Ainda o século XIX: a imagem da mulher pelos cânones masculinos. Para deleite dos machistas…
O indivíduo que me quer catrapiscar para a maçonaria aparece-me, volta e meia por entre as minhas andanças nos alfarrabistas e feiras de velharias, entusiasmado com livros sobre a inferioridade da mulher. Os últimos que me mostrou, “A Tragédia Biológica da Mulher” e “A Mulher não Pode instruir nem Educar” servem para fazer valer a sua posição da condição inata da inferioridade da mulher. Não concordando com tais perspectivas retrógradas, também não tenho tido coragem para deixar de o ouvir. Ele vem com tanto entusiasmo falar-se das suas descobertas e eu acedo em ouvi-lo. Tenho culpa de lhe ter dito que havia escrito um artigo sobre a condição da mulher senhora-esposa-mãe-anjo-dona-de-casa burguesa no século XIX através dos textos dos Manuais de Civilidade novecentistas que vou coleccionando.
Eis alguns dos preceitos daqueles Manuais que agradariam ao “meu amigo” e a alguns machistas disfarçados que ainda pululam por aí:
Antes de casar ouve o noivo:
-“Agora nós, você tenha cuidado no que lhe vou expor, não me seja bandalha da moda e logo que casar comigo há-de viver muito honesta, e essa trufa de fitas logo fora, e o cabelo razo, e quando muito quatro pós, e se agora se enfeita, e estuda antes de namorar por artes novas, de então para diante há-de ser sisuda, modesta e grave, tem percebido? Está por este ajuste? Ao depois não quero histórias”
Se quer ler romances ouve os moralistas:
-“(…) porque sejam eles os [romances] quais forem, sempre hão-de constituir um perigo para a vossa cabecinha ignorante (…)”
Se quer educar tem um prazo limitado:
-“Decorrido o período de amamentação, a mãe deve ainda cuidar do desenvolvimento do filho até aos treze annos. Mas chegado que seja a esta edade cessou com ela toda a actividade educativa da mulher”
E, finalmente, na cama:
-“Meninas que teem vergonha que o homem lhes veja os seios, que não querem luz no quarto, que se recusam obstinadamente a despir a camisa, etc., etc., são esposas postas de parte se não possuírem o bom senso de se resolverem a navegar nas águas amorosas do marido, correspondendo sem relutância ao seu modo de ser amoroso. Outras podem perder por se manifestar em sentido diametralmente oposto ao carácter do homem. A mulher nunca deve manifestar-se antes do homem. Este é que dá o sinal de romper a orquestra: a mulher dança segundo ele toca”
e, se se atrevem a proclamar a exclusividade sexual dos maridos:
-“Enquanto a mulher pode ter, normalmente, mais do que um filho por ano, o homem, no mesmo espaço de tempo, pode procrear muitos. Mas se formos dizer isto a uma mulher, irritarse-há, protestando energicamente, allegando o princípio de que ambos teem os mesmos deveres e, conseguintemente, se ella é obrigada a guardar fidelidade a seu marido, também este deverá corresponder-lhe escrupulosamente. E, se tentarmos explicar-lhe que a própria natureza do sexo carece d’esta liberdade, pois que, enquanto a privação d’este para a mulher é naturalíssimo, para o homem importa já em grandes sacrifícios, responder-nos-há que isso é uma das nossas tantas preventivas justificações para o caso de delinquirmos. Oh! Estas encantadoras criaturas, de cabellos longos… e ideias curtas!”
Júlio Guimarães em “A Maldade das Mulheres” versará, face aos progressos da moda feminina:
“Mas o que eu – tipo austero,
A essas bichas tão ternas
Que nos produzem assombro
É mostrarem-nos as pernas
E os braços até ao ombro.
Muitas delas pelas ruas
(Descaramento tamanho
Que às velhotas causa horror!)
Parecem que andam nuas
Ou prontas a tomar banho
Sem vislumbre de pudor!”
(respeitada a ortografia e sintaxe originais)
Ridendo castigat mores...
7 Comments:
Ah... bons tempos onde um homem ainda podia dizer estas coisas sem parecer escandaloso... :)
Nelson
Pelo comentário acima se vê que ainda há bastantes resquícios daquilo que escreves :(
A.T. (mulher e com orgulho)
Ah... apetece tanto ripostar com as versões femininas das imagens dos homens... No mesmo espírito arqueológico, naturalmente, Paulo!
Apreciei a dos cabelos compridos e ideias curtas, que hoje é de genero universal...
:-)
Ah que grandes tempos!
Pfffffffffff, já nem me lembrava que era assim!
Vês o saudosismo que despertaste? Ganha juízo, homem! :|
David
Xiça!!
Manda lá essas versões femininas, Lucília! ;-)
(A.T. é mulher? Não sabia...:-|)
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