprador para cobrar a dívida sem resultado: o comprador alega, com a maior naturalidade do mundo, que não tem que lhe pagar porque ainda não lhe pagaram a ele. E com esta "legitimidade" o manda vir "na próxima quarta-feira, quem sabe...". Na quarta-feira seguinte é a mesma ladaínha.

Estas espécies de avantesmas, empreiteiros e sub-empreiteiros de garagem, ufanam o seu opróbrio antes e depois de adentrarem o seu BMW de alta cilindrada, a sua vivenda de três pisos e a sua piscina nas traseiras da mesma. Eles abundam em Portugal, sem registo, sem alvará e sem licença de construção. Para quê? E ainda são ressarcidos de IRC por parte do Estado de despesas que, outros comerciantes de material de construção, tão prestimosamente facilitam por via de facturas duvidosas. E o meu espécie de cunhado lá vai penando, de quarta-feira em quarta-feira em busca de um dinheiro ilusório que mais não servia para pagar a prestação da casa e o sustento da família. E porque não é ele mais selecto na escolha de clientes? Porque ele sabe que, estas avantesmas que se valem da crise económica para enriquecer, são dos poucos que ainda contratam operários para obras. Sabe que é melhor a perspectiva de algum dinheiro (ainda que muito atrasado) do que nenhum. E sujeita-se.

Não nego que a estes estupores devam algum dinheiro. E que alguns dos devedores sejam organismos do Estado (o maior caloteiro nacional) mas sabe que mantém sempre um generoso fundo de reserva (vindo, sobretudo, dos consumidores comuns que lhe pediram a encomenda da obra) que lhe permite, entre outros, contratar os serviços jurídicos para reaver, ainda que mais tarde, o ressarcimento com juros de mora. O meu espécie de cunhado é que não. E assim vai o nosso "Portugal dos pequeninos"...