terça-feira, dezembro 30, 2003

Contado não é acreditado... só visto!

Esta é daquelas coisas que, sendo ridícula, passa relativamente despercebida ao olhar do cidadão comum e evidencia uma faceta pervertida dos "brandos costumes" do nosso "Portugal dos Pequeninos". Acontecia um derby regional entre dois clubes ("Olhanense" e "Louletano") de um qualquer grupo da 3.ª divisão nacional. O jogo estava em atraso pelo que se acertou o calendário com a sua concretização. A circunstância de ser, por um lado, entre dois clubes geograficamente próximos e, desde sempre, rivais e, por outro lado, de ter ocorrido na quadra natalicia propiciou a que o estádio do clube anfitrião tivesse registado um enchente como há muito não se via naquelas paragens.

Sucedeu que muita gente se deslocou de transporte próprio ao estádio. Este, não dotado de parque de estacionamento nas proximidades, ficou cercado, nas ruas adjacentes, de várias centenas de automóveis em segunda e terceira fila, em passeios e, em geral, mal estacionados. Nada de extraordinário. Invulgar foi a Policia de Segurança Pública aparecer e exercer a sua missão: multou paulatinamente muitas das viaturas parcamente (para não dizer "ilegalmente") estacionadas. E fe-lo enquanto os respectivos proprietários se deliciavam a ver os passes de bola no interior da infra-estrutura desportiva.

Eis que a saloiada sai do Estádio e depara-se com as multas afixadas nos pára-brisas dos carros. Indignação geral, conta o pasquim "Correio da Manhã". "Os adeptos das duas equipas (...) ficaram estupefactos e até revoltados, quando no final do jogo com as senhas de aviso da PSP nos pára-brisas", conta o "CM". Como pôde a policia ter feito tal afronta na calada de um jogo de futebol aproveitando-se da ausência dos condutores? Sobraram vozes de revolta contra a PSP, quer dos "distintos" da terra, pequenos "ilustres" do clube anfitrião, quer de outros caciques locais e chefes de família do vilarejo. Como poderiam os agentes de segurança ser tão "doninhas" e "imorais" ao autuar os automóveis sabendo que os seus donos estavam, merecidamente, a ver um jogo da bola nas imediações?

Resta dizer que os "altos dirigentes" do clube anfitrião asseguraram que iriam falar com o chefe da policia local para providenciar que tal "ousadia" não mais acontecesse naquelas paragens. Reza o matutino: "Hoje [29/12/03] o presidente e mais alguns dirigentes do clube vão à esquadra falar com o responsável de forma a que, na medida do possível, idêntica situação não se repita, referiu I.S., chefe do departamento de futebol daquele clube [Olhanense]"

Incrível!

Assim vai o nosso "Portugal dos Pequeninos"...

segunda-feira, dezembro 29, 2003

Humanização das mensagens de erro

Todos nós sabemos que os computadores bloqueiam por razões que, francamente, desconhecemos. Já o ouvi de supostos ou reais técnicos de informática. Todos sabemos que, na maior parte dos casos, a solução mais usada e fácil por excelência é teclar simultaneamente o CTRL + ALT +DEL e/ou reiniciar a máquina. Antes disso, porém, surge-nos ou o ecran imobilizado na janela onde estava ou o ambiente de trabalho em igual estado. Teclas e suas funções não funcionam a não ser as supra-citadas.

Tenho reparado que algumas das mensagens de erro não são propriamente neutras em termos dos "cânones" humanos. É claro: foram idealizadas por um programador que as redigiu ou traduziu. Duas merecem-me particular atenção. A primeira: "Você utilizou uma operação ilegal e o seu computador irá ser encerrado" ou parecido parece sugerir que transgredimos uma lei pelo estigmatizante termo "ilegal". Como que se alguém, um qualquer "Bigbrother" de meia tijela, estivesse a espiar-nos e desse pela coisa e enviasse tal transmissão. A sansão é quase sempre imediada: "desligamos-lhe a máquina para o educar e você não repetir tais afrontas!"

A segunda mensagem aparece-me quando tento ligar o scanner sem, por esquecimento, ter feito a ligação do cabo USB. A mensagem é muito menos violenta: "Você provavelmente tem um scanner ligado. O computador é que não consegue detecta-lo" ou afim. Boa! "Ele" parte do generoso princípio de que a culpa não é minha que é do PC, que há alguma coisa, e seja ela qual for, cuja responsabilidade não me pode ser imputada. E que esta ocorre algures no hard ou software do aparelho. Gostei. Porque não fazem assim todas as mensagens? Deixavam de nos fazer parecer como informático-néscios ou "bois a olhar para computadores". Imagine que apareciam mensagens do tipo:
- "você redige mesmo bem mas a palavra sublinhada a vermelho não consta no meu repertório. Provavelmente sou eu que sou iletrado mas se puder confirmar";

- "Eu tentei enviar a sua mensagem mas não consegui. Você fez tudo bem. Aliás, faz sempre tudo bem. A culpa só pode ser minha ou do destinatário do seu e-mail que não merece que você lhe mande correspondência ao comportar-se desse modo";

- "A password que você digitou deve estar certa. O estúpido do meu programa é que não se lembra dela e, por isso, não o deixa entrar. Não terá outra para experimentar?";

- "Você já tem um anti-virús que é espectacular. O melhor que se pode ter! Nem devia precisar de outro. Nós é que somos limitados em detecção de novos virús e esquecemo-nos de alguns. Importa-se de actualiza-lo?";

- "As suas ideias para tratar esta imagem são de uma imaginação e criatividade fora do comum. Sou, de facto, sortudo em ser um programa da sua propriedade. Mas infelizmente as multinacionais ávidas de lucro já fizeram programas ligeiramente melhores do que eu mas que nem sequer chegam, no que toca ao engnenho, aos seus pés. Importa-se de, na medida do possível, adquiri-los?";

- "Bom dia, dono do meu coração, satisfação da minha alma. Acabou de me ligar. Está pronto para me dar o previlégio de premir as minhas teclas e accionar os meus programas? Você é a alegria da minha existência (e, por favor, não ligue ao clip estúpido que aparece na ajuda do Word. Ele só quer irritar-me...)"

