Quem disse que os livros escolares antigos eram sisudos?
Possuo alguns milhares de livros escolares de leitura (ou, considerando esta designação ambígua, livros para aprendizagem/treino da leitura e/ou escrita, como lhes prefiro chamar à guisa de algum rigor científico) desde o século XVI até 1980. Viso recenseá-los e, na medida do possível, adquirir todos os que foram publicados desde sempre até 1976 (ano que marca aquilo que se chama o período da “normalização” [Stoer, S.] do sistema escolar e a publicação dos primeiros programas do antigo ensino primário [programas “laranja” dada a cor da capa] que se libertam dos resquícios do status quo escolar do Estado Novo).
Por mais que os analise, mais tenho a sensação de que aqueles pensados e redigidos por escritores não-professores (ou não em exclusividade) e que mais se baseiam no património da literatura infantil, “melhores” me parecem… mas isso são outras histórias...
Por entre os mais antigos, domina a sobriedade nos textos e nas imagens. Não obstante encontrei dois exemplos que me aprecem desafiar essa lógica. Opino que até actualmente escandalizariam os mais libertários e “modernos”. São os seguintes:
- “O rapaz correu direito a elle [ao pai] e o pae pôl-o em pé sobre a bigorna, segurando por debaixo dos braços e dizendo: - Limpa um pouco o frontispicio a este animalão do teu pae, anda... E, então, João Alves cobriu de beijos o rosto enfarruscado do pae e ficou tambem com a cara preta.”
In SARSFIELD, A. (1903) “Leituras para os Meus Filhos”, Typ. da Cooperativa Militar: Lisboa, p.203.
- “No meio d’esta azáfama toda, morreu em 1114 o honrado conde [Conde D. Henrique], deixando uma viuva muita frescalhota [Dona Urraca] e um filho pequeno, que teria os seus tres annos e se chamava Affonso Henriques.”
In CÂMARA, J.; AZEVEDO, J. e BRANDÃO, R. (1904) “Livro de Leitura para as Escolas de Instrucção Primaria para a 4ª Classe”, Livraria Ferreira: Lisboa, p. 98.
8 Comments:
Está visto. Se o animalão se juntasse com a frescalhota é que seria um forrobodó! :)
David
Pouca sensibilidade para a etiqueta cívica. Tem piada que este registo de linguagem já se perdeu entre as camadas mais jovens do interior do país.
Eram mesmo frescos!
Anos mais tarde as coisas pioraram bastante! Eu guardo os meus e os do meu marido (alguns são iguais) e aquilo é uma miséria: machistas e moralizadores! Blhaaac!
Ai D. Urraca, D. Urraca! Era duma mulher como tu que eu precisava!:)
Nelson
Acho piada é que o pai se refira a si próprio como o "animalão". Não me parece ser nada característico da época.
A.P.
Gandas malucos, estes escritores...
Hoje em dia, um livro desses faria corar o Paulo Portas e o Francisco Louçã... ;-)
Tens imagens desses mais antigos disponíveis nalgum site? Podes indicar algum? A Biblioteca nacional não tem quase nada deste tipo.
A. Tavares
Dá-me o teu endereço de e-mail, A. Tavares...
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