sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Quem disse que os livros escolares antigos eram sisudos?

Possuo alguns milhares de livros escolares de leitura (ou, considerando esta designação ambígua, livros para aprendizagem/treino da leitura e/ou escrita, como lhes prefiro chamar à guisa de algum rigor científico) desde o século XVI até 1980. Viso recenseá-los e, na medida do possível, adquirir todos os que foram publicados desde sempre até 1976 (ano que marca aquilo que se chama o período da “normalização” [Stoer, S.] do sistema escolar e a publicação dos primeiros programas do antigo ensino primário [programas “laranja” dada a cor da capa] que se libertam dos resquícios do status quo escolar do Estado Novo).

Por mais que os analise, mais tenho a sensação de que aqueles pensados e redigidos por escritores não-professores (ou não em exclusividade) e que mais se baseiam no património da literatura infantil, “melhores” me parecem… mas isso são outras histórias...

Por entre os mais antigos, domina a sobriedade nos textos e nas imagens. Não obstante encontrei dois exemplos que me aprecem desafiar essa lógica. Opino que até actualmente escandalizariam os mais libertários e “modernos”. São os seguintes:

- “O rapaz correu direito a elle [ao pai] e o pae pôl-o em pé sobre a bigorna, segurando por debaixo dos braços e dizendo: - Limpa um pouco o frontispicio a este animalão do teu pae, anda... E, então, João Alves cobriu de beijos o rosto enfarruscado do pae e ficou tambem com a cara preta.”
In SARSFIELD, A. (1903) “Leituras para os Meus Filhos”, Typ. da Cooperativa Militar: Lisboa, p.203.

- “No meio d’esta azáfama toda, morreu em 1114 o honrado conde [Conde D. Henrique], deixando uma viuva muita frescalhota [Dona Urraca] e um filho pequeno, que teria os seus tres annos e se chamava Affonso Henriques.
In CÂMARA, J.; AZEVEDO, J. e BRANDÃO, R. (1904) “Livro de Leitura para as Escolas de Instrucção Primaria para a 4ª Classe”, Livraria Ferreira: Lisboa, p. 98.

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Está visto. Se o animalão se juntasse com a frescalhota é que seria um forrobodó! :)
David

fevereiro 12, 2005 2:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pouca sensibilidade para a etiqueta cívica. Tem piada que este registo de linguagem já se perdeu entre as camadas mais jovens do interior do país.
Eram mesmo frescos!

fevereiro 12, 2005 3:58 da tarde  
Blogger saltapocinhas said...

Anos mais tarde as coisas pioraram bastante! Eu guardo os meus e os do meu marido (alguns são iguais) e aquilo é uma miséria: machistas e moralizadores! Blhaaac!

fevereiro 12, 2005 5:20 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ai D. Urraca, D. Urraca! Era duma mulher como tu que eu precisava!:)
Nelson

fevereiro 12, 2005 7:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Acho piada é que o pai se refira a si próprio como o "animalão". Não me parece ser nada característico da época.
A.P.

fevereiro 12, 2005 7:10 da tarde  
Blogger JorgeMorais said...

Gandas malucos, estes escritores...
Hoje em dia, um livro desses faria corar o Paulo Portas e o Francisco Louçã... ;-)

fevereiro 12, 2005 10:18 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tens imagens desses mais antigos disponíveis nalgum site? Podes indicar algum? A Biblioteca nacional não tem quase nada deste tipo.
A. Tavares

fevereiro 17, 2005 7:13 da tarde  
Blogger Chris Kimsey said...

Dá-me o teu endereço de e-mail, A. Tavares...

fevereiro 24, 2005 11:48 da manhã  

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