Era bom, era... Ó! Ó!

domingo, dezembro 28, 2003

Um link misterioso

Por alguma razão que me escapa ao entendimento, uma bloguista brasileira colocou, no seu blog, um link que direcciona o utilizador directamente para o meu. Será engano? Ele, o link, está em:


http://www.bladaana.blogger.com.br/


E chama-se "Blá, Blá, Blá da Ana".

Já experimentei adicionar o "br" ao URL do meu blog para ver se era engano e não conduziu a página alguma... não vi quqlquer referência à minha pessoa ou ao blog no respectivo dela. Nem sei se me devo sentir elogiado. Vou tentar comunicar com ela...

sábado, dezembro 27, 2003

Estado cívil e questões fiscais

Já há algum tempo que me apercebi que o nosso governo não é, contrariamente ao que propala, apologista de uma política fiscal justa e adequada ao perfil do contribuinte. Esta opinião parece ser, à excepção dos mais obcecados representantes da nação da nossa maioria parlamentar e lideres do governo, um consenso. Todavia, é daquelas coisas que a gente sabe, revolta-se, protesta em conversa de café mas parece só acontecer aos outros. Até há poucos anos.
Nunca me casei. Nunca pensei seriamente nisso. Minto. Quando o fiz, fi-lo numa perspectiva de constatar que nada de vantajoso viria de um matrimónio concretizado, festejado e consumado numa data qualquer. Daí que partilhe de uma relação com a mãe do meu filho de se aproxima dos 25 anos de existência sem nunca ter experimentado o nó institucional e religioso. Não perfilamos, sequer, o que a lei designa de "união de facto", espécie de institucionalização artificial que, ridiculamente, parece precisar do carimbo de duas casas comerciais e/ou do presidente da junta de freguesia para se legitimar. Este/a senhor/a e aqueles/as dois comerciantes é que atestam da constância e legitimidade afectiva da relação entre duas pessoas "unidas de facto". "Sim, senhor! Eles andam juntos. Tenho-os visto!", dirá o/a representante do poder local na sua menor expressão, no que é corroborado pelo Sr. Manel do café e pela Sra. Maria da Padaria.

Mas falava eu da relação entre o estado cívil e das contribuições fiscais. E até as da Segurança Social. Sou, portanto, solteiro para todos os efeitos. Sobre a minha solterice já falamos. A verdade é que, sendo "não casado" (que é a categoria que se alega no boletim do IRS e em muitos para a segurança socal) tenho beneficiado de algumas vantagens que a situação de casado impossibilitaria. Vejamos: a mãe do meu filho paga prestações da casa onde moro alguma parte do tempo. Se fossemos casados, a prestação seria de acordo com o rendimento dos dois e não só dela e, obviamente, maior. Assumo-me como mero fiador.

De igual modo os subsidios "naturais" da segurança social para o nosso filho Alexandre são contabilizados em função do estado cívil da mãe. Recebemos o máximo. Para a segurança social, o nosso rebento é um pobre bébé, filho de mãe solteira, pobre e abandonada, que cuida, solitariamente, da sua sobrevivência. Não desperta uma lágrima no canto do olho do ignoto funcionário público que trata do caso mas encaixa numa categoria informática pré-definida. Gabo-me, brincando, de ter um abono de familia, em nome da mãe, maior do que alguns colegas meus, de rendimentos semelhantes, mas que recebem uma prestação assaz menor.

Em termos fiscais, o meu filho acompanha a minha declaração de IRS. Todos sabem que a diferença entre um, dois ou três filhos é residual sendo que a partir do terceiro é inexistente. Portanto serei, e agora é a minha vez, um pai soleiro para o IRS com as possibilidade de receber e/ou pagar menos de imposto do que um/uma solteiro/a sem paternidade.

O mais engraçado é que nada disto é ilegal. Mas terá um laivo de imoralidade? Terá a minha consciência motivo para zunir qualquer remorso em qualquer canto recôndito? Já cogitei sobre isto.

Em primeiro lugar nada me obriga, jurídica ou moralmente, de me associar ao clube dos casados. O contrário é que seria questionável. Em segundo lugar pensemos nos particulares ou entidades colectivas de driblam os fisco por razões permitidas ou pela ausência da sua proibição ou ainda pela falta de mecanismos de detecção e sanção (as facturas para ressarcimento de IRC, os paraísos fiscais, a não passagem de facturas de todo, as práticas conhecidas e concretizadas - essas sim, ilegais - pelos "empresários", as companhias ficticias, para não falar dos clubes de futebol, os perdões fiscais, etc.,etc). Sendo eu um funcionário que desconta "na fonte", deveria sentir-me incomodado pela minha situação? Enfim, temos um governo que presta atenção, prevê e combate a evasão fiscal e promove uma justiça fiscal adequada? Nem sequer tive direito ao subsidio de desemprego quando perdi o meu emprego numa instituição de ensino superior depois de anos e anos de descontos. Ademais, nunca cometi qualquer falsidade na declaração de IRS, não omiti qualquer rendimento (que me venha à memória) nem acrescentei qualquer "zero" a qualquer despesa. Por esta altura dirá você que eu sou é ingénuo. Provavelmente

Mas a minha ingenuidade direcciona-se, também, no sentido, de não censurar nem esta minha atitude, nem outras afins. Porque os senhores que mandam nos nossos impostos não me merecem a menor consideração, o menor respeito e o menor crédito. E não vislumbro qualquer alteração a este nível nos próximos tempos. Não contarão com o meu voto nem com a minha colaboração. E até lá continuarei com a minha malandrice legal.
Tenho dito.

sexta-feira, dezembro 26, 2003

Natal e repartição de prendas: a desigualdade dos tempos

Já há alguns valentes anos que passei de "recepcionador" de prendas de natal para mero "ofertador". Quando era criança, e obviamente não tinha rendimentos que me possibilitassem a aquisição de prendas para todos os familiares, sobretudo recebia prendas. Agora quase só as compro. E distribuo. Sem dúvida que continuo a ter Natais e respectiva ceias num ambiente familiar barulhento com crianças a correr, bébés a chorar, televisão e "famelga" em alto som. Mas no dia de Natal à noite, enquanto se distribuem as prendas, como que vejo os navios passar: o ritual da abertura de prendas é, essencialmente uma cerimónia onde toda a gente admira, com expectativa que prendas deram e quem as deu a qual criança. Parece haver sempre uma espécie de querubim privilegiado na família que recebe imensas prendas enquanto alguns outros vêm as prendas a passar. No último destes acontecimentos, por entre as prendas às crianças e seus pais, episódica e raramente, vinha passar alguma coisa para mim: nos últimos anos têm - por entre os poucos presentes que recebo, invariavelmente, as meias e outras peças de roupa. Este natal recebi duas prendas e ofereci várias. E das duas que recebi, uma delas foi comprada por mim. Outro elemento da família, homem, teve quase a mesa sorte que eu: também ele é pai e "chefe" de família. Será uma constância?

Este ano até me ocorreu que pudesse ser diferente já que eu era o pai do novo bébé da família mas não...

Não me estou a queixar. A verdade é que considero isto uma espécie de sinal dos tempos: entro numa fase da vida onde é suposto ter mais o papel de "ofertador" do que "recepcionador". É aquela fase onde, quando relevo este facto, meio a sério, meio a brincar, arranco aos familiares presentes um sorriso como que a ouvir: "sim, isso já foi chão que deu uvas. Agora tens outro papel...". E nós, "pais-«chefes»-de-família-«ofertadores»-de-presentes-à-turba" temos que nos resignar com esta situação. Estamos a cumprir o nosso papel, a nossa função.

Daí que faça um apelo aos homens e mulheres que estejam na mesma situação que eu: juntemo-nos. Façamos um fausto opíparo onde recebamos mais presentes do que aqueles que ofertamos. Se alguem souber como se faz esta aritmética contacte-me. Também quero saber..

quinta-feira, dezembro 25, 2003

Concursos com imagem digitalizada

Para quem não sabe, os concursos para pessoal docente das instituições públicas de ensino superior (universidades e politécnicos) em Portugal são todos concursos documentais, isto é, são concursos "externos" já que são abertos a qualquer candidato que reúna as condições para concorrer. E são uma vergonha. Sobretudo no que toca às condições para concorrer. Teoricamente, eles são abertos para todos, todos aqueles que, como disse, reunem as condições. Na prática são abrem para o candidato que se tem em mente. Até há algum tempo (2 ou 3 anos) estes concursos de "imagem digitalizada" ou, numa versão anterior, "concursos com fotografia", só aconteciam quando estava em jogo uma vaga de quadro, isto é, uma vaga para um professor "quasi-efectivo", já que urgia passar um perí­odo de 3 anos após o que, avaliado pelos seus pares, transitava para o quadro. Na maioria esmagadora dos casos, esta passagem concretiza-se pela mera passagem do tempo. Esta lógica aplica-se, no ensino superior politécnico do qual tenho mais conhecimento, para as vagas de professor-adjunto e professor-coordenador. Actualmente a lógica dos "Concursos de imagem digitalizada" concretiza-se até para assistente do 1..º triénio, qualquer que seja a Área, qualquer que seja a escola. "Concursos de imagem digitalizada" ou "concurso com fotografia" quer dizer que na concepção do edital do concurso (a publicar na II série do D.R.) existe, conscientemente, a preocupação de incluir um texto e uma semântica que assegure que o candidato que ganha o concurso seja, de facto, aquele que se quer a priori, que ganhe. Seleccionam-se os critérios de preferência à imagem do candidato a ganhar, inclui-se, propositadamente, a sua licenciatura, mestrado ou doutoramento, dois dos três ou mesmo os três e respectivas especializações. Assegura-se que tenha participado nos projectos e frequentado as acções de formação que o candidato participou e frequentou e outros. Deste modo, muito dificilmente o candidato ganhador não terá, antecipadamente, vencido e encimado a selecção e seriação dos candidatos opositores. O segundo caso mais escandaloso que tive oportunidade de vislumbrar ocorreu numa escola de um instituto politécnico de Viseu, onde, além daquelas preferências todas, até especificavam as disciplinas que o perfil de candidato deveria ter leccionado. Resta dizer que o candidato aprioristicamente vencedor era da casa e, obviamente, venceu. Ele ficou em primeiro lugar com cerca de 18 virgula tal valores e o segundo, um intrometido de fora que só deu trabalho ao jurí, não mereceu mais do que dois virgula tal...

O primeiro caos mais escandaloso que me recordo dos últimos tempos era de uma escola de Coimbra. Além da parafernália de preferências curriculares e outras, rezava o edita qualquer coisa do tipo: "Terá que ter estagiado na instituição tal entre 1981 e 1985 e ter seleccionado o ramo tal, especialização tal". De facto, só falta mesmo colocarem a fotografia ou digitalizarem a imagem do vencedor antecipado e dizerem: "Tem que ter este aspecto".

O mais engraçado é que isto é tudo legal já que as instituições têm autonomia cientí­fica para contratarem quem quiserem dentro de um articulado legal que em nada obstaculiza estas situações. O texto é elaborado por alguém (um presidente ou director de um Departamento ou Área Cientí­fico/a) e é analisado no Conselho Cientí­fico da instituição. Aqui, todos os conselheiros sabem para quem se destina o concurso mas, em surdina, nada dizem. Cogitam expiar antecipadamente, desse modo, não uma ilegalidade mas a imoralidade que sabem estar, explicitamente, a incorrer. Em grupos muito pequenos poderão, olhando primeiro de soslaio para todos os lados, sarcasticamente, gracejar: "Então já vai abrir o concurso para a Maria/para o António?". Eles sabem que também o concurso que lhes proporcionou a sua actual categoria foi aberto, concretizado e fechado nos mesmos moldes. Pelo que qualquer obstaculização não será benvinda: não deve haver lugar à ingratidão já que a pessoa para quem, tão graciosamente, abriram concurso irá, num futuro mais ou menos próximo, retribui­r o favor votando favoravelmente a sua passagem a definitivo ou a agregação. E é deste modo que, também, se produz e reproduz a hierarquia social que Pierre Bourdieu tão magistralmente nos mostrou.
E amor com se paga.

terça-feira, dezembro 23, 2003

Sorrisos Alexandrinos...

Tenho um filho que se chama Alexandre ("ó" ele aí ao lado e clique nele se quiser ver mais fotos). E levo-o muitas vezes comigo quando saio de casa. O Alexandre tem uma característica: sorri muito para caras de pessoas. Em muitos lugares públicos para onde o levo (nas filas dos hipermercados, em serviços públicos, no próprio infantário, etc.) sempre que ele fita alguém por cerca de 5-10 segundos arvora um sorriso de facies inteira para a pessoa que o mira. Daí que provoque - tenho-o constatado - uma reacção no/a desconhecido/a para quem o pimpolho endereça o seu olhar e sorriso.

Quase sempre este/a desconhecido fica convencido de que possui uma espécie de talento natural inato para lidar com bébés. Vejo-o e oiço-o nos comentários que, directa ou indirectamente, são captados por mim: ele é o/a acompanhante do/a descohecido/a que comenta, ele é o/a próprio que se atribui. Alguns tenta procurar outras razões. No outro dia um velhote para quem o Alexandre, invariavelmente, sorriu largamente, me inquiriu; "Sou parecido com o avô, é?" ou uma senhora "Eu devo lhe lembar alguém...". Falta-me a coragem para dizer a esta turba: "Não, ele sorri para qualquer um. Você não lhe é nada de especial. Não se iluda".

Quem sabe alguém descubra que tenha encontrado a vocação. E se assim for o meu silêncio falseia uma orientação vocacional recém descoberta. Mas porque hei-de desiludir a ignota pessoa? Porque hei-de lhe retirar um pequeno laivo de satisfação? Quem sabe a menina trintanária se decida finalmente a ter um bébé à custa desta pequena alegria? Quem sabe o marido-reticente-a-pai mude de ideias e perca o receio de paternidade?.

Afinal, o melhor do mundo não são as crianças?

segunda-feira, dezembro 22, 2003

Malditas bengalas de linguagem: o "Éssim"

Se há coisa que me parece mais irritante é a bengala do "Éssim". Até há algum tempo era apenas usada pela adolescência e juventude mas agora até a minha geração e ulteriores o usam. Invariavelmente começa-se a frase com o "Éssim". Tive um colega que frequentou comigo um pequeno curso, espécie de vaidoso da linha de Cascais e que escondia o facto de morar nos subúrbios de São João do Estoril, designer de equipamentos do IADE de formação e parasita dos pais de profissão, que usava o "Éssim" no princípio, meio e até, por vezes, no fim de uma alocução. Um dia, por gozo, fiz-lhe uma pergunta que começava com um introito mas que finalizava com a seguinte interrogação: "é assim ou não é assim?". Buscava saber se mesmo usando a palavra não como bengala mas como alternativa forçada de resposta, a bengala emergiria. A resposta dele, no sentido positivo, assegurava: "Éssim: é assim". Chiça!

Já caiu em desuso a bengala do "Portanto" (ou o execrável tributário: "Portantos") substituída pelo "Éssim". Espécie de abjecto inicio de alocução, o "Éssim" transformou-se numa verdadeira instituição nacional. Contrariamente a outras bengalas, não é usada para ganhar tempo para que a cognição busque e encontre as palavras e estrutura sintática mais adequada para a semântica que se pretende transmitir. O "Éssim" é mesmo um vício de linguagem papagaiado inconscientemente.

Quanto a mim, vou, sarcasticamente denunciando, qual ironia socrática, os "Éssins" que vou ouvindo nos alunos. E eles reparam. Esperemos que seja uma moda passageira. Porque não é assim que se tem um discurso compreensível. Não é assim que um falante se faz entender. Não é assim que se entende e fala bom português. "Não Éssim"...

domingo, dezembro 21, 2003

Os actuais alunos não sabem nada? O "saber geracional válido"

A geração mais velha, mais velha do que eu, acha que os alunos de hoje não sabem nada. Têm razão? Analisemos. Há, para cada geração, um saber considerado socialmente válido. Não tenho dúvida sobre isto. Este saber pode ser consideravelmente diferente de geração para geração. Assim, a minha geração pode, por vezes, ficar admirada com o "escandaloso" grau de ignorância que a geração ulterior à minha, ergo, os actuais estudantes (e aqui refiro-me aos estudantes do ensino superior) manifestam em relação a temas tais como a história e a geografia. A geração anterior à minha e em grande parte a minha, aprendeu aquelas duas disciplinas ou áreas curriculares à custa de um ensino tradicional onde a discussão estava arredada e a memorização excessivamente presente. Provavelmente saberei mais história e geografia que um estudante de uma universidade actual, até.

Mas dizia eu, há um saber considerado válido para cada geração. Ainda há pouco o meu ex-instrutor de condução, recitando alguns versos dos seu velho livro de leitura da quarta classe, se insurgia contra o facto de nenhum aluno actualmente os saber. Foi secundado por outros velhotes presentes. Conotando-me como um especialista em educação, perguntaram a minha opinião. Olhei para eles: esperavam a minha "douta" resposta. Espetei-lhes num linguajar que considerei adequado ao vocabulário deles, esta minha teoria do saber geracional válido. Esperavam, constatei-o, que lhes desse toda a razão do mundo. Perdi o meu estatuto de especialista em educação quando a resposta não lhes agradou. Helas!

A verdade é que cada geração considera como válido e fundamental o saber que adquiriu, apelidando os saberes escolares ulteriores de inúteis ou desadequados. O meu progenitor gabava-se, amiúde, de saber de cor todas os rios, afluentes e linhas de caminhos de ferro de Portugal. Ignorando os meus avisos de que a maior parte das linhas de comboio que, acriticamente decorou, estavam desactivadas, não sabia interpretar o horário dos comboios na estação de caminho de ferro: nunca lhe haviam ensinado. Qual dos dois seria o saber mais pertinente, mais "válido"? O meu ex-instrutor de condução, face às minhas considerações sobre o uso da informática e comunicações a distância por pessoas mais idosas, perorava sobre a inutilidade de alguém da sua geração saber tal coisa. Não dizia mas pensava como algumas das minhas alunas dos cursos de complementos de formação e a auxiliar de acção educativa da minha escola: "burro velho não aprende". E, de facto, parece que alguns não...

sábado, dezembro 20, 2003

Sinais nas rotundas

Às vezes penso que sou a única pessoa que faz sinais nas rotundas. Ensinaram-me que se deve fazer o pisca para a direita na entrada na rotunda caso se vá virar na primeira saída à direita e pisca esquerdo caso se vá para qualquer dos outros acessos na estrada circular. E depois de estar dentro daquela, o pisca à direita para indicar em qual dos acessos se vai aceder antes de se aceder a ele. Mas não vejo mais ninguém faze-lo. Estarei a fazer mal? Alguns ainda fazem o primeiro sinal mas, dentro da rotunda, urge haver o poder de adivinhar para que acesso vai entrar o condutor que nos ladeia.
Os condutores em Portugal são mesmo uma desgraça ao volante. Eu tenho uma teoria em relação ao género dos condutores/perícia automobilistica: as mulheres são mais azelhas, os homens são mais ousados. Em última instância são estes últimos os mais causadores de acidentes de viação: são mais propensos a altas velocidades e estas originam mais infortúnios. As mulheres, mais desastradas na condução, concretizam a sua azelhice em velocidades consideravelmente mais lentas dando azo ao condutor mais ou menos desprevenido, mais tempo de se aperceber e corrigir a sua trajectória ou esperar que o acto azelha termine. Que me perdoem os homens e as mulheres com o estereótipo veiculado. Eu serei, inapelavelmente, vitima dele também.

E porque tem a minha teoria esta configuração? Não faltam os estudos da psicologia diferencial que postulam a maior capacidade de localização espacial por parte do género masculino. Já viram algumas mulheres a estacionarem os veículos em marcha-atrás? É de bradar aos céus. A este nível eu sinto-me uma mulher, por vezes. Por outro lado, a mulher, na sociedade actual, tem mais motivos para se distrair ao volante do que o homem. É ela que, trabalhando, também cuida do(s) filho(s), daquilo que irá ser o jantar, do estado de arrumo/desarrumo da casa, etc., etc.. O homem preocupa-se essencialmente de questões de trabalho e de alguns dos seus interesses extra-laborais (o desporto ou outros hobbies: o blog?). À noite terá o jantar comodamente em cima da mesa. No momento em que escrevo isto está, justamente, a minha cara-metade a acusar-me de estar demasiado tempo no computador e de não ligar ao que vai ser o jantar de hoje... tenho ou não tenho razão?
"I rest my case".

sexta-feira, dezembro 19, 2003

"O síndrome da patronite aguda"

Este texto é de um ex-colega meu. A situação descrita envolveu-me já que fui a primeira vitima dela. Com a sua autorização publico-o aqui:

«Desde o final de Agosto uma série de assistentes que se encontram no final do seus contratos de provimento, enquanto docentes de uma Escola Superior de Educação, receberam uma carta de rescisão assinada pelo Presidente de um Instituto Politécnico a que pertencem. É uma situação digna da pior das fábricas de calçado do Vale do Ave. A diferença é que neste caso o "patrão" é o Estado e os "operários" são mestres e doutorandos. O governo e os dirigentes, que põem em prática a sua política, consideram estes docentes excedentários porque se tornaram excessivamente qualificados e, como tal, insuportavelmente caros para o Orçamento de Estado.
E, como no ensino politécnico os contratos de provimento são trianuais há que aproveitar o seu termo para expulsar mais uns "improdutivos" ou, pelo menos, pô-los fora da carreira de modo a precarizar ainda mais a sua situação de emprego. Ou seja, volta-se a aceitar alguns destes docentes ("os sortudos") mas equiparado-os à categoria de assistente, com contratos vigentes apenas por um ano. E se durante o próximo ano lectivo se portarem mal, continuando a investir na qualificação ou tentando reivindicar uma melhor situação laboral, corta-se de vez o mal pela raiz e cessa-se definitivamente o contrato.
A empresarialização da educação não é uma ameaça. É já um facto. Ao abrigo da suposta autonomia das instituições de ensino os nossos dirigentes (que não são mais do que docentes eleitos para os órgãos de gestão) comportam-se como autênticos patrões interiorizando os piores vícios desta classe. É um fenómeno dominante na nossa administração pública e que se tem espalhado como um vírus: o síndroma da "patronite" aguda. Este síndroma define o desejo da maior parte dos indivíduos que chegam aos cargos de gestão: mandar e decidir a vida dos colegas que estão abaixo de si, com intuito de continuar sempre na posição cimeira. Finalmente, realiza-se nestas criaturas o poder da vingança em relação àqueles que supostamente os impediram de chegar mais cedo a essa posição ou que representam uma ameaça ao poder que conquistaram e ao qual dedicaram toda uma vida. Uma vida cinzenta cheia de contorcionismos, de ambiguidades e de covardia.
É a estes homens de várias sombras, apartidários ou de todos os partidos, a que os sucessivos governos recorrem como condutores no terreno da política educativa (mas também social, económica, cultural...). Para estes homens a política não interessa, ou melhor, qualquer política serve para realizar os seus interesses particulares. Deste modo estarão sempre bem com qualquer governo. O que os move é o poder pelo poder. O problema é que estes senhores permanecem nos cargos ou ascendem a posições de maior relevo, raramente saem por iniciativa própria ou regressam à situação de meros trabalhadores. E isso é mau, porque são eles que realmente mandam no concreto das nossas vidas. Estamos nas mãos deles, o país todo está nas suas mãos.
[de Renato do Carmo e com autorização]

Um passeio na Avenida dos Banhos da Póvoa

No outro dia vieram-me à mente, em estado de reverie, dois acontecimentos da infância que aconteceram quase de seguida e que me assaltaram o pensamento quase todo o dia. Estarei numa fase nostálgica agora que me aproximo dos 40?
Teria eu uns 5-6 anos e passeava pelo Passeio Alegre na Póvoa de Varzim com a minha progenitora quando fomos travados na lenta passeata por um daqueles casais cujas conversas sociais me entediavam. A agravar, a circunstância de ter que dar um beijo a uma velhota que adornava o seu rosto com várias camadas de cremes para disfarçar a crueza dos anos. Incomodáva-me o sabor que o contacto dos meus lábios nas maçâs do rosto das sexagenárias me deixava. Tolerava, estoicamente, o acto em prol da harmonia social vigente.

Esse casal, dizia eu, fazia-se acompanhar por um senhor muito alto, muito idoso e, sobretudo, com um aspecto pálido e cadavérico. Minha progenitora não teve pejo em admirar-se por o senhor ainda estar vivo à frente do dito cujo, o que me estranhou algo. Mas o aspecto do nonagenário (soube-o prontamente) impressionava pela sua palidez e cara escavada pelos ossos da caveira. Falavam sobre a longevidade e a alimentação mais adequada para esta faixa etária. Eis que a minha progenitora, em ar triunfal, clama: "agora quanto menos comer mais vive!". No que foi corroborado pelo casal que dedezi ser aparentado com o nonagenário.

Fiquei aterrorizado olhando esbugalhado para o velhote. Eis a explicação para o seu ar cadavérico: a fome. Perpassaram-me, às volutas; mil imagens do pobre homem, numa voz rouca e aflita a pedir comida ao casal e estes a retorquirem, ufana e infantilmente "Vá! O pai sabe que não pode comer muito! Sabe que pode morrer de congestão. Vá! Porte-se bem!". Meu Deus! E isto porquê? Porque tinham prazer na sua companhia? Porque se divertiam a trocar-lhe as fraldas de incontinente e a alimentá-lo, de quando em quando, ao talher na boca? Não. Porque precisavem da reforma dele. Pois não é que o nonagenário vivia na casa do casal e tinha uma reforma de 87 contos por mês?! Na altura interpretava eu como sendo muito dinheiro e provavelmente seria.

Pouco depois aparece uma senhora acompanhada por um rapaz, presumivelmente filho e de calças de bocas de sino. Mais uma conversa entediante, cogitei eu. O rapaz tinha o cabelo cumprido, o nariz aquilino e as borbulhas despontavam, qual erupções adormecidas, no seu rosto. Era um adolescente. Achei-o feio.

Falaram de filhos. "Este é o seu mais velho?", inquire a senhora. "Não. O mais velho ficou em casa", retorque a minha progenitora. Pouco depois fala-se de bébés bonitos e como eles crescem. A minha progenitora, face à questão da senhora-mãe-do-adolescente-seboso pergunta como estão os meus irmãos. No que lhe é dito - e aqui é que a conversa me chamou à atenção - que a menina, a minha irmã mais nova, está muito bonita, que cresceu e está uma senhora. Que o irmão mais velho fez-se num homem e está muito jeitoso (e, pensava eu, "E eu?"). Que o outro irmão (que não eu: eramos quatro irmãos) também se pôs um rapaz bem parecido (e eu pensava: "E eu?"). Enfim, os três irmão ausentes tinham, pela biologia do desenvolvimento, se alindado e desenvolvido em homens e mulheres bem parecidos. Eu parecia ter sido excluído daquele concurso de beleza. Fiquei incomodado. Eis que a senhora se volta para mim e diz: "e então este é que é o...." - pensei: chegou a minha hora de elogio - "... é o segundo mais velho?". A minha progenitora hesitou, olhou para mim e num rasgo que me depauperou a auto-estima, afirmou somente "É este, é". Pronto. Eis o meu certificado de fealdade passado, assinado e carimbado pelo selo maternal. Fiquei desolado.

Na hora da despedida, a minha progenitora olha para o adolescente-gedelhudo-seboso-e-de-acne-esfusiante e diz: "Este também se pôs bonito". No que foi secundada pela mãe dele. Graças a Deus! Mesmo no gongo!

quinta-feira, dezembro 18, 2003

Em que geração estão as boas maneiras?

Não se diz que a juventude actual não tem bons modos? Não se diz que são mal educados?
Que é, enfim, uma "geração rasca"? Porquê? Os mais velhos têm bons modos? Cada vez mais reparo que é da geração anterior à minha que a malcriadice está mais entranhada: eu vejo mais preocupação com o ambiente nos mais jovens do que nos quarentões e daí por diante. Já viram algun dirigente de uma ONG com preocupações ecológicas que não fosse um jovem? Eu vejo velhotes a cuspirem para o chão, a deitarem o maço de tabaco vazio, descaradamente, para o chão. Eu vejo velhotas a passarem à frente nas filas dos serviços públicos. Eu vejo cada coisa...
Os jovens de hoje podem ser alcunhados de ignorantes mas que são mais sérios e bem educados que a geração anterior. Não tenho grandes dúvidas sobre isso. E a geração anterior sabe disfarçar a sua ignorância. Mas não o sabe fazer na questão das boas maneiras. Não leram os manuais de civilidade da Madame Gencé ou da "Madame X"? Ou da Condessa de Ségur? Seguramente que não... e não vejo senão a geração anterior a criticar a falta de boas maneiras dos jovens actuais omitindo, consciente ou inconscientemente, a sua rudeza de maneiras.
A este nível, há esperanças de um futuro melhor...

sábado, dezembro 13, 2003

Você é um ignorante em termos de sociedade de informação?

Esta mensagem causou algum furor, em surdina, aos meus colegas docentes por se aperceberem que, afinal, era "ignorantes na sociedade da informação". Muitos deles aperceberam-se de que nem sequer sabiam enviar um e-mail. Parte da mensagem retirada de um Decreto-lei e parte do "Público". Veja você se sabe as competências nele descritas.

De acordo com o Decreto-Lei 140/2001 (A) um analfabeto, iliterato ou "ignorante" (sic) na "Sociedade da Informação" é todo aquele que não souber executar com êxito qualquer das seguintes tarefas.:
1. criar uma pasta e dar-lhe um título;
2. digitar, gravar e imprimir um texto dado;
3. aceder à World Wide Web;
4. entrar num motor de busca à escolha;
5. pesquisar sobre um tema dado e imprimir uma das páginas respectivas;
6. entrar numa caixa de correio electrónico;
7. ler uma mensagem recebida e imprimi-la;
8. enviar uma mensagem, anexando o texto anteriormente digitado."

"Se souber fazer tudo isto, digamos que sabe ler e escrever, em termos
de sociedade da informação... Senão... está à espera de quê????"

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Sabia que os professores do ensino superior não têm direito a subsídio de desemprego?

Sim. Sabia? Se calhar não. "E porque haveriam de ter?", diz você, sentado no seu sofá a dedilhar o "Expresso" enquanto faz zapping ao aparelho de televisão à espera do futebol ou de qualquer programa onde apareçam algumas raparigas menos vestidas. E porque haveriam de ter?! Porque, tal como muitos trabalhadores da função pública, descontam grande parte do seu ordenado na fonte, sem qualquer hipótese de fuga fiscal tão comum noutras paragens. "Mas eles ganham balúrdios!", diz, ufanamente, você.
Pois bem. Sabia que não ganham muito mais do que os docentes do ensino secundário e que, nalguns casos, até ganham menos? Que mais de 70% dos docentes do ensino superior estão em lugares precários e muitos deles têm contratos anuais, isto é, estão sujeitos a serem despedidos, com um pré-aviso de um mês de antecedência e que todos os anos, perto do final do contrato, sobressai o calvário de não saber se irão ter emprego pouco depois?
"Mas isso também se aplica aos docentes do ensino básico e secundário!", brada você. Pooooooiiiiisssss... mas esses têm direito ao subsidio de desemprego...
Ah! Você calou-se agora?! Sabe, enfim, que muitos destes 70% estão a ser paulatinamente despedidos, não tanto pela falta de alunos mas pelas restrições orçamentais que o Estado impôs aos Politécnicos e às Universidades?
Pois bem! Pensará, a partir de agora, duas vezes antes de verberar que os docentes (e os investigadores também! Também os há!) são uma classe privilegiada que nada fazem. Esses... também os há... são parte dos outros 30%...
Eu, espécie de sindicalista amador, ando já há algum tempo envolvido em actividades que visam a promulgação da lei que confira o subsidio de desemprego aos docentes e investigadores do ensino superior. Já fui recebido nalgumas comissões trabalho de deputados (de que falarei noutro post) e por partidos da oposição e da maioria parlamentar e a tónica não é muito diferente: "Pois sim... tem que haver subsidio para eles mas temos que ver... formar uma comissão... discutir propostas... propor textos... considerar as realidades... acautelar as situações...[etc.]" e as propostas que vão surgindo na Assembleia da República vão sendo paulatinamente chumbadas pela imposição da disciplina de voto da maioria parlamentar às propostas de lei das oposições. A este nível até o PS revela a covardia de se abster às propostas de outros partidos de esquerda.

Mais recentemente, o grupo parlamentar do PSD recebeu-me e a outros sindicalistas para discutir o texto de uma proposta do PS que deixava muitos docentes de fora. Para o fim, debatia-se se os docentes que deixavam passar todos os prazos para efectuar o grau académico que lhes permitira passar à categoria seguinte deveriam ter ou não direito ao subsídio de desemprego. Timidamente os representantes social-democratas da nação acharam que não, que deveriam ser castigados por tal incúria. Que não bastava terem descontado durante décadas e décadas para terem direito à prestação social. Quem diz e acha isto são funcionários públicos, com maior responsabilidade que qualquer um de nós, que ao fim de oito anos de exercício no hemiclico tem direito a um subsidio vitalicio...

E assim vai o nosso "Portugal dos pequeninos"...

quarta-feira, dezembro 03, 2003

A caloteirice nacional é uma pescadinha de rabo na boca...

Tenho uma espécie de cunhado a quem devem mais de 15000 euros (cerca de 3000 contos) por trabalhos de construção cívil que ele, à custa de alguns sacrifícios pessoais, foi fazendo em horas extraordinárias. Normalmente, o trabalho encomendado deveria ser pago numa percentagem combinada mesmo antes do seu inicio. Mas ele é demasiado bom compincha para exigir isso dos clientes. E sabe que se o fizer o comprador irá, muito provavelmente, encomendar o serviço a outra freguesia. Não o exige, portanto. E padece por isso. Não raro, muito depois de terminada a obra, o pagamento tarda em aparecer. Vê-se, então, envolvido em idas e mais idas ao local do comprador para cobrar a dívida sem resultado: o comprador alega, com a maior naturalidade do mundo, que não tem que lhe pagar porque ainda não lhe pagaram a ele. E com esta "legitimidade" o manda vir "na próxima quarta-feira, quem sabe...". Na quarta-feira seguinte é a mesma ladaínha.

Estas espécies de avantesmas, empreiteiros e sub-empreiteiros de garagem, ufanam o seu opróbrio antes e depois de adentrarem o seu BMW de alta cilindrada, a sua vivenda de três pisos e a sua piscina nas traseiras da mesma. Eles abundam em Portugal, sem registo, sem alvará e sem licença de construção. Para quê? E ainda são ressarcidos de IRC por parte do Estado de despesas que, outros comerciantes de material de construção, tão prestimosamente facilitam por via de facturas duvidosas. E o meu espécie de cunhado lá vai penando, de quarta-feira em quarta-feira em busca de um dinheiro ilusório que mais não servia para pagar a prestação da casa e o sustento da família. E porque não é ele mais selecto na escolha de clientes? Porque ele sabe que, estas avantesmas que se valem da crise económica para enriquecer, são dos poucos que ainda contratam operários para obras. Sabe que é melhor a perspectiva de algum dinheiro (ainda que muito atrasado) do que nenhum. E sujeita-se.

Não nego que a estes estupores devam algum dinheiro. E que alguns dos devedores sejam organismos do Estado (o maior caloteiro nacional) mas sabe que mantém sempre um generoso fundo de reserva (vindo, sobretudo, dos consumidores comuns que lhe pediram a encomenda da obra) que lhe permite, entre outros, contratar os serviços jurídicos para reaver, ainda que mais tarde, o ressarcimento com juros de mora. O meu espécie de cunhado é que não. E assim vai o nosso "Portugal dos pequeninos"...

terça-feira, dezembro 02, 2003

Resposta de Pedro "Cunha" Lynce aos seus detractores

Escrevi este texto de um só arrojo há algum tempo. Não mantém actualidade mas decidi publica-lo aqui já que recebi vários feed-backs bastante elogiosos a respeito dele. É a resposta do ex-ministro da ciência e ensino superior aos deus detractores no caso do favorecimento da filha do ministro dos negócios estrangeiros.
O ex-ministro Pedro Lynce deu-me, quando era secretário de Estado, 500 contos pelo prémio a que a minha tese de mestrado foi sujeita. Ele que me desculpe a ingratidão. De qualquer modo, o dinheiro não era dele...

«Meus caros detractores

Antes que me crucifiquem na praça pública desejo apenas que atentem nas minhas justificações e avaliem o grau de honestidade que delas emana:

1. a aluna em causa é de uma maturação e moralidade (o nome "Cruz" não engana) inquestionável. Seguramente extravazará e contaminará os seus colegas de curso, normalmente vaidosos e cheios de si, numa escola onde o custo per capita é dos mais altos do nosso sistema. O pai da aluna, por sua vez, é de um esforço, dedicação e humildade irrepreensíveis. Concordarão, certamente, que estas qualidades são necessárias em qualquer curso superior;

2. a aluna em questão tem frequentado escolas que corporizam de um certo nível intelectual e social e se enformam de um "habitus" altamente direccionado para o sucesso. Não concordarão, decerto, que tal potencial seja empobrecido se a estudante fosse colocada num qualquer politécnico do interior ou numa universidade do litoral de segunda categoria;

3. Considerem que a aluna referida tem um passado e uma infância plena de privações com graves prejuízos para a sua personalidade: muda de mansão para mansão, sujeita-se a diferentes jacuzzis e piscinas quase semestralmente, é obrigada a provar diferentes pratos em diferentes capitais europeias (sabe-se lá feitos de quê...), visita diferentes monumentos e museus pela Europa fora que só lhe dão conflituosas percepções de arte e história já não falando da confusão de unidades monetárias diferenciadas. Acaso querereis perturbar ainda mais a construção da identidade da jovem?

4. Sendo, parece-me, pessoas informadas, saberão das dificuldades financeiras que perpassam o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros (situação agravada pela contratação da Dra. Maria Elisa para conselheira Cultural em Paris). Neste sentido, eu sempre defendi que nenhum estudante ficará de fora do ensino superior por dificuldades financeiras. Eis, inequivocamente, uma prova da minha boa fé;

5. É mais que sabida a falta de médicos que assola o nosso país e os espaços que ainda há para clinicas médicas privadas em Lisboa, sabe-lo-eis. Contribuo, deste modo, para a formação de mais um agente de saúde tão necessário ao nosso SNS. Seguramente não me condenarão por isso;

6. Em rigor a irregularidade que me atribuem não é verídica: a aluna em causa estudou no Liceu Francês Charles Lepierre. Muitos dos seus estudantes só lá ingressam depois dos necessários vistos da Embaixada Francesa em Portugal. Porconseguinte, tal como esta, o Liceu pode ser considerado "território estrangeiro" em Portugal. Inquiram os nosso valiosos anti-fascistas que, no tempo da ditadura, se escondiam no referido Liceu para se protegerem da PIDE. Porventura negarão a importância de tais valiosos combatentes com tais invios ataques à minha pessoa?

CONCLUSÃO: se permanecer no governo (...) para não ser acusado de promover a excepção na excepção redigi o parecer "Concordo com a metodologia proposta que deve ser adoptada em casos semelhantes". Doravante, para não individualizar este caso, todos os filhos ou filhas, sobrinhos, afilhados, etc., de ministros, secretários de estado, afins ou próximos, que não possuam média para entrar no curso superior que desejam (ou de um curso que tenha uma média consideravelmente alta) e que tenham, vagamente ou num passado próximo ou distante, preenchido uma das vagas de excepção (ou de excepção à excepção ou de excepção à excepção da excepção), serão tratados do mesmo modo. Não impenderá, então, sobre mim, qualquer acusação de discriminação positiva. Certo de que considerarão coerentes e justas as minhas explicações, subscrevo-me,

Tenho dito.

Pedro "Cunha" Lynce»

segunda-feira, dezembro 01, 2003

"Acontecências" do "Portugal dos Pequeninos": o que é?

Começam aqui as reflexões sobre o "Portugal dos Pequeninos". Pequeninos de honestidade, pequeninos de verticalidade, pequeninos de rigor, "pequeninos" de empenho, mas grandes na arbitrariedade, grandes na prepotência, grandes no abuso e no "salve-se quem puder"... mas também estados de espirito, cacos, trapos e contradições, esperanças e desilusões.

Para denunciar as tropelias, as injustiças e as discriminações e também para acalmar os espiritos depauperados que vou encontrando. Sobretudo o meu